A bastonária dos contabilistas certificados concorda com as palavras do primeiro-ministro sobre os reembolsos do IRS, salientando a justiça que este novo paradigma traz, apesar da perceção de alguns contribuintes. As alterações nas tabelas de retenção visam repor alguma justiça aos contribuintes, que assim adiantam menos dinheiro ao Estado, mas é necessário que os portugueses “estejam atentos” a estes anúncios e aos avisos que deles decorrem, defende Paula Franco.
“Esta polémica tem a ver com algo que aconteceu durante anos e que agora os portugueses têm essa expectativa. Mas o ideal é adiantarmos menos ao Estado, não colocarmos o nosso dinheiro do lado do Estado e ficarmos com ele ao nosso lado”, começa por referir a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) ao Jornal Económico, isto a propósito das declarações do primeiro-ministro no fim de semana sobre a diminuição nos reembolsos do IRS.
Luís Montenegro admitiu que boa parte dos portugueses terá menos reembolso – ou poderá mesmo ter de pagar IRS –, mas defende que tal sucede “por uma boa razão”. “Aquilo que não é justo é que nós, por regra, fiquemos com mais do que aquilo que vamos cobrar, o que vai inibir a pessoa ao longo do ano de ter o rendimento que é verdadeiramente seu”, explicou.
Paula Franco concorda “plenamente” com as declarações do primeiro-ministro, falando numa situação “que era urgente modificar” e que, de resto, “já tem vindo a ser modificada”.
As tabelas de retenção já tinham sido alteradas em 2023, algo que voltou a suceder no ano seguinte “para que o adiantamento fosse muito próximo do IRS final”, lembrou, “e isto é que é o ideal”.
“Na retenção na fonte que se faz em janeiro, só um ano e três ou quatro meses é reavido o que se adiantou a mais”, apontou, de forma a ilustrar a injustiça para os contribuintes deste sistema. Numa altura de inflação acima do desejável, como se vive atualmente na zona euro, estas perdas são ainda mais significativas, mas, para a bastonária, “em qualquer período” esta dinâmica deve ser evitada.
Segundo as estimativas do Conselho de Finanças Públicas (CFP), os reembolsos do IRS este ano serão 1.167 milhões de euros abaixo do registado no ano anterior, fruto das alterações às tabelas de retenção na fonte aplicadas no último trimestre do ano passado. Na altura, o Governo avançou com a aplicação retroativa das novas tabelas ao ano inteiro, devolvendo o excesso de retenção cobrado nos primeiros oito meses de 2024 em setembro e outubro.
Agora, inúmeros contribuintes têm constatado que o habitual reembolso aquando da liquidação do IRS diminuiu consideravelmente, passando até, nalguns casos, a um montante a pagar pelas famílias – algo que Paula Franco lembra ter sido comunicado repetidamente no ano passado.
“Quando, em outubro do ano passado, todos recebemos mais rendimentos, todos falámos deste assunto: a comunicação social, a OCC, todos”, recorda, pelo que urge que “os portugueses estejam atentos ao que é dito”. Por outro lado, num país com problemas crónicos de literacia financeira, esta surpresa vivida pelos contribuintes também acaba por espelhar esta deficiência, reconhece.
De 500 euros de reembolso a 50 euros em dívida
A OCC já tinha avançado com algumas simulações para ilustrar o que podem esperar os contribuintes na liquidação do IRS referente a 2024, alertando para a diminuição do reembolso em muitos casos e, noutros, para a necessidade de pagar ao Estado.
A Ordem explica que, por exemplo, no caso de um pensionista com 1.300 euros de reforma, o reembolso de 500 euros que recebeu no ano passado passa, neste ano, a um pagamento de 50 euros. Por outro lado, um casal de pensionistas com reformas de 3.500 euros cada passa de 4.000 euros de reembolso em 2024 para 2.500.
Olhando para os trabalhadores, um contribuinte solteiro, sem dependentes e com um salário de mil euros brutos receberá agora 197 euros de reembolso, bastante menos do que os 440 registados no ano passado. Na mesma linha, um trabalhador solteiro e sem filhos com um salário ilíquido de 2.300 euros vê o reembolso cair de 914 euros no ano passado para apenas 119 euros este ano, uma queda fruto não só das alterações nas tabelas de retenção, mas também do próprio imposto a pagar.
As menores retenções do IRS em setembro e outubro do ano passado foram consequência das descidas do IRS, aprovadas no parlamento – a atualização dos escalões me 3% e reduziu as taxas entre 1,25 pontos percentuais (p.p.) e 3,5 p.p. até ao quinto patamar de tributação por via do OE2024. As tabelas de retenção passaram, assim, a refletir a descida do imposto aprovada no parlamento com retroativos a janeiro para compensar as retenções feitas nos primeiros nove meses (até agosto mais o subsídio de férias), o que trouxe alívios mensais acima dos 500 euros nos salários mais elevados por via dos descontos de imposto mais baixos. Com o mecanismo extraordinário criado para aqueles dois meses, salários até 1.175 euros não tiveram de adiantar imposto ao Estado, durante aqueles dois meses. E nas pensões, não houve lugar a retenção na fonte até aos 1.202 euros para um solteiro, divorciado, viúvo ou casado (dois titulares), quando este reformado costumava descontar a partir dos 838 euros mensais.
Já nos dois últimos meses de 2024 vigoraram outras tabelas, sem o efeito compensatório da retroatividade, que permitiram uma descida menos expressiva do imposto, refletindo o novo alívio fiscal do PS à revelia do Governo que levou a uma descida das taxas entre 0,25 e 1,5 pontos até ao 6.º escalão do IRS com efeitos a 1 de janeiro de 2024. E ainda a atualização da dedução específica, proposta pelo BE, que elevou a parcela de rendimento isenta de imposto dos 4.104 para 4.350,24 euros.
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