“Garantir que a habitação é um direito e não apenas um negócio especulativo”. A premissa é de Pedro Sánchez, o fim é o combate à crise habitacional e o meio é a cessação do regime dos vistos gold para a compra de casa.
Um ano depois de o Governo de António Costa ter determinado o fim do programa de atribuição de vistos gold – que o recém-nomeado Executivo deverá reverter -, a medida é emulada na vizinha Espanha. A comunicação não apanha ninguém de surpresa, já que o primeiro-ministro espanhol havia colocado esse cenário em cima da mesa no ano passado.
Foi na localidade de Dos Hermanas, em Sevilha, durante uma visita a uma urbanização de habitação social subsidiada, que Sánchez tornou pública a medida. Premeditada ou aproveitada, a verdade é que a ocasião do anúncio é simbólica, com o governante a elogiar a política de habitação de Dos Hermanas, uma política “com letra maiúscula”. “Espero que mais cidades sigam o exemplo”.
“Tomaremos as medidas necessárias para garantir que a habitação é um direito e não apenas um negócio especulativo. Não queremos um modelo de investimento especulativo”, defendeu, na segunda-feira, o líder do Executivo socialista, em declarações aos jornalistas em Sevilha, durante a visita ao projeto de habitação pública.
Em causa está o mecanismo aprovado pelo governo de Mariano Rajoy em 2013, em plena crise financeira, que torna possível a concessão de autorizações de residência a estrangeiros que invistam mais de 500 mil euros numa casa em território espanhol, excluindo outros encargos ou hipotecas.
Atualmente, “cerca de 94% dos vistos de investidor estão ligados a investimentos imobiliários (cerca de dez mil autorizações)”, de acordo com o governo espanhol. Alicante, Barcelona, Madrid, Málaga, Palma e Valência registam a maior concentração.
O futuro do regime, seja mais restritivo ou eliminação – encontrava-se em discussão há vários meses no Palácio da Moncloa, segundo o El País’. Em Espanha – e o mesmo, talvez, se possa dizer sobre Portugal – deixou de ser realista considerar o limite de 500 mil euros um montante elevado, sobretudo nas grandes cidades.
No palácio das Cortes, à esquerda, há muito tempo que os deputados do Sumar e do Podemos defendiam o fim do regime. Uma política “obsoleta, que concede privilégios às grandes fortunas apenas por razões monetárias”.
Mas nem sempre as vozes tradicionalmente associadas à abolição dos vistos gold estão sozinhas no combate a este regime de atribuição de títulos de residência. Em 2023, no contexto da invasão russa da Ucrânia, a Comissão Europeia pronunciou-se sobre estes mecanismos de concessão de autorizações de residência em troca de dinheiro, apelando aos Estados-membros que ponderassem eliminar estas portas de entrada que permitiam às pessoas mudar de país de residência. Do lado do Parlamento Europeu, os deputados mostraram-se favoráveis ao “fim dos regimes de cidadania pelo investimento”, apelando aos países do bloco que deixassem “de aplicar, com efeitos imediatos, os seus regimes de cidadania através do investimento e dos seus regimes de residência através do investimento a todos os requerentes russos”.
“Quero anunciar que o Conselho de Ministros de amanhã [terça-feira] vai analisar um relatório apresentado pelo ministro da Habitação e da Agenda Urbana para modificar a lei, aprovada pelo PP [Partido Popular] em 2013, que permite obter um visto de residência se se investir em habitação no nosso país”, revelou o governante socialista.
“Vamos iniciar o procedimento para eliminar a concessão do chamado golden visa, que permite o acesso ao regime de residência quando se investe mais de meio milhão de euros em imobiliário. Vamos tomar as medidas necessárias para garantir que a habitação é um direito e não um mero negócio especulativo”, acrescentou o chefe do Executivo.
Em 2022, após o início da guerra na Ucrânia, o governo britânico anunciou o fim do regime de atribuição deste tipo de título, com a ministra do Interior britânica a justificar a medida com a necessidade de combater “elites corruptas que ameaçam a segurança nacional”. No ano seguinte, a República da Irlanda seguiu o mesmo caminho.
Portugal: Novo Governo, nova oportunidade para os vistos gold
As vozes a favor do regresso dos vistos gold são amplamente conhecidas, do PSD, à IL e ao Chega, bem como ao universo dos investidores e promotores imobiliários. E da contabilidade. Esta semana, Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), mostrou-se a favor do regresso do regime em entrevista ao Jornal Económico.
Em Portugal, o regime de Autorização de Residência para Investimento (ARI) surgiu em outubro de 2012 pelas mãos do governo liderado de Pedro Passos Coelho, cerca de um ano antes de Rajoy determinar o mesmo.
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