[weglot_switcher]

IGF alerta Governo para “falsos residentes” em regime que dá bónus no IRS

A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) alerta o Governo para a necessidade de reforçar “as rotinas de controlo” com vista à confirmação da residência efectiva em Portugal de estrangeiros que aderem ao regime fiscal dos residentes não habituais (RNH) para beneficiarem de um desconto de IRS com uma taxa fixa de 20%.
  • Cristina Bernardo
29 Janeiro 2019, 07h30

Através do Regime Fiscal para Residentes Não Habituais (RNH), Portugal acolheu, nos últimos nove anos, quase 24 mil estrangeiros de 146 países. IGF alerta, no entanto, que regime que pretende atrair para novos residentes e dá desconto no IRS tem “controlos insuficientes”. E sinaliza “situações de risco” em auditoria ao RNH que, diz, podem configurar “falsos não residentes”.

A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) alerta o Governo para a necessidade de reforçar “as rotinas de controlo” com vista à confirmação da residência efectiva em Portugal de estrangeiros que aderem ao regime fiscal dos residentes não habituais (RNH) para beneficiarem de um desconto de IRS com uma taxa fixa de 20%. A recomendação consta de uma auditoria ao sistema de controlo do RNH, entre 2012 e 2014. Só neste período Portugal acolheu mais de 3.100 estrangeiros com rendimentos obtidos de 679 milhões de euros, num regime que, nos últimos nove anos já aderiram perto de 24 mil estrangeiros essencialmente de França, Reino Unido e Itália.

“À data das verificações, constatou-se a necessidade de adoção de rotinas de controlo destinadas a assegurar a confirmação da residência efetiva em Portugal, aspeto que, associado ao facto da obtenção do estatuto de RNH não implicar a aquisição de habitação própria e/ou a celebração de contrato de arrendamento, pode limitar os objetivos pretendidas com o regime”, revela a IGF na auditoria a que o Jornal Económico teve acesso, alertando que “controlos insuficientes podem limitar os objetivos do regime”.

A IGF recorda que o RNH, em vigor a partir de finais de 2009, com o objetivo de atrair novos residentes como estímulo ao desenvolvimento e crescimento económico, veio permitir a tributação por taxas mais baixas do que a tributação regra de rendimentos provenientes de atividades de elevado valor acrescentado, obtidos em Portugal ou no exterior. E ainda a não tributação de outros rendimentos obtidos no exterior, de acordo com requisitos de reciprocidade previstos, designadamente, pela aplicação de convenções para eliminar a dupla tributação.

Segundo o relatório, em finais de 2014, o regime abrangia 3.109 contribuintes (64% dos quais originários de França, Suécia, Espanha e Reino Unido) e um volume de rendimentos de cerca de 679 milhões de euros, no período 2012/2014, dos quais462 milhões de euros (68%)) respeitavam a rendimentos de pensões e de capitais provenientes do exterior.

Segundo a auditoria da IGF, não obstante alguns ajustamentos efetuados desde o início da sua vigência, o acesso ao regime e manutenção do mesmo evidenciava, à data das verificações (2015), “a necessidade de reforço dos controlos, após a autorização”. O objectivo, diz, visa garantir que os contribuintes que usufruem do regime mantêm as condições durante o período em que beneficiam do mesmo – é o caso da residência em Portugal e exercício de atividades de elevado valor acrescentado.

Alerta para falsos não residentes
A IGF alerta que as verificações efetuadas no âmbito do acesso ao regime e às respectivas situações de risco permitiram evidenciar a necessidade de impedir situações que possam configurar “falsos não residentes”. Recomenda, por isso, que situações de risco carecem de “controlos específicos pela AT” e sugere a “simplificação do regime e reforço do controlo dos beneficiários”.

“As principais recomendações à AT foram formuladas com a finalidade de simplificar o processo de acesso ao regime, designadamente através de uma funcionalidade específica “on-line” no Portal das Finanças, bem como de reforçar os mecanismos de controlo dos beneficiários”, explica a entidade de auditoria a quem cabe assegurar o controlo da administração financeira do Estado.

Como funciona o RNH
Os contribuintes que aderem a este regime estão sujeitos a uma taxa de retenção na fonte (IRS) de 20% sobre rendimentos obtidos em Portugal. Para além dos rendimentos do trabalho e empresariais, também as pensões estão incluídas. Só poderão obter este estatuto especial os residentes que tenham estado em território português por menos de 183 dias, de acordo com a lei.

O regime visa atrair profissionais qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões.

A adesão a este programa disparou em 2014, tendo atingido o valor máximo em 2017 com 7040 novos beneficiários. Quanto à despesa fiscal, embora não sejam conhecidos os valores de 2017, duplicou entre entre 2015 e 2016.

Os últimos dados disponíveis mostram que os encargos com residentes não habituais passaram de 155 milhões de euros em 2015 para 350 milhões de euros em 2016.

Investimentos de 11 mil milhões em Portugal
Segundo dados da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), através do Regime Fiscal para Residentes Não Habituais Portugal acolheu, em nove anos, quase 24 mil estrangeiros de 146 países. Esta modalidade fiscal terá permitido um investimento entre os 9 e os 11 mil milhões de euros. Entre os países mais representados estão França, Reino Unido e Itália.

Segundo a APEMIP, o modelo “trouxe investimento, ajudou a reabilitar os centros das cidades, criou emprego e trouxe dinheiro para o país, tanto por via de impostos directos como o IMI ou o IMT, como por via de impostos em indirectos”.

A associação liderada por Luís Lima destaca que cerca de 80% dos estrangeiros que usufruem deste regime tenham fizeram transacções imobiliárias, o que só em investimento directo deve corresponder a cerca de 9 a 11 mil milhões de euros que o país recebeu.

De entre os 23.767 cidadãos estrangeiros que investiram em Portugal, 6.448 são de nacionalidade francesa, 2.718 são britânicos, 2.513 italianos, 2.042 suecos e 2.005 brasileiros.

O Bloco de Esquerda quer a revogação deste diploma que confere um alívio fiscal aos contribuintes. Mas o Governo não se tem mostrado disponível, preferindo alargar os benefícios a portugueses que saíram durante a troika.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.