O número de edifícios licenciados para construção de habitação nova, no segmento de habitação familiar, registou uma quebra de 15,6% para 3.365 casas no primeiro trimestre de 2024, em comparação com o período homólogo do ano anterior (3.988), segundo os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Uma descida que os especialistas do sector, ouvidos pelo Jornal Económico (JE), atribuem à instabilidade política que se viveu no país, decorrente das eleições legislativas antecipadas que se realizaram a 10 de março, tendo o novo Governo tomado posse a 2 de abril.
O sector aguarda agora os dados das obras licenciadas e concluídas do segundo trimestre, para confirmar se a tendência de quebra na construção nova, dos três primeiros meses do ano, foi meramente conjuntural ou será para manter.
“Não sabíamos que tipo de Governo íamos ter. Naturalmente que os promotores imobiliários pararam todos os seus projetos neste período e isso foi sentido no mercado”, refere, ao JE, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). Recorde-se que no segmento de habitação familiar, os fogos licenciados em construção nova tinham subido 1,8% no último trimestre de 2023.
Ainda no segmento de habitação familiar, segundo o INE, os fogos (frações) licenciados em construção nova desceram 20,3% no primeiro trimestre de 2024 para 7.222, quando comparado com o mesmo período do ano passado (9.060), ou seja, menos 1.838 fogos. “Isto é um reflexo do que temos vindo a dizer, que é todos os anos e décadas estamos a construir cada vez menos, em vez de construirmos cada vez mais. Na década de 90 e no início de 2000 construíamos entre 100 mil a 120 mil casas por ano e nos últimos dez anos não chegamos às 20 mil. Em 2021, estavam em falta 137 mil casas. É por isto que os preços sobem e que as casas estão caras”, sublinha o líder da APPII.
Quem também se mostra preocupado com este cenário é Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário (CI), que junta a esta instabilidade o aumento das taxas de juro, que limita o poder de compra no mercado e que vem sendo sentido desde a segunda metade do ano passado. “Esta descida de 20% é muito penalizadora para um mercado que está limitado e constrangido pela falta de oferta. Ou seja, temos aqui o contexto para os preços voltarem a acelerar e todo o tipo de consequências negativas que daí podem resultar”, salienta.
No entanto, quer o presidente dos promotores, como o diretor da Confidencial Imobiliário, colocam de fora desta quebra do licenciamento habitacional o Simplex Urbanístico, que apenas entrou em vigor no dia 4 de março, e as novas medidas para a habitação apresentadas apenas a 24 de maio. “Essa análise só poderemos fazer quando tivermos os dados do segundo trimestre, embora ache que vai continuar a existir uma quebra”, afirma Hugo Santos Ferreira.
Já Ricardo Guimarães acredita que o Simplex tem um objetivo consensual, mas sem uma reforma realizada e tempo de preparação dos promotores, projetistas e autarquias, é natural que tenha sido um fator adicional de perturbação neste período. Sobre as medidas do Governo, o responsável mostra-se preocupado com a demora da implementação do IVA a 6% na construção, considerando que “existe um risco do adiamento de projetos, dado que essa medida ficou pendente. “Se houvesse uma perspetiva de agravamento do IVA, se calhar havia uma aceleração dos projetos para aproveitarem essa janela, mas como a perspetiva é de redução do IVA, o estímulo é o adiamento”, explica.
Opinião diferente tem Miguel Garcia, administrador da construtora Garcia Garcia, que refere, ao JE, que a descida nos edifícios licenciados se deve a circunstâncias que justificam os receios dos investidores. “Sobretudo o Simplex, porque a banca não está convencida de que o Simplex lhes dá as garantias que precisam. Tudo isto está a gerar muita incerteza nos investidores e a banca pode estar mesmo a servir de travão”, realça.
De resto, o responsável assume que em termos de atividade como um todo na construção, o cenário não é de abrandamento. “Antes pelo contrário, continuo a sentir muita pressão nos preços da mão de obra, os materiais mantém-se de alguma forma estáveis, mas com pressão”, salientando, a necessidade de resolver as questões associadas ao Simplex e que no seu entender “não são questões macroeconómicas, porque a procura está lá”.
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