[weglot_switcher]

Dados oficiais desmontam tese de Ventura sobre invasão de produtos asiáticos em Portugal e na UE

Mariana Mortágua socorreu-se de peças Lego para ilustrar as relações comerciais entre Portugal e as economias que, segundo Ventura, estão a invadir o país, mas importa olhar para os dados concretos – tanto a nível nacional, como europeu.
15 Maio 2025, 07h00

A corrida para as legislativas antecipadas de 2025 ficou marcada pela troca de argumentos entre Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, e André Ventura, presidente do Chega, sobre protecionismo e o peso de alguns países nas importações nacionais, sobretudo de economias asiáticas de onde têm chegado um número significativo de migrantes a Portugal nos últimos anos. A líder bloquista procurou refutar as acusações de “invasão” de Ventura, mas importa olhar para os dados e perceber, afinal, quanto pesam estes países nas compras nacionais ao exterior.

O debate da passada semana na SIC Notícias foi rico em discórdias, acusações e palavras menos simpáticas entre os dois líderes partidários com lugares opostos no hemiciclo e visões distantes da economia nacional, mas o momento mais marcante terá sido protagonizado por Mariana Mortágua quando se socorreu de peças de Lego para procurar desfazer a acusação de Ventura de uma “invasão de produtos baratos” provenientes da Ásia.

“Sabe o que é que acontece? É que hoje temos os seus amigos da China, da Índia, do Bangladesh, da Tailândia e de outros a produzir em massa e a invadir os mercados da União Europeia. Aqueles agricultores que Mariana Mortágua não quer saber, aquele setor automóvel que a Mariana Mortágua não quer saber, aquele setor têxtil que se calhar veste mas não quer saber, são os mesmos que estão a ser penalizados por esta invasão de produtos baratos e de mão-de-obra escrava (…) Nós dizemos não”, atirou o presidente do Chega, argumentando que o país precisa de medidas protecionistas para proteger certos sectores da concorrência criada por estes produtores internacionais. “Se for primeiro-ministro vou ser protecionista em algumas coisas. Vou proteger a indústria portuguesa, vou proteger a agricultura portuguesa, a indústria têxtil portuguesa vou protegê-la até onde não conseguir mais”, prometeu.

Olhando para os dados do INE, o primeiro dado que salta à vista é a importância do comércio intra-UE nas importações nacionais. Em 2024, Portugal fechou com 74,54% das importações originárias de outros países do bloco europeu, em linha com anos anteriores (desde 2018, o valor mais baixo registou-se em 2022, com 69,52% do total importado) – resumidamente, três em cada quatro bens comprados a produtores fora do país são oriundos da UE.

Tal aparecia refletido no esclarecimento de Mortágua, que se fez munir de uma peça em torre para simbolizar estes três quartos das importações nacionais vindas dos parceiros europeus. Além da UE, a coordenadora bloquista apresentou uma peça à escala para simbolizar os 5% provenientes da China, 1% da Índia e 0,2% do Paquistão e Bangladesh.

Confrontando estas percentagens com os dados do INE, apenas o Bangladesh surge desfasado da estatística, embora num sentido favorável à tese de Ventura: na realidade, as importações vindas daquele país sul-asiático em 2024 corresponderam a apenas 0,11% do total, ou seja, quase metade dos 0,2% apresentados por Mortágua. A China pesou 4,77%, a Índia ficou em 0,99% e o Paquistão representou 0,18% do total.

Outros países com elevados fluxos de migrantes a chegarem ao nosso país nos últimos anos, como o Brasil e o Nepal, registaram 3,47% e 0,0003%, respetivamente. Por outro lado, o bloco do Mercosul (constituído por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia) pesou 3,73%, mostrando a importância próxima de residual dos quatro outros membros além do Brasil.

“Eu falei da UE”

Ventura procurou ripostar, esclarecendo que a sua crítica se reportava às importações da UE como um todo, não de Portugal especificamente. O líder do Chega não especificou como pretende avançar com tarifas às importações, dada a política comercial comum da UE, mas os dados voltam a pintar um cenário distinto da “invasão” que alega.

A China pesa mais de 20% nas importações europeias, chegando a 21,29% em 2024 com 519 mil milhões de euros em bens e assumindo assim uma preponderância assinalável nas compras da UE ao exterior, onde lidera como principal origem das importações. A título comparativo, os EUA, a segunda origem mais importante dos bens importados pela UE, representou 13,7%.

Já a Índia conseguiu aumentar o seu peso em 50% desde 2018, chegando a 2,92% nos dados de 2024. Naquela região do mundo, o Paquistão é a origem de 0,34% das importações europeias e o Bangladesh de 0,82%, enquanto a pequena economia do Nepal corresponde a apenas 0,004%. Por sua vez, a Tailândia, cuja importância nas cadeias de valor automóveis tem vindo a crescer, chega a 1,13%.

O bloco do Mercosul, com quem Bruxelas chegou a um acordo comercial no ano passado, mas cujos detalhes têm ainda de ser ratificados por ambas as partes, pesou 2,33% do total importado pela UE. Mais uma vez, como sucede em Portugal, embora em menor grau, o Brasil assume uma preponderância considerável neste bloco: 1,89% das importações europeias, ou seja, 78,5% das vendas do Mercosul à UE.

Ventura insistiu na “invasão” em debate com PS

No debate com Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, o líder do Chega propôs o fim do acordo, considerando-o “um desastre” por obrigar os “nossos agricultores a ter concorrência com agricultores que pagam salários a um terço, não pagam tarifas e taxas ambientais”.

Também nesse frente-a-frente, quando questionado diretamente sobre como é que se protege a economia do turbilhão económico internacional para que seja possível um caminho de crescimento económico e redução de impostos, André Ventura respondeu: “criando condições para [ter] uma economia com sustentabilidade, que se sabe proteger a ela própria, não é uma economia que se deixa invadir de produtos chineses, indianos, paquistaneses, da América do Sul (…). Protege-se a economia europeia dando prioridade aos europeus e dando prioridade aos produtos europeus, e não o que a Europa quis fazer com o patrocínio do PS e de Pedro Nuno Santos que é: a Europa é uma entidade porreira, pode entrar tudo o que quiser”.

Na resposta, o líder socialista lembrou o presidente do Chega que as tarifas anunciadas pelo presidente dos EUA, têm um “impacto profundamente negativo na economia portuguesa” em setores como o da cortiça, do vinho, dos têxteis e indiretamente na indústria de componentes automóveis”.

“Acho que ouvi André Ventura defender a posição de Donald Trump. Defender os portugueses é combater as tarifas e pugnar por um comércio que é fundamental para Portugal”, argumentou Pedro Nuno Santos, acusando o oponente de “incompreensão” da economia portuguesa. “É uma economia pequena, os nossos setores económicos e industriais dependem de mercados exportadores. Os EUA são o quarto destino das nossas exportações, não podemos viver apenas para o mercado doméstico”, disse, lançando uma pergunta a Ventura: “Queria perguntar se está do lado dos portugueses ou se está do lado de Donald Trump?”

O líder do Chega respondeu não ser presidente nem candidato a presidente dos EUA, mas voltou a repetir a tese da invasão de produtos chineses, indianos, paquistaneses e da América do Sul.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.