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Lisboa: Da fábrica de gás da Matinha vai nascer um projeto imobiliário de 320 milhões

Mais de 700 fogos, escritórios, hotel e um parque urbano estão previstos para a segunda fase de urbanização da Matinha, em Lisboa. Antigo terreno industrial – e que chegou a pertencer a Luís Filipe Vieira e ao BES – vai ser alvo de um processo de descontaminação de solos. As duas primeiras fases preveem um investimento de 570 milhões e a construção de mais de 1.470 fogos.
20 Agosto 2024, 07h30

A fábrica de gás da Matinha, em Cabo Ruivo, Lisboa, esteve operacional durante mais de 50 anos. Foi inaugurada em 1944 e encerrada em 1999, tendo sido demolida em 2006.

Uma pequena parte da sua estrutura ainda está de pé e já forma parte da paisagem da zona oriental de Lisboa, área que foi toda requalificada para a Expo 98, tendo sido criada uma nova Lisboa na antiga zona industrial.

A fábrica foi inicialmente detida pelas Companhias Reunidas de Gás e Electricidade (CRGE), com o seu último proprietário a ser a Lisboagás.

Agora, a urbanização desta área continua e o promotor imobiliário responsável pela Matinha elabora nova fase do projeto.

A VIC Properties prepara um investimento de 320 milhões de euros para a segunda fase de construção na Matinha, na zona oriental de Lisboa, junto ao rio Tejo.

O Estudo do Impacte Ambiental (EIA) do Loteamento B do Plano de Pormenor da Matinha (PPM) encontra-se em consulta pública até 27 de setembro.

Para o futuro, estão previstas as 3ª e 4ª fases (loteamentos C e D). A entidade licenciadora é a Câmara Municipal de Lisboa (CML).

A primeira fase (Loteamento A) recebeu uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada, em dezembro de 2019, tendo sido prorrogada até 23 de dezembro de 2027. Nesta fase, o promotor prevê a construção de 771 fogos em mais de oito hectares, com um investimento previsto de 250 milhões de euros, segundo o EIA datado de 2019.

A duração da fase de construção do projeto deverá ter a duração de seis anos, decorrendo de forma faseada, prevendo a construção de 702 fogos, com a “superfície de pavimento máxima total nos novos lotes” a ser superior a 127 mil m2, repartidos por habitação (73% do total), sector terciário (16%) e uso turístico (12%).

“O Loteamento B constitui uma das fases integrantes da operação programada de requalificação urbana, onde se pretende operar a reconversão de espaços industriais abandonados em novas áreas habitacionais, estabelecendo uma continuidade urbana entre a zona sul do Parque das Nações e a área histórica da Zona Ribeirinha de Lisboa”, disse o promotor no documento.

O Parque Urbano previsto no projeto, será “perpendicular ao rio, que ocupará o espaço desde os gasómetros até à frente rio”.

A estrutura urbana proposta para a área caracteriza-se por uma “orientação norte/sul, quer dos eixos viários principais, quer da implantação predominante dos edifícios nos diversos lotes, permitindo acompanhar o declive natural do terreno e valorizar as vistas para o rio”.

Na área a norte, está prevista a zona poente do Parque Urbano, na qual se “inserem duas parcelas, uma destinada a uso turístico e outra destinada a um equipamento de utilização coletiva”. Será aqui que serão reutilizados elementos da estrutura dos gasómetros, “como memória da ocupação industrial anterior”, com duas das estruturas a serem reutilizadas para uma “atividade geradora de receitas que possa assegurar economicamente a sua manutenção”.

Na zona a nascente, vão nascer seis quarteirões predominantemente residenciais com edifícios de sete pisos mais um recuado e orientação norte/sul. Nos quarteirões a nascente são propostas “áreas destinadas a atividades económicas, nomeadamente comércio e serviços, no piso térreo. Os interiores dos quarteirões deverão corresponder a espaços de uso privado e o espaço entre quarteirões, embora de acesso livre, será vocacionado para fruição dos moradores”.

Na zona a poente, da Rua I até à Rua do Vale Formoso de Baixo: “corresponde a quatro parcelas com edifícios de orientação norte/sul. Estas parcelas são constituídas por um embasamento de 2 pisos destinado a atividades económicas e habitação e quatro torres de 18/22 pisos, também destinadas a habitação. No lote 24, está previsto um parque de estacionamento público. Junto à Rua do Vale Formoso de Baixo sobram duas parcelas reservadas a equipamentos de utilização coletiva, a ceder ao Município”.

Na zona a sul da rua B: “corresponde a duas parcelas, a poente e a nascente. A parcela a poente, reservada para um equipamento de utilização coletiva, a parcela a nascente, junto à Rua de Cintura do Porto, reservada para um edifício com 5+1 pisos, destinado exclusivamente a atividades económicas. A parcela a poente também é cedida ao Município”.

A VIC Properties mudou de mãos em março de 2023. A Aggregate vendeu a totalidade da promotora imobiliária a um grupo liderado por diversos investidores institucionais (AlbaCore Capital Group, Mudrick Capital Management, L.P. e a Owl Creek Asset Management, L.P.) e a equipa de gestão da VIC. O negócio foi avaliado em mais de 670 milhões de euros e previu um reforço de capital.

Além do projeto da Matinha, a promotora também desenvolve o Prata Riverside Village, situado também na zona oriental ribeirinha da capital. O terceiro projeto é o do Pinheirinho, localizado entre a Comporta e Melides.

“Na sua globalidade, estes projetos têm uma área bruta de construção combinada de 570.000 m2 e, após estarem totalmente licenciados e desenvolvidos, irão fornecer aproximadamente 3.000 novos apartamentos à cidade de Lisboa e variadíssimas unidades residenciais e turísticas, incluindo oferta hoteleira de altíssima qualidade, na região entre a Comporta e Melides”, disse em 2023 a empresa liderada por João Cabaça.

Luís Filipe Vieira: vender a Matinha foi o seu “pior erro de gestão”

Os terrenos chegaram a pertencer a um fundo – controlado em 55% do capital pelo Grupo Espírito Santo e em 45% pela Promovalor -, mas foram vendidos em 2012 à seguradora BES Vida, do banco BES, tendo sido vendidos mais tarde à VIC Properties.

Vieira considerou mesmo que foi o  pior erro de gestão” da sua vida, apesar de ter tido uma “pequena rentabilidade”: tinha “o melhor património imobiliário de Lisboa”, ainda que “com o dinheiro do banco”, salientou no Parlamento em 2021.

“Isso tem a ver com a dificuldade com a Troika, ou o que era, nós fizemos esse empréstimo obrigacionista de 160 milhões de euros em 2011, e passado um ano chamaram-me do banco que gostariam de adquirir determinados ativos que nós tínhamos. Se me pergunta hoje se fiz mal, fiz mal. Mas também por respeito, que o dinheiro era deles e não podia dizer que não”, disse o antigo dirigente desportivo na altura na Assembleia da República.

“Um dos ativos, hoje, se calhar só a Matinha [em Lisboa] pagaria todo o meu endividamento e sobrava dinheiro. Foi o pior erro de gestão que fiz. Mas quando temos uma relação comercial com o banco, não vale a pena criarmos um contravapor, quando eles dizem que há uma necessidade deles próprios fazerem a operação”, afirmou, citado pela “Lusa”.

Descontaminação

No estudo também é abordada a questão da descontaminação destes antigos solos industriais. O promotor salienta que a fase de descontaminação deverá durar cerca de 12 meses.

“A área do PPM localiza-se numa área de antigas ocupações industriais, tendo sido esta área profundamente intervencionada, não sendo, por isso, possível caracterizar os solos do ponto de vista da Pedologia. Os terrenos encontram-se severamente afetados pelos processos industriais poluentes do passado recente, sendo que, é necessário efetuar a sua descontaminação e garantir a devolução destes ao uso urbano em condições seguras para a saúde pública e o ambiente. A descontaminação deverá seguir um Plano de Descontaminação que está em elaboração. O volume total estimado de solos contaminados é de 49.581m3”, pode-se ler no documento.

A empresa estima que sejam criados 400 postos de trabalho temporários durante as fases de descontaminação dos solos e de construção das infraestruturas gerais e dos edifícios. Já na fase de exploração, prevê a criação de cerca de 1.450 postos de trabalho, “orientados sobretudo para a ocupação terciária prevista no loteamento (1.400 postos de trabalho) e contemplando também os postos de trabalho associados aos serviços e à manutenção das áreas de habitação (50 postos de trabalho)”.

Impactes positivos versus negativos

No seu estudo, o promotor identifica os impactes positivos e negativos deste projeto: “Muitos destes impactes positivos refletem-se em determinantes ambientais e sociais, com efeitos positivos na saúde humana. Relativamente aos solos contaminados em particular, aspeto relevante neste projeto, considera-se que as ações de descontaminação/remoção da fonte poluente, a executar numa fase anterior à operação urbanística proposta, permitirão devolver o espaço ao uso urbano em condições seguras para a saúde pública e o ambiente”.

  • “Descontaminação de solos, de acordo com o que vier a ser definido no plano de descontaminação (positivo);
  • Melhoria da qualidade da massa de água subterrânea, pela retirada dos solos contaminados (positivo);
  • Aumento dos níveis sonoros em recetores sensíveis (negativo);
  • Revitalização urbana na área de intervenção e na envolvente a sul (positivo);
  • Dinamização do emprego e das atividades económicas (positivo);
  • Demolição das ocorrências patrimoniais EP4 e EP5 (negativo);
  • Demolição, desmontagem e relocalização dos gasómetros (negativo);
  • Alteração estrutural da paisagem pela presença do loteamento, à exceção das torres (positivo)”.

 

Loteamento B da Matinha a vermelho 
 Extrato da Planta de Implantação do PPM
Esquema de zonamento do Loteamento B
Antigas fábrica de gás da Matinha e refinaria de Cabo Ruivo. Fonte: Fundação Galp Energia
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