“Um povo que trabalha o barro, o mármore e o bronze com a intensidade que se vem chupar na Grécia, é um povo que pode dormir para sempre, já deu ao mundo um quinhão indestrutível. Mas ao mesmo tempo tem de estar sempre acordado para ler os seus Homeros, Ésquilos e Platões. (…) Tenho de sair do Museu. Vou lá acima ver os barros e esmago-me de encontro a coisas que já não vejo, quase desmaio.”
É sempre com um misto de reverência e espanto que pegamos num livro de Ruben A. e “Um Adeus aos Deuses”, belíssima ode à Grécia, tem ainda o condão de despertar o mais empedernido viajante de sofá, levando-o a largar as pantufas e embarcar na primeira nave que se cruze com os seus olhos, sonhadoramente postos no horizonte, à procura da sua própria Ítaca.
Ruben Alfredo Andresen Leitão nasceu a 26 de maio de 1920, em Lisboa. Deu-nos conta dos seus anos de infância e juventude, o primeiro amor e os estudos em Coimbra em “O Mundo à Minha Procura”, misto de autobiografia, relatos de viagem, leituras e uma espécie de arrecadação sentimental.
Este género híbrido, que mistura ficção e memória, amiúde espoletadas pelos lugares, seria uma constante na sua obra, tornando-o um autor tão inclassificável quão fascinante. Jogos de linguagem, desconstrução dos eixos narrativos tradicionais, subversão cronológica dos eventos passados e uma crítica irónica a uma certa forma de ser português são algumas das principais características da sua escrita.
“Olho para tudo como se fosse pela primeira vez”, afirma neste “Um Adeus aos Deuses”, e parte daí para se pensar e repensar, despindo-se até ao mais íntimo de si mesmo, para poder dialogar com quem não conhece, talvez assim se descobrindo.
Ruben A. foi professor de liceu e, mais tarde, no King’s College, em Londres, até que teve de regressar por imposição de Salazar, a quem o livro “Páginas (II)” desagradara. Trabalhou na Embaixada do Brasil, em Lisboa, sendo nomeado administrador da INCM, em 1972. Acabara de regressar a Inglaterra para lecionar em Oxford quando foi acometido por um ataque cardíaco. Esta morte prematura, aos 55 anos, limitaria uma das obras mais livres de um autor português.
“É um mar diferente do nosso mar Atlântico, o mar da Grécia quer unir-se à terra, torna quase imperceptível o contacto, substitui a espuma dos grandes areais pelas cores de transparências verdes, azuis, castanhas que caminham ao nosso encontro (…).”
Depois de ler estas palavras, quem é que não sente uma urgência tremenda em mergulhar no mar Egeu, navegar de Naxos a Ios, com escala em Amorgos, para ver os seus mosteiros incrustados na rocha, e terminar o dia a sentir a brisa que sopra no sul da ilha de Creta, aspirando profundamente uma cultura com mais de cinco mil anos?
A obra de Ruben A., que urge recordar, agora que já passaram 100 anos do seu nascimento, está publicada na Assírio & Alvim.
Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
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