Na vida real, porém, Spartacus e os seus companheiros lutavam apenas pela sua própria liberdade. Pois, durante séculos, o que os escravos revoltosos realmente queriam não era abolir a escravatura, mas sim tornarem-se livres e, um dia, poderem também eles ter os seus próprios escravos. Era a ordem natural das coisas.

Passaram-se 1900 anos desde a revolta de Spartacus até que a escravatura fosse finalmente abolida. E não foram os escravos que conseguiram essa vitória histórica, mas antes o parlamento britânico, através de duas leis aprovadas em 1807 e 1833, após décadas de pressão por parte de grupos abolicionistas compostos por pessoas como John Newton, o autor de “Amazing Grace”, ele próprio um antigo traficante de escravos que se convertera ao anglicanismo. Estes movimentos de pessoas simples enfrentaram com sucesso o poderoso lobby esclavagista, que na altura controlava uma parcela significativa do PIB britânico e detinha uma enorme influência política. Venceram porque a sua causa era justa e porque, numa democracia parlamentar, o sistema não é perfeito mas as causas justas têm uma chance.

No entanto, nos dias de hoje, pessoas como Newton não teriam a vida fácil. Se falasse em defesa dos escravos, logo apareceria quem o acusasse de perpetuar o sistema de opressão, por alegadamente não ter legitimidade para falar em nome dos oprimidos. Homem, branco, pastor anglicano e, ainda por cima, ex-traficante de escravos? Está claro que não tem “lugar de fala” para se pronunciar sobre a escravatura, diriam alguns.

O certo é que caminhamos a passos largos para uma sociedade cada vez mais dividida, em que alguns lobos disfarçados de cordeiros procuram virar grupos contra grupos, de forma a destruir por dentro a aborrecida civilização burguesa que tanto detestam. Mas não nos esqueçamos de que antes de sermos homens ou mulheres, brancos ou negros, heterossexuais ou gays, crentes ou ateus, somos seres humanos.

A injustiça, quando existe, afeta-nos a todos, de uma forma ou outra. E a  igualdade é para todos e não apenas para um grupo em particular, ao contrário do que foi defendido na recente tomada de posição de várias organizações feministas contra a petição pública em defesa da guarda partilhada das crianças pelos dois progenitores. Como podem organizações que se dizem defensoras da igualdade de género tomar uma posição destas, que promove a desigualdade entre homens e mulheres? Defendem a igualdade ou apenas um grupo específico de pessoas?