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Livro: “Impressões de Viagem”

Ricardo Jorge evidenciou-se no campo da Saúde Pública e tem sido um nome presente nestes tempos de pandemia pelo legado que deixou. Mas tinha muitos outros talentos que extravasavam a medicina. Escrever era um deles.
15 Maio 2021, 10h35

Como é bem sabido, Madrid é uma cidade (e região) bastante mais tradicional do que outas zonas de Espanha, sem sequer ser necessário evocar os exemplos óbvios de Barcelona e da Catalunha. As recentes eleições, que vieram mais uma vez colocar nas mãos da direita o governo autonómico da região, comprovam-no e só alguém mais distraído é que não se recordará que, tirando o período de 2015 a 2019, desde 1991 que as eleições para o município são ganhas pelo PP.

Esta constância nas tradições da capital espanhola vem de há muito, como o ilustram vários viajantes, como Ramalho Ortigão ou Ricardo Jorge, autor do excerto que se segue que, apesar de escrito há quase cem anos, em 1924, poderia ser, igualmente, um retrato dos dias de hoje.

“Madrid regala-se de espectáculos a toda a hora, desde o meio da tarde à madrugada, folganças para todos os paladares, nesta terra por excelência da cena, da música e da dança. Há o teatro cantante, onde as tiples famigeradas da cançoneta e do saracote se fazem ouvir em cantigas intervaladas, luzindo para cada uma os mais bizarros e espaventosos vestuários num excesso louco de luxo e de riqueza.

“Há o teatro lírico, onde se estão cantando óperas de Richard Strauss e concertos se sinfonizam sob a batuta apregoada de Arbós. Há o teatro dramático, a sustentar de contínuo a pujança e a fecundidade de produção, a perlustrar sem pecha a plateia de Lope de Veja, onde se criou e evolveu a literatura e o gosto do teatro moderno.”

Ricardo Jorge (1858-1939), médico, professor e escritor, evidenciou-se no campo da Saúde Pública. Entre os seus vários feitos, estão a identificação e combate do surto de peste bubónica no Porto, em 1899. Nesse mesmo ano, fundou o Instituo Central de Higiene, atual Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que tem tido presença constante nas nossas vidas desde há cerca de um ano.

Entre 1913 e 1924, percorreu a Europa, em particular, as cidades de Londres, Paris, Barcelona, Madrid e Genebra, participando em congressos e visitando diversas instituições. Foi, ainda, representante de Portugal no Office internacional d’hygiène publique, em Paris. Dessas deambulações, deixou estas “Impressões de Viagem”, retrato vivo da Europa dos anos 1920, agora editado pela Húmus, na sua colecção “A Ilha”.

Dele escreveu Chianca de Garcia – que além de jornalista, crítico, escritor e cineasta, foi um dos fundadores da Tobis – ser um homem de “nariz recurvo, barbicha de jeito hebraico, olhar vivo, sorriso irónico, voz macia, ouvi-lo era sentir a presença das figuras enciclopédicas da Renascença. Ricardo Jorge não escrevia, esculpia.”

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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