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Inversão da curva das taxas de juro é o maior inimigo à reeleição de Trump

Presidente dos Estados Unidos tem até 3 de novembro de 2020 para demonstrar que levou a economia norte-americana a bom porto durante o seu mandato. No entanto, os indícios de fragilidade da maior economia mundial estão a multiplicar-se.
28 Agosto 2019, 07h43

O eco de uma recessão nos Estados Unidos fez-se ouvir novamente na madrugada desta terça-feira, dia 27 de agosto. As yields da dívida norte-americana a três meses estavam nos 2%, acima da rendibilidade da dívida a dez anos (1,501%) e a 30 anos (1,982%) – um sinal de que os investidores não encaram com otimisto o futuro da economia dos EUA.

A inversão da curva das taxas de juro já tinha ocorrido temporariamente no passado dia 14, o que levou os principais índices de Wall Street a registarem perdas na casa dos 3%, espelhando o ‘pânico’ que se fez sentir pela comunidade de investidores.

O que está suceder é que “os investidores estão a comprar muita dívida de longo-prazo, logo a taxa de juro desce”, explicou Marco Silva consultor de estratégia e de investimentos, e habitual membro do programa de mercados do Jornal Económico, “Mercados em Ação”, além de contar passagens profissionais nas bolsas de Toronto, Londres e Tóquio.

A comunidade internacional de investidores está a olhar para as obrigações norte-americanas como um ativo refúgio porque “a União Europeia e a China não estão tão bem”, disse o consultor. “Neste momento, 95% da dívida global – que inclui dívida soberana e corporativa – que tem rendibilidade é a dívida norte-americana. Logo, as yields descem”, revelou Marco Silva.

Historicamente, a inversão da curva das taxas de juro – acontece quando a remuneração da dívida a curto-prazo supera a da dívida a longo-prazo – corresponde a um prognóstico de uma recessão. “A recessão acontece entre 12 a 18 meses após a inversão da curva das taxas de juro”, antecipou Marco Silva.

“Estamos perante sintomas de uma recessão porque a perceção do mercado é que no futuro os juros serão inferiores aos de hoje, mas também porque os investidores estão à procura de segurança”, disse Marco Silva.

No fundo, “os investidores estão a dizer que não estão muito otimistas quanto ao futuro da economia”, realçou o consultor.

Teremos, então, uma recessão da economia norte-americana dentro de 18 meses? “Nada é certo, mas é muito improvável que não ocorra”, defendeu Marco Silva. “No ano passado, as principais casas de investimento diziam que havia uma probabilidade entre 30% a 40% de um recessão para este ano. Agora, é quase certo que a recessão ocorra já no próximo ano”, vincou.

“Trump não é parvo. É maquiavélico, mas não é parvo”

O presidente dos EUA quer ser reeleito e a força da economia norte-americana será uma das armas da sua campanha política. “Trump não quer evitar a recessão. Quer adiá-la”, defendeu Marco Silva, ou seja, de preferência para depois das eleições de presidenciais, marcadas para 3 de novembro de 2020.

No entanto, a economia norte-americana começa a dar sinais de fragilidade. Os dados do Institute for Supply Management revelam que a manufatura caiu pela primeira vez em dez anos. “Se a manufatura tivesse 50 pontos, estaria em expansão, mas caiu para os 49,4”, disse Marco Silva. “E nos serviços também se assistiu a uma contração, que está agora nos 50,6 pontos, quando há três meses estavam na casa dos 54, 55 pontos”, revelou.

A guerra comercial – e a incerteza – fazem parte da estratégia para encostar a Reserva Federal (Fed) contra a parede e “danificar o sentimento económico”, defendeu Marco Silva. “Trump não é parvo. É maquiavélico, mas não é parvo”, vincou.

Mas o habitante da Casa Branca não decide sobre a política monetária norte-americana. Essa é uma competência exclusiva da Fed. Ainda assim, o presidente dos EUA consegue exercer pressão sobre o banco central, com o objetivo de ter as taxas de juro mais baixas. “A estratégia do presidente dos EUA é clara”, disse Marco Silva. “Quando fala (ou tweeta), exerce pressão, o mercado assusta-se, o sentimento económico deteriora-se e os investidores alertam a Fed para atuar”, argumentou.

É certo e sabido que o canal predilecto do presidente dos EUA para comunicar é a rede social Twitter, que o utiliza numa espécie de campanha política eterna, ou para dirigir ataques a quem tenha uma opinião diversa. Os ataques ao presidente da Fed, Jerome Powell, a quem exigiu cortes nas taxas de juro – via Twitter e não só – são apenas um exemplo.

“Há um dado engraçado que demonstra isto. De acordo com a CNBC, em 2017 e 2018, Trump fez cerca de seis tweets por ano sobre a Fed. Mas este ano já vai em mais de 50″, revelou o consultor.

No final de julho, a Fed cortou a taxa de juro diretora em 25 pontos base, para um intervalo de 2% a 2,25%, a primeira descida da federal funds rate em mais de uma década – a última ocorreu a 16 de dezembro de 2008.

Além das “pressões ténues da inflação”, a Fed justificou a decisão com as “implicações dos desenvolvimentos globais no outlook”, isto é, as incertezas económicas que, entre outras causas, se devem também à guerra comercial entre os EUA e a China.

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