“Amante da natureza, resolvi fixar-me nos arredores de Sintra, fascinado pelos duzentos tons de verde que pude identificar nos seus bosques. Costumava dizer-me o falecido Dr. António Sérgio: ‘Para si, meu bom Kotter, os homens são todos iguais e as árvores todas diferentes. É isso a democracia britânica?’”.
Este é um excerto de uma das crónicas que Alfred Barnaby Kotter (Freddy Kotter) escreveu na imprensa portuguesa. Os “Bilhetes de Colares” começaram a publicar-se no jornal “A Tarde”, em junho de 1982, a convite do diretor Victor da Cunha Rego. Em meados do ano seguinte, passaram pelo “Espaço T Magazine”, de José Miguel Júdice, com o nome de “Crónicas da Beldroega”, tendo-se fixado, em finais desse ano, no “Semanário”, onde permaneceram até ao Verão de 1991. Reapareceram dois anos mais tarde na “Visão” até que, entre maio de 1997 e abril de 1998, saíram na revista do semanário “O Independente”. A edição em livro é da Assírio & Alvim, com organização de Fernando Venâncio.
Sem a ilusão de influir, decerto, mas com não menos disposição de afrontar, estes “Bilhetes de Colares” terão servido para a divulgação – sob a adorável cifra de uma autoria estrangeira – de convicções e alvitres que o seu autor tinha de reservar aos gabinetes, quem sabe sob que mais elaborados códigos ainda.
É que o autor destas crónicas ficcionadas, supostamente traduzidas pelo seu “criado” português J. Fonseca, este A. B. Kotter, aristocrata inglês elitista residente em Colares, Sintra, e filho de uma mãe pró-fascista, era um alter ego do diplomata José Cutileiro, falecido no ano passado.
Este género de crónica, escrita sob pseudónimo, tinha antecedentes: Luís de Sttau Monteiro (“redacções da Guidinha”) ou João Medina (“O gato que ri”) e tem sucessores, como Francisco José Viegas e as crónicas do reacionário minhoto António Sousa Homem, ou Henrique Monteiro e as “Cartas Abertas” do Comendador Marques de Correia, que continuam a sair no “Expresso”.
O aristocrata autor destes “bilhetes”, onde expressa os seus mais profundos pensamentos sobre o país em que escolheu viver e sobre o seu quotidiano na Beldroega, em Colares, teria conhecido e sido íntimo de Calouste Gulbenkian, tem uma mãe de 97 anos que afirma conhecer negociantes de conhaque, como “Jean Monnet e Joachim von Ribbentrop”, e cuja grande ambição gastronómica é promover a fusão da cozinha camponesa com a cozinha de corte (com pratos como uma chispalhada nouvelle cuisine) e sobre a qual o pai o terá avisado que, para ser alguém, teria de se libertar da influência materna (“A sua mãe é um vulcão em erupção permanente; bom para ver de longe”). Desconfiamos que não o fez. Para grande alegria dos seus leitores.
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