[weglot_switcher]

Luís Menezes Leitão alerta para “grande falha de autonomia” dos deputados

“Assistimos no Parlamento a uma grande falha de autonomia dos próprios deputados. Não me parece que exista em mais lado nenhum. É uma prática que me parece totalmente absurda: dizer-se que não se está de acordo com o voto, mas votar nesse sentido. No fundo, parece que não estão a cumprir as suas funções”, analisou o advogado durante o painel ‘Transparência do processo legislativo e papel na prevenção da corrupção’ do evento que teve o JE como media partner.
Créditos: Eduardo Ribeiro
6 Novembro 2024, 19h10

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados Luís Menezes Leitão alertou, esta quarta-feira, durante a conferência do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para o problema da “grande falha de autonomia” dos deputados.

“Assistimos no Parlamento a uma grande falha de autonomia dos próprios deputados. Não me parece que exista em mais lado nenhum. É uma prática que me parece totalmente absurda: dizer-se que não se está de acordo com o voto, mas votar nesse sentido. No fundo, parece que não estão a cumprir as suas funções”, analisou o advogado durante o painel ‘Transparência do processo legislativo e papel na prevenção da corrupção’ do evento que teve o JE como media partner.

E a maioria absoluta favorece este cenário. “O que temos visto é que o próprio governo assume praticamente todo o controlo do processo legislativo, e nem se dá ao trabalho, quando chegamos à discussão pública, de apresentar sequer para os juristas um projeto de articulado, que é o que toda a gente esperaria”, afirmou.

O antigo bastonário compara o lobbying nos EUA com Portugal. “O lobby é feito de forma transparente nos EUA”, diz. Em Portugal, “temos uma grande desvirtuação relativamente à forma como são aprovadas as leis”.

“Aqui em Portugal acontece totalmente o inverso. Apesar de termos a supremacia do Parlamento em termos legislativos, essa supremacia está totalmente transferida para o Governo. Neste quadro, mesmo que surjam através de autorizações legislativas, as autorizações estão cada vez mais como normas em branco”, afirmou, apontando para a grande margem com que o Governo fica para legislar, “mesmo em termos de matérias da competência” do Parlamento.

Luís Menezes Leitão recordou que, durante a pandemia, soube da aprovação de medidas “altamente gravosas para os direitos dos cidadãos sem qualquer discussão. “Grande parte delas foram declaradas inconstitucionais e não houve nenhuma repercussão relativamente àquilo”, explicou, apontando para a “gravidade em termos da opacidade do projeto legislativo”.

Apontou, também, para o “problema do défice de representação política”. “Temos propostas que aparecem nos programas eleitorais que são completamente rasgados no momento seguinte. Surgem por iniciativa do Governo ou do próprio partido, mas são aprovadas mesmo que os deputados delas discordem, porque sabem que se não aprovarem não serão reeleitos. Não depende de uma ligação junto dos eleitores, mas sim de uma escolha partidária”, acrescentou.

“É no fundo uma unanimidade que é muito preocupante. E isto cria um problema gravíssimo na transparência do processo legislativo”, alertou.

Luís Menezes Leitão opõe-se, também, ao papel dos escritórios de advogados na elaboração dos projetos de legislação. “Não acho que seja adequado que sejam os escritórios de advogados a fazer projetos de legislação. Os escritórios de advogados têm função de defender os interesses privados, com uma atitude muito meritória. Mas antigamente, quando havia projetos, eram feitos por gabinetes técnicos dos Ministérios, e havia gabinetes muito competentes”.

A propósito da morosidade dos processos como um incentivo à corrupção, o professor universitário diz que “é sempre muito fácil criar dificuldades e depois vender facilidades”.

“O que me choca na agenda do combate à corrupção, e acontece com muitos governos, é que quando alguém vem quer voltar à estaca zero. O resultado disto é contraproducente”, disse.

“Fazem-se iniciativas mal pensadas e preparadas, à pressa. E se houver um descalabro, ninguém assume. Quase sempre só temos erros em grande parte das iniciativas que têm sido tomadas neste âmbito”, finalizou.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.