Os hospitais detidos pelo setor social, designadamente as misericórdias e as unidades militares, continuam a funcionar sem qualquer processo de licenciamento. A irregularidade persiste devido à ausência de regulamentação que o Governo continua por concretizar. Na verdade, já vão onze anos desde que foi publicado o decreto-lei que define o regime jurídico a que ficam sujeitos “a abertura, a modificação e o funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, qualquer que seja a sua denominação, natureza jurídica ou entidade titular da exploração.”
O decreto estabelece “os requisitos mínimos relativos ao licenciamento, instalação, organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas nas unidades de cirurgia de ambulatório detidas por pessoas coletivas públicas, instituições militares, instituições particulares de solidariedade social e entidades privadas.”
As exigências são muito detalhadas – financeiramente pesadas, diz fonte do setor – e englobam especificações sem fim: quadro de profissionais obrigatório, blocos operatórios, segurança nos elevadores, tamanho dos quartos e casas de banho, instalações de gás, entre outras.
Acontece que as misericórdias e os hospitais militares estão a passar pelos pingos da chuva, porque o ministério da Segurança Social e do Trabalho ainda não publicou a portaria de extensão que define os formalismos e requisitos legais necessários para o licenciamento destes hospitais – ao contrário do que acontece com o Serviço Nacional de Saúde e com o setor privado, sujeitos a escrutínio e regras explícitas.
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS), perante esta indefinição, declarou recentemente que, “até à data, não foi aprovada a portaria a definir os termos desse procedimento aplicável às IPSS e instituições militares, pelo que o mesmo não lhes pode ser exigido”, isentando, na prática, estas unidades hospitalares do cumprimento dos requisitos de licenciamento que constituem padrão para o resto da rede hospitalar nacional.
Este longo impasse preocupa os operadores privados, que olham para este vazio e ausência de fiscalização como prova de uma distorção do mercado e um fator de insegurança para os doentes.
Segundo Óscar Gaspar, presidente da APHP (Associação Portuguesa de Hospitalização Privada), o problema é grave.
“Deparamo-nos com uma situação anómala no sistema de saúde”, diz, recordando que o decreto-lei “prevê um regime jurídico comum para todos os estabelecimentos prestadores de cuidados, independentemente da sua natureza jurídica ou entidade titular.”
Este quadro foi reforçado em março de 2024, com a definição de requisitos mínimos específicos para o licenciamento, organização e funcionamento de várias tipologias de prestadores. Contudo, a ausência da portaria impede que haja processo de licenciamento para os hospitais do setor social, o que significa que, neste momento, cerca de 25 unidades das misericórdias, sobretudo no norte do país, e também os hospitais militares operam sem serem sujeitos, ao mesmo controlo e exigência que o SNS e o setor privado.
Segundo Óscar Gaspar, esta exceção cria um problema adicional de concorrência, já que o licenciamento obriga a que sejam feitos investimentos para a adaptação a normas rigorosas que não estão a ser exigidas às misericórdias ou aos hospitais militares.
O presidente da APHP nota ainda que esta falha deixa dúvidas sobre o cumprimento das regras legais de segurança e qualidade, uma vez que não existem garantias de que estes estabelecimentos estejam sujeitos ao mesmo nível de fiscalização.
Apesar deste quadro de insegurança, o SNS continua a contratar os hospitais do setor social, o que levanta questões sobre a equidade e a transparência do sistema de saúde.
Embora o Ministério da Saúde tenha já definido todos os procedimentos para as instituições do SNS, permanece por resolver a falha do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, responsável por suprir a omissão que impede o licenciamento destas unidades. Para o setor privado, é urgente que seja publicada a portaria em falta e resolvida esta situação que compromete o equilíbrio, a confiança dos utentes e o próprio funcionamento do mercado da saúde em Portugal.
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