Os processos de aprendizagem, enquanto formas de desenvolvimento de competências, alteraram-se desde que a Inteligência Artificial (IA) entrou na agenda de dezenas de escolas e na casa de (algumas) famílias. Mesmo antes de milhares de alunos estarem em isolamento social e de assistirem às aulas online, há vários anos que a internet era o veículo do saber para crianças em internamento hospitalar ou incapazes de se deslocar a uma sala de aula dita normal.
Mas se, através de plataformas digitais, um(a) professor(a) é capaz de ensinar muitos alunos, já será difícil saber se, de facto, eles aprendem. O cientista polaco Ilkka Tuomi, autor de diversos artigos sobre machine learning, diz que é aí que entra a IA e uma das suas maiores promessas: fazer essa análise da aprendizagem em larga escala apenas online. Num estudo para a Comissão Europeia – “The Impact of Artificial Intelligence on Learning, Teaching, and Education” (2018) – o especialista debruça-se sobre a ideia de que a IA não só tornará a educação atual mais eficiente, como também alterará o contexto em que a aprendizagem ocorre e se torna socialmente relevante. A título de exemplo, refere que, muitas vezes, se fala no potencial da IA para avaliar os alunos sem a subjetividade que pode advir de um docente – avaliações 100% imparciais. No entanto, alerta: “A machine learning pode facilmente aprender a categorizar os alunos com base nos resultados dos testes”. “Utilizando a tecnologia, pode ser possível revolucionar a aprendizagem, mas também é possível automatizar ideias e replicar práticas que têm pouco que ver com aprendizagem”, explica Ilkka Tuomi nesse documento.
Para o presidente do Instituto Superior Técnico, não há dúvida de que a IA vai alterar a forma como se aprende, mas a mudança total de paradigma educacional ocorrerá num prazo de décadas. “Existe o potencial para cada aluno ter um tutor dedicado, que o acompanha num percurso individual de aprendizagem, algo que é impossível hoje. De facto, é uma tecnologia que tem o potencial para alterar o paradigma do sistema educativo baseado no modelo de sala de aula que tem vigorado durante séculos, praticamente sem alteração”, afirmou o professor Arlindo Oliveira ao Jornal Económico (JE).
É o que estão a fazer multinacionais como a IBM, que criou sistemas/aplicações – no âmbito da plataforma Watson Education – para acompanhar o progresso dos alunos e atribuir-lhes tarefas consoante o local em que estão, identificar áreas que exigem maior atenção da sua parte e dar essa informação aos docentes. “Uma parte significativa do processo de aprendizagem em áreas como o software ou os sistemas de informação já é muito diferente do modelo tradicional, com os estudantes a aprenderem em grande parte sozinhos, sem intervenção do professor, com base em vídeos, websites e sistemas colaborativos. Mas esta alteração é resultado das tecnologias digitais em geral, e não da IA, em particular, e ainda não se propagou a todas as áreas do conhecimento”, sublinha Arlindo Oliveira.
A Codevision, que desenvolve soluções globais de gestão escolar, é outro dos casos, com o seu sistema de informação “E-Schooling Server”, para centralizar bases de dados e aumentar o rigor nas instituições de ensino públicas e privadas. “Fruto da nossa experiência com centenas de escolas, já incluímos IA em diversas áreas dos nossos produtos, nomeadamente automatização de tarefas, análise de dados, previsão de situações relacionadas com a dinâmica e evolução dos alunos”, resume o CEO Marco Coelho. Em declarações ao JE, o gestor confessa prever que estas tecnologias de humanização da máquina possam ser utilizadas para adaptar melhor o ensino a cada aluno e às suas necessidades específicas sem a intervenção direta de um professor.
“Não estará longe uma fase em que teremos pelo mundo, por exemplo, robôs a auxiliar o ensino. Não creio que venham substituir os professores, mas vão entrar como ferramenta de apoio, de forma a libertar tempo dos docentes para as tarefas verdadeiramente relevantes, facilitando o ensino e a aprendizagem”, completa Patrick Götz, fundador e CEO da startup portuguesa de robótica Teckies. Todavia, esse avanço tecnológico só será possível em Portugal quando forem ultrapassados obstáculos como os que têm os 200 mil alunos sem internet ou computador em casa.
“Somos nós que dominamos a tecnologia ou deixamos que a tecnologia nos domine?”, questiona-se sobre o assunto Sandra Martinho, diretora de Educação e Filantropia da Microsoft Portugal. A responsável da Microsoft elenca oportunidades que a IA pode trazer, entre as quais bots para responder às perguntas mais frequente ou apresentações com tradução em simultâneo e sugestões de design, estética e conteúdos que vão aparecendo para quem as está a preparar. “Novas tecnologias, como o nosso serviço de tradução automática, permitem que as pessoas trabalhem e aprendam de forma cada vez mais eficiente e alcancem mais facilmente os seus objetivos. Assim que as barreiras linguísticas forem superadas, o conhecimento passa a ser mais acessível a todos”, completa Jaroslaw Kutylowski, diretor-executivo da DeepL, uma empresa que desenvolve sistemas de tradução automática.
Nuno Martins Cavaco, subdiretor da FCT Nova para o Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia, considera que a IA vai desempenhar um papel “determinante” nas formas como se transfere conhecimento e se aprende. A seu ver, a introdução destas tecnologias “vai ser um processo mais natural do que inicialmente previsto, gerador de mais-valias para todos os intervenientes, um estímulo ao progresso e um desfio à humanização”. A correção e classificação de provas escritas, os manuais personalizados, currículos eletrónicos ou sistemas de tutoria inteligentes são alguns exemplos que o professor dá do impacto que poderão ter nas escolas. “Pode eliminar fronteiras, facilitar a aprendizagem de qualquer curso, em qualquer lugar, a qualquer momento, incrementando a capacitação tecnológica e a apetência para a inovação dos alunos, professores e colaboradores das instituições de ensino”, clarifica.
É nesse sentido que também Vítor Dias, diretor de Formação do Cenfim (Centro de Formação Profissional da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica), defende a aceleração do investimento nestes recursos e da formação de professores e formadores na utilização destes dispositivos. Para um “futuro breve” apela à formação a distância como complemento ao trabalho diário nas salas e estágios. “Por isso, importa adaptar os referenciais de educação e formação, financiar as escolas e centros de formação com os referidos, permitir o acesso livre à internet em casa aos alunos/formandos, jovens e adultos e disponibilizar ou financiar sem juros e a preços de custo a compra dos PC, tablets ou demais instrumentos”, sugere.
Webcams, telescolas e aplicações podem facilitar a aprendizagem, mas, como garante o presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, “não é possível educar sem a afetividade da presença física”.
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