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Jorge Sampaio e Vítor Constâncio ignoraram alertas sobre Caixa

Ex-gestor da CGD revela que antigo governador nada fez com alerta de risco de créditos, em 2002, e recusou auditoria. Avisos chegaram a Belém.
10 Março 2019, 09h00

Vítor Constâncio ignorou o alerta para falhas no controlo de risco de crédito na Caixa Geral de Depósitos (CGD) que lhe foi transmitido por carta, em 2002, dirigida ao então governador do Banco de Portugal (BdP) por Almerindo Marques, ex-administrador do banco público que se demitiu da Caixa em desacordo com o presidente da CGD na época. Constâncio alegou que o supervisor “não tinha recursos para mandar fazer uma auditoria” e que “não era conveniente” determiná-la  com base numa denúncia de um membro da administração. Os alertas chegaram a Belém, tendo o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, confirmado ao Jornal Económico uma reunião com Almerindo Marques centrada no tema da CGD e as reservas que lhe foram transmitidas quanto a operações de crédito. Mas que também caíram em saco roto.

Almerindo Marques confirmou ao Jornal Económico as críticas à política de gestão na liderança de António de Sousa, assegurando que foram transmitidas também ao presidente da CGD e à tutela. Os alertas incidiram sobre a forma como estava a ser concedido crédito, sem respeitar critérios rigorosos e com falhas no controlo de risco, bem como a existência de operações não ratificadas em conselho de administração. Estes avisos, diz, constam de três cartas: uma remetida à tutela do banco, outra ao supervisor e uma terceira ao então presidente da Caixa. Mais: cópias de todas as cartas foram enviadas ao mais alto magistrado, o Presidente da República (ver texto ao lado).

Dezasseis anos após o alerta deste ex-gestor do banco público ter chegado ao mais elevado órgão de soberania, a auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015 conclui que foram vários os créditos de montantes elevados concedidos pela CGD perante pareceres desfavoráveis ou mesmo na ausência de garantias e da posição da Direção de Risco de Crédito. Só as perdas deste tipo de operações, incluídas no “top 25” que a auditora compilou como sendo as mais problemáticas, “totalizaram 238 milhões de euros, o que corresponde a 13,5% das perdas totais da amostra”, que ascenderam a 1.762 milhões de euros.

Questionado sobre o envio de cartas, no início de 2002, ao então ministro das Finanças e ex-presidente da CGD, o antigo administrador da Caixa confirma as missivas, escusando-se a facultar o seu teor. Adianta, no entanto, que escreveu a Guilherme d’ Oliveira Martins a explicitar as suas razões para abandonar o banco público e a apelar à revisão da política de crédito. Na missiva sinalizou a sua discordância com a política de gestão da Caixa, a seu ver divergente com uma política de crédito “séria”, tendo elencado algumas operações que considerava “péssimas”.

Tutela remeteu para Constâncio

“Confirmo que enviei três cartas – ao ministro das Finanças, ao presidente da CGD e ao governador do Banco de Portugal. Na primeira carta, a Oliveira Martins, transmiti as razões para querer sair do banco, pois era responsável por um órgão que não funcionava bem e era uma desorganização completa. Foquei a política de gestão da Caixa em geral e da Caixa BI e  alertei, em particular, para a política de crédito, nomeadamente para situações e financiamentos que estavam a ser concedidos irregularmente”, avançou ao JE Almerindo Marques. O antigo administrador do banco dá conta que na sequência desta carta, datada de 22 de janeiro de 2002, foi-lhe “recomendado pelo ministro das Finanças que escrevesse a António de Sousa e a Vítor Constâncio a apresentar os motivos que considerava críticos na política de gestão e de crédito”.

Segundo Almerindo Marques, o então ministro das Finanças justificou aquela recomendação dado que “as questões de política de crédito são competência do Banco de Portugal” e, diz, pediu-lhe que ”apresentasse as preocupações ao governador por escrito”.

O ex-gestor da CGD, onde foi administrador entre 1 de janeiro de 2000 e 14 de janeiro de 2002, acrescenta que assim fez. Escreveu uma segunda carta a Vítor Constâncio por sugestão de Oliveira Martins, tendo posteriormente reunido com o governador.

“Na sequência dessa carta, pediu-me que passasse pelo Banco de Portugal e começou por dizer que não era ele que tinha de tratar deste assunto, ao que responde: não saio daqui até saber qual é a entidade que devo dar o alerta”, afirmou Almerindo Marques. O antigo administrador da CGD acrescenta que, já num segundo momento e após insistência, “Vítor Constâncio disse não ter recursos para mandar fazer uma auditoria; que não era oportuno fazê-la ao maior banco do sistema, um banco público; e que não era conveniente uma auditoria com base numa denúncia de um membro do conselho de administração, pois não havia razões para justificar”.

Almerindo Marques assegura que pediu que a resposta do governador do BdP fosse dada por escrito, o que nunca chegou a ser feito. “Claro que pedi resposta por escrito, mas nunca a tive”, frisa, quando questionado sobre o seguimento deste assunto por parte do banco central e se teve uma resposta por escrito do supervisor do setor bancário português.

O Jornal Económico confrontou Vítor Constâncio com os alertas do ex-gestor da CGD, procurando saber qual o seguimento que foi dado pelo Banco de Portugal e porque é que não foi desencadeada uma auditoria, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.

Crédito polémico de 75 milhões

Entre as operações denunciadas por Almerindo Marques estava um crédito de 75 milhões de euros que, segundo a carta datada de 22 de janeiro de 2002, “nunca foi apresentado a conselho de administração” como mandavam as regras internas do banco.

Segundo noticiou o jornal “Público” a 25 de fevereiro de 2004, em causa está um financiamento concedido ao empresário imobiliário Armando Martins, proprietário do grupo Fibeira, e destinado a pagar a Marc Rich (conhecido como o maior especulador de petróleo dos tempos modernos) a aquisição da Imosal, dona do Atrium Saldanha.

Este crédito controverso surgiu no âmbito da operação de 125 milhões de euros que envolveu um consórcio (BPN, Montepio, Banif, Caixa Açoreana) liderado pela Caixa. Foi concedido no final de dezembro de 2000, antes de ser ratificado pelo Conselho de Crédito, de 8 de fevereiro de 2001, e pela administração, dado que entre 2000 e final de Janeiro 2002 não foi debatido no órgão plenário.

Artigo publicado na edição nº 1977, de 22 de fevereiro, do Jornal Económico

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