Em 14 de maio de 1948, David Ben-Gurion, presidente da Organização Sionista Mundial e da Agência Judaica para a Palestina, declarou o estabelecimento de um Estado Judeu em Eretz Israel, o Estado de Israel. No dia seguinte, as nações árabes vizinhas invadiram o país. De então para cá, não houve um único dia em que o fantasma da guerra não pairasse sobre os céus de Israel e a sua sombra não escurecesse os dias de todos os que vivem na margem mais oriental do mediterrâneo.
70 anos depois desse dia – para o qual milhões de pessoas se prepararam depois de, nos anos dos assassinos, terem perdido milhões dos seus – Israel está outra vez confrontado com o sinuoso destino que o persegue: a possibilidade de uma guerra entre israelitas e iranianos “é muito elevada”, diz o comentador Francisco Seixas da Costa, que, na sua qualidade de ex-diplomata, sabe do que está a falar.
A verosímil possibilidade de guerra decorre da decisão, tomada a milhares de quilómetros de Telavive, de os Estados Unidos rasgarem o acordo nuclear que os cinco Estados-membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (os EUA mais a França, Reino Unido, Rússia e China) e a Alemanha assinaram com o Irão em 2015. Paradoxalmente, como diz Seixas da Costa, o governo israelita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi o mais firme e persistente apoiante da decisão tomada pelo presidente norte-americano, Donald Trump, a que se juntou a Arábia Saudita.
“Israel foi contra o acordo desde a primeira hora”, recorda Seixas da Costa, para quem o argumentário dos países que apoiaram a recusa norte-americana em manter-se no seu perímetro não tem sentido. Desde logo porque a monitorização do acordo, da responsabilidade da Agência Internacional de Energia Atómica, nunca detetou qualquer falha assinalável no cumprimento do articulado.
E depois porque, apesar de curto no tempo (2025 é logo ali adiante), o acordo permitiu uma substancial normalização da sociedade iraniana (pela supressão das sanções económicas que agora os Estados Unidos querem fazer regressar) e a interação da sua economia com o resto do planeta. Depois dos anos de chumbo do aiatola Khomeini, o acordo era o penso por cima de uma ferida que, por baixo dele, ia suturando a contento de (quase) todos.
O primeiro sinal de que a deriva israelita patrocinada por Washington estava em andamento decorreu da decisão, igualmente emanada da atividade diplomática de Trump, de assumir Jerusalém como a capital política de Israel. Por estes dias, a embaixada norte-americana, que abrirá oficialmente a 14 de maio, mandou espalhar placas de sinalização pela cidade, não vá alguém deixar de a encontrar – dando conta de que Trump não foi sensível à derrota devastadora que sofreu nas Nações Unidas, quando, em dezembro do ano passado, 128 países votaram contra a decisão.
Para já, os sinais de que, apesar de tudo, Teerão pode manter-se dentro do acordo que os restantes cinco parceiros asseguram querer continuar, são um alívio para os que consideram que ao seu texto promove a paz. Mas, do outro lado, há o precedente do embate, no início de fevereiro, entre milícias iranianas e tropas israelitas em pleno campo de batalha sírio, como se a testarem mutuamente a paciência que ainda reservam para com o adversário.
Uma história de guerra
O processo de formação do que viria a ser Israel na região da Palestina remonta às últimas décadas do século XIX, quando foi criado o movimento sionista por intelectuais como Theodor Herzl (1860-1904). A partir de então, muitos judeus – desgraçadamente não tantos quantos deviam – rumaram para a ‘terra prometida’ munidos de um fundo para financiar a compra de terras na região de Palestina, pertença ao Império Otomano, situadas entre as Colinas de Golã, a Península do Sinai e o Rio Jordão.
Com o fim do Império, que se esboroou no final da Grande Guerra europeia, a iniciativa começou a marcar passo e as engenharias diplomáticas dos impérios europeus determinaram que a região passaria a ser administrada pela Grã-Bretanha. Que não soube, ou não pôde, gerir de forma sensata o confronto que se antevia entre o aprofundamento da consciência judaica e o paralelo recrudescimento do nacionalismo muçulmano, que absorveu muitos pressupostos da já então radical Irmandade Muçulmana (criada em 1928).
Quando, depois da Guerra Mundial, os britânicos consideraram chegada a hora de largarem o protetorado, a realidade nas margens do Mediterrâneo já era a da confrontação permanente. Até porque David Ben-Gurion, que haveria de ser o primeiro primeiro-ministro de Israel, estava rodeado de homens para quem a ocupação dos territórios palestinianos para lá das fronteiras originalmente pensadas era uma prioridade.
Entre a guerra dos seis dias (junho de 1967, que levou à ocupação de Jerusalém Oriental), os atentados nos Jogos Olímpicos de Munique (1972), a guerra do Yom Kippur (1973), a Operação Ópera (bombardeamento de um reator nuclear no Iraque, em junho de 1981), a interminável guerra civil libanesa e os milhares de incidentes avulsos que acontecem todos os dias, entre outros acontecimentos militares, a história de Israel é, pode dizer-se, a história do seu exército. Que, como diz Seixas da Costa, pode estar à espera de uma oportunidade para escrever a vermelho mais uma das suas páginas.
Artigo originalmente publicado em maio de 2018 no Jornal Económico
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