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Inovação tecnológica alavanca novos conceitos de medicina

Inovação tecnológica permitiu aumentar esperança média de vida em 20 anos. Big Data e 5G vão criar novos conceitos de medicina. Centro de simulação médica é aposta de futuro.
27 Novembro 2021, 16h00

A inovação tecnológica tem influenciado positivamente a inovação na saúde, ajudando na descoberta e alcance de novos resultados de diagnóstico e tratamentos médicos, impactando na noção de bem-estar do doente e contribuindo para novos conceitos de medicina. Esta é uma constatação para dois especialistas na área da saúde ouvidos pelo Jornal Económico, que alertam, contudo, que nenhuma inovação substitui o papel fundamental do médico e para a necessidade de cautela com eventuais riscos, no longo prazo, perante uma disrupção tecnológica na área da saúde.
“As inovações tecnológicas têm sido um dos motores de inovação na saúde e estão na base das maiores disrupções nesta área. Os impactos têm sido bastante significativos, com uma melhoria substancial tanto da qualidade da prestação de cuidados como dos resultados”, começa por afirmar Francisca Leite, diretora do Hospital da Luz Learning Health, instituição que vai apoiar o primeiro curso privado de medicina (desenvolvido pela Universidade Católica Portuguesa) e que inaugurou recentemente o maior centro de simulação médica de Portugal.

O impacto das inovações, que Francisca Leite refere, têm ajudado na “redução da mortalidade infantil e o aumento significativo da esperança médica de vida”, além de que tem permitido “diagnosticar mais cedo, tratar mais, melhor e de forma mais precisa, monitorizar eficazmente a evolução do estado dos doentes (até à distância) e contribuir para uma melhor qualidade de vida”. Porém, num mundo cada vez mais digital à cuidados a ter com os dados pessoais. “[Todos] os processos de aprovação exigem que as soluções sejam amplamente testadas antes de serem disponibilizadas aos profissionais ou doentes”, ressalva.

Leitura idêntica faz Nelson Ferreira Pires, general manager da Jaba Recordati, uma companhia de referência do mercado ambulatório nacional e que integra o Health Cluster Portugal. “A inovação tecnológica permitiu que em apenas 50 anos, aumentássemos a esperança média de vida mais de 20 anos”, sublinha o gestor, realçando que um novo conceito de envelhecimento foi criado – “o ativo”.

Além disso, Nelson Ferreira Pires indica que inovação tecnológica “acrescentou muito valor ao diagnóstico e ao conhecimento médico”. “Veja-se o exemplo do Covid-19, em que o mapeamento genético do vírus foi feito em menos de um mês e a vacina descoberta e produzida em 10 meses (quando antes duraria mais de 8 anos). É um admirável mundo novo que nos permite reduzir bastante os riscos de erros na I&D, selecionar terapêuticas que já existem para tratar outras doenças, uma maior farmacovigilância dos efeitos secundários”.

Outro exemplo de sucesso tecnológico na saúde (que ainda aguarda as devidas aprovações), mencionado por este gestor, é o da portuguesa LxBio, o primeiro laboratório a desenvolver o primeiro medicamento de de biotecnologia para tratamento do pé-diabético, com o apoio da Technophage. “Conseguiram pela evidência demonstrada que a FDA (agência norte-americana do medicamento) fizesse a primeira aprovação de um estudo clínico de um medicamento português (que está a ser concluído em Israel) mas para além disso a FDA atribuiu, pela primeira vez, a um medicamento português (designado TP-102) , o estatuto de ‘fast track’ na aprovação”, o que vai acelerar o processo administrativo para colocar rapidamente o medicamento à disposição de médicos e doentes.
Nelson Ferreira Pires também entende que há cautelas a ter, “pois em qualquer novidade [se incremental é menos intensa, mas se disruptiva é mais intensa] existe o risco de existir um efeito desconhecido de longo prazo”.

O mundo da saúde, e toda a indústria que desenvolve e avalia tratamentos e previne doenças, é tão complexo que qualquer disrupção pode alterar os atuais consensos. Por isso, tanto o general manager da Jaba Recordati como a diretora do Hospital da Luz Learning Health admitem que a inovação tecnológica, ao influenciar positivamente terapêuticas, pode alterar a noção de bem-estar.

Para Francisca Leite, “a inovação tecnológica é um driver da mudança” no bem-estar do doente, que é influenciado por “múltiplas dimensões” (sociais e económicas).

“Um facto interessante é que o bem-estar do doente deve ser levado em conta pelo médico ou outro profissional de saúde na gestão da sua doença. Sabemos hoje que os resultados em saúde dependem muitíssimo de outros factores para além dos cuidados médicos. De facto, estes explicam apenas 10% a 20% dos resultados em saúde. Os restantes 80 a 90% são explicados pela genética do indíviduo (20 a 30%), pelo seu comportamento (30 a 50%), pela envolvência física e ambiental (5 a 20%) e pelas circunstâncias sócio-económicas (15 a 40%)”, comenta.

Nelson Ferreira Pires salienta, por sua vez, que as exigências no tratamento dos doentes “são cada vez maiores”, por isso, todos querem “ter qualidade de vida sempre”. “Desde bébés até sermos velhinhos”, vinca. E a responsabilidade dessa exigência são os resultados da inovação tecnológica e as terapêuticas que proporcionam. Resultado? “Estar doente, não ter qualidade vida a partir de uma determinada idade ou morrer, deixou de ser algo natural”.

“Seria normal uma pessoa com 97 anos não viver até esta idade até há alguns anos (a esperança média de vida era de 60 anos e agora é de cerca de 83 anos). Hoje este falecimento é causa de abertura de um telejornal, porque faleceu com covid-19. Basta pensar que investimos biliões de euros para descobrir melhor tecnologia de saúde que nos prolongue a vida e nos dê dignidade na morte”, resume.

 

Big Data e 5G vão criar novos conceitos de medicina
As mudanças geradas pela inovação tecnológica na saúde não se sentem apenas junto da comunidade médica, farmacêutica ou entre os doentes. Também levou a novos paradigmas em processos administrativos ou na aposta de empresas, tradicionalmente fora do espetro da saúde, a olharem para o potencial de desenvolverem serviços ou produtos nesta área.
“Julgo que o big data e o 5G permitirão criar um novo conceito de medicina, inclusive com novos players que armazenam já hoje muitos dados, como a Apple ou a Google.”, aposta Nelson Ferreira Pires. Para o gestor estas duas tecnologias, em particular, vão levar a “uma reengenharia” de processos, produtos e pessoas em diferentes áreas, incluindo a saúde. Os dois modelos vão permitir “conectar sistemas, armazenar e transformar dados em informação”, culminando no diagnóstico à distância, no agendamento de consultas remotas ou definidos matrizes de risco. No fundo, definir workflows e indicadores-chave de desempenho, reduzindo “bottlenecks”. “Só desta forma conseguimos ter uma vacina para tratar o Covid-19 em 10 meses, porque a inteligência artificial permitiu mapear geneticamente o vírus e identificar as plataformas que proporcionariam o desenvolvimento das vacinas”, relembra. No entanto, “a intervenção humana será sempre necessária, para validar o sistema e as decisões”, sendo que este cenário “não é um fim em si mesmo”, mas, mais uma “ferramenta” fruto da inovação tecnológica.

“A saúde é ainda um dos sectores com menor nível de digitalização, e só agora começamos a conseguir aproveitar a enorme quantidade e variedade de dados que é produzida em saúde. Estes dados, quando trabalhados, têm o potencial para transformar a saúde como a conhecemos hoje, através de algoritmos inteligentes que podem auxiliar os médicos nas tomadas de decisão”, considera Francisca Leite.

 

Como o maior centro de simulação médica do país vai alavancar a formação na saúde
Foi, precisamente, a pensar na melhor forma de tirar proveito da tecnologia para formar profissionais de saúde mais capazes que o grupo Luz Saúde, proprietário do Hospital da Luz, criou o maior centro de simulação médica de Portugal, instalado naquele hospital.

O Hospital da Luz Learning Health conta onze salas de simulação avançada, quatro salas de debriefing, uma equipa de peritos em simulação e um ambiente de alta-fidelidade, tudo apoiado em tecnologia, para integrar as actividades de formação, investigação e inovação. “Este centro funciona como um hospital simulado dentro do hospital real, onde sem risco para o doente e para o profissional se observa, se identifica, se investiga, se desenvolve, se inova, se treina, se melhora, se procura sempre ir ao encontro daquilo que o doente mais valoriza. Neste centro desenvolvem-se os profissionais de saúde do futuro”, explica a líder desta unidade, Francisca Leite.

Como pode este centro de simulação médica alavancar a investigação, inovação e formação médica, em Portugal? “Aqui faz-se investigação de ponta sobre factores humanos, por exemplo o mapeamento de redes de comunicação intra e inter-equipas, que é o primeiro passo para desenvolver e estabelecer melhores práticas e contribuir eficazmente para a segurança dos doentes e profissionais”, refere a diretora do Hospital da Luz Learning Health.

Outro ponto a favor é a ambição do centro de simulação clínica ajudar a desenvolver um consultório digital, mais focado na “individualidade de cada doente”, onde ainda antes de uma consulta é possível, de forma rápida, “medir sinais vitais e outras variáveis fundamentais para a construção de um digital twin de cada doente, o principal enabler da medicina de precisão”.
“Temos também vários projetos de investigação a decorrer com instituições académicas, tanto em Portugal como no estrangeiro, procurando desenvolver sensores e outras ferramentas de monitorização à distância que permitirão melhorar a prevenção, o diagnóstico precoce e também gerar sinais de alerta, antecipando o tratamento a doentes potencialmente graves”, acrescenta.

Francisca Leite explica, ainda, que este centro de simulação médica foi pensado “para ser muito flexível, potenciando assim a criação de vários cenários distintos que permitem alargar certamente o espetro de tecnologias médicas passíveis de serem testadas, assim como as condições em que o são”. Por isso, o Hospital da Luz Learning Health também está a desenvolver simuladores com componentes de realidade aumentada e realidade virtual.
Questionada sobre os desafios e oportunidades que suscitam as inovações tecnológicas na saúde e como é que o centro pode ajudar na adaptação e desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas à saúde, Francisca Leite sublinha que, fundalmentalmente, aquele espaço é o local ideal para “explorar novos conceitos, desenvolver novas ideias e testar novos produtos/serviços num ambiente livre de risco para o doente e para os profissionais”, que pode atuar como espaço de “aceleração e co-criação”.
A simulação de procedimentos, cenários e casos clínicos é “também determinante para a formação das competências não-técnicas sociais, como a comunicação, o trabalho em equipa e a liderança, ou cognitivas, como a situation awareness e a tomada de decisão, essenciais para criar processos mais seguros, eficientes e resilientes”. Para Francisca Leite, tal é fundamental, uma vez que a introdução de tecnologia na realidade médica e a digitalização “implica novas funções e competências para os profissionais, sendo necessário dar formação aos trabalhadores no âmbito do novo processo e sistema”. “Mas, numa verdadeira ótica de engenharia de fatores humanos, a simulação torna-se ainda mais premente e decisiva para o desenvolvimento sustentado”, diz Francisca Leite, explicando que o centro de simulação médica pode, ainda, ajudar em questões relacionadas com a legislação envolvida nos processos de regulamentação das inovações tecnológicas.

“Este é um processo bastante moroso e complexo que implica um esforço muito grande por parte de todas as equipas envolvidas. Neste centro procuramos cada vez encontrar mecanismos que nos permitam facilitar estes processos”, conclui.

 

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