O reconhecimento de diplomas de estudos brasileiros em Portugal e o combate à discriminação, sentida na pele pelos imigrantes, estão entre as prioridades em acordos ambicionados pelos testemunhos recolhidos pela Lusa, no âmbito da 14.ª Cimeira Luso-Brasileira.
“Tomara que saiam acordos, muito efetivos, sobre o reconhecimento de diplomas. Isso é algo muito importante para nós (…) também esperamos que saiam daqui medidas sobre o combate ao racismo e à xenofobia. Acho que deveria ser uma das questões principais desta cimeira”, declarou à Lusa a vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Cyntia de Paula.
Enzo Coelho, produtor audiovisual há dois anos a viver em Portugal, concorda que o reconhecimento de diplomas deve ser uma das prioridades.
“Eu acho que o Governo brasileiro e o Governo português poderiam sim encontrar formas de trabalhar em conjunto para tornar a vida do imigrante mais digna, com mais condições, inclusive para estudantes, a nível de diplomas”, disse à Lusa.
“Eu tenho muitos conhecidos, muitos amigos que, por exemplo, no Brasil são veterinários, dentistas ou médicos, e que, simplesmente, não conseguem estar aqui a exercer essa mesma profissão, porque, por algum motivo que eu não consigo compreender, esses diplomas não são válidos aqui”, lamentou.
Cyntia de Paula acrescentou que, nos últimos anos, Portugal tem recebido pessoas qualificadas que não conseguem ingressar no mercado de trabalho devido ao não reconhecimento dos seus estudos, mas também “pelo valor (…) que lhes é cobrado”, e defendeu a necessidade de se iniciar um diálogo com as ordens e associações profissionais e com os ministérios que tutelam estas áreas.
Outra questão citada à Lusa como sendo urgente no debate entre as duas nações, nesta cimeira, que começa quarta-feira, em Brasília, é a discriminação.
A Casa do Brasil de Lisboa tem recebido mais queixas sobre discriminação, frisou a sua vice-presidente, a qual espera que essa seja uma das prioridades na cimeira e que surja um “protocolo entre as duas nações”.
“Essas situações de discriminação são muito comuns, infelizmente, em diversos setores – como em serviços públicos ou privados – nos locais de trabalho e na internet”, enumerou.
Enzo Coelho relatou não ter sentido um aumento da discriminação, mas frisou que esta sempre existiu, por exemplo, na procura de casa ou de trabalho.
“Eu, como um trabalhador autónomo, muitas vezes, em momentos de fechar contratos e fechar trabalhos, no momento que a pessoa vê que eu sou brasileiro, isso parece que já diz mais sobre o meu trabalho do que o meu trabalho propriamente dito”, lamentou.
O imigrante brasileiro relatou à Lusa que, no seu primeiro ano em Portugal, a questão da habitação foi muito complicada: “Na maioria das vezes, quando fazia um telefonema para algum anúncio [de arrendamento de casas] e percebiam que eu era brasileiro, a pessoa cancelava logo”, o que fez com que tivesse de mudar de casa cinco vezes.
Quanto à perceção de insegurança, a Casa do Brasil alerta para o seu uso em discursos de ódio por parte da extrema-direita.
“O que mais me preocupa é o crescimento dessa ideia da criminalidade relacionada com a imigração”, disse Cyntia de Paula.
“Nós temos assistido ao crescimento de um discurso que não é verdadeiro, que nem sequer as forças de segurança confirmam esse aumento da criminalidade, ou seja, há aqui um aproveitamento de grupos ligados à extrema-direita e mesmo de partidos que têm essa orientação política, presentes no parlamento, e do próprio Governo”, disse.
Cyntia de Paula frisou que “imigrar é um direito e que a imigração não é um crime”.
Para Mariana Esser, uma imigrante brasileira, trabalhadora-estudante, que veio para Portugal com 15 anos, o aumento da insegurança vem desde os tempos da pandemia da covid-19, quando “a insegurança monetária aumentou a insegurança nas ruas”.
Já Enzo Coelho afirmou ter pouco sobre que se queixar neste tema, salientando que “Portugal é um país que tem uma segurança muito elevada” em relação ao seu país.
O Relatório de Migração e Asilo de 2023, divulgado em setembro último, aponta para a presença de perto de 370.000 imigrantes brasileiros em Portugal, a comunidade mais representativa dos cerca de um milhão de cidadãos estrangeiros com autorização de residência.
A 14.ª cimeira luso-brasileira seguirá o modelo da edição anterior, realizada em Lisboa, em 2023, e será precedida, na terça-feira, por uma visita de Estado do Presidente português, incluindo uma passagem pela cidade do Recife, onde receberá um título ‘honoris causa’.
No âmbito da cimeira, haverá um encontro entre o primeiro-ministro português e o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, seguido de reuniões e da assinatura de vários acordos bilaterais em áreas como defesa, segurança, justiça, ciência, saúde, comércio, energia e cultura.
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