Investigadores nacionais e estrangeiros reúnem-se na próxima semana em Lisboa, numa conferência internacional inédita que pretende alertar para a relação da ‘long covid’ com doenças, como a fadiga crónica, e a necessidade de encontrar resposta para estes doentes.
Em declarações à Lusa, António Vaz Carneiro, professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa e um dos organizadores, explicou que sempre houve casos de pessoas que, após uma infeção aguda, apresentavam cansaço extremo, incapacidade para o trabalho, dificuldades de respiração e outros sintomas, mas lembra que, com a covid-19, este número aumentou.
“Chamávamos-lhe síndrome pós-viral, mas não ligávamos. E durante muitos anos as pessoas tinham síndrome de fadiga crónica e encefalomielite miálgica que muitos médicos nem acreditavam, porque não há no sangue, nem imagiologicamente, nada típico destas doenças”, explicou, acrescentando: “estes doentes estavam abandonados”.
Com a pandemia de covid-19, “apareceu uma população de dimensões colossais” infetada. “A grande maioria fica bem, mas outros veem a sua existência profundamente afetada”, disse o especialista, explicando: “apresentam cansaço extremo, profundamente limitante, alterações da consciência, não se conseguem concentrar, nem às vezes ler, e até complicações cardíacas”.
Também em declarações à Lusa, o reumatologista Jaime Branco, professor catedrático na Nova Medical School, explica que tem doentes com incapacidades quer física quer cognitiva: “apresentam alterações de memória, de atenção, de concentração, muito incapacitantes”.
“Alguns doentes, muitas vezes, ficam na cama longas horas durante o dia, o que não acontecia antes de terem ficado doentes”, conta o especialista, sublinhando que o elevado número de pessoas infetadas durante a pandemia fez aumentar os doentes que durante algum tempo – “meses ou até anos” – mantêm estas condições.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, uma em cada 10 pessoas infetadas durante a pandemia mantêm durante algum tempo sintomas associados à ‘long-covid’, também chamada de condição pós-covid-19.
“Alguns duram meses, outros duram anos, mas acabam por se desvanecer. Poucos são os doentes que permanecem com isto”, acrescenta Jaime Branco.
Sublinhando a inexistência de estudos em Portugal que indiquem quantas pessoas infetadas durante a pandemia acabaram por sofrer de ‘long-covid’, António Vaz Carneiro diz que, apesar de tudo, a pandemia veio dar visibilidade a estas condições.
“Subitamente passamos a ter uma doença que é igualzinha àquelas que sempre existiram, mas em que ninguém acreditava e agora toda a gente acredita”, afirmou.
Os especialistas insistem que não há um exame que faça o diagnóstico desta condição, explicando que o diagnóstico de faz “por exclusão de partes”, eliminando possibilidades de outras doenças com sintomas idênticos, e chamam a atenção para a importância de se investir na investigação.
“Eu gostaria muito de Portugal aparecesse no mapa, que fizéssemos também parte dos ensaios clínicos multicêntricos”, afirmou Vaz Carneiro, acrescentando: “espero que esta reunião seja apenas o principio de um plano mais alargado”.
Questionado sobre se faria sentido desenvolver um programa nacional para responder à ‘long-covid’ responde: “Ainda é cedo para falarmos nisso. Nós ainda não temos uma noção clara suficientemente detalhada de todos os aspetos desta doença”.
“Há algumas alterações bioquímicas, mas é muito curto, há muita coisa semelhante a isso que não é da covid. E na terapêutica, também ainda não temos uma resposta capaz. Estamos numa fase relativamente inicial”, frisou.
Contudo, deixa o alerta: “Se estes doentes não recuperarem (…), isto vai transformar-se num problema de saúde pública. Aí sim, estou convencido de que, daqui a um par de anos, provavelmente será necessário começar a pensar em recursos exclusivamente para esta doença”.
A conferência internacional decorre nos dias 03 e 04 de abril, na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
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