Num ponto, a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) está de acordo com a ministra da Saúde: É preciso atribuir maior autonomia aos conselhos de administração dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas para isso também é fundamental que ao leme estejam os “melhores” e as substituições levadas a cabo por Ana Paula Martins têm suscitado “dúvidas”, sublinha Xavier Barreto, presidente da APAH, em declarações ao Jornal Económico (JE).
Em causa está a avalanche de troca de conselhos de administração dos vários hospitais do país, a maioria das quais, no entender de Xavier Barreto, não há “fundamento” que as suportem. “Em muitos casos, não parece existir um fundamento claro para estas substituições”, afirma o dirigente, acrescentando que, paralelamente, nalguns casos também “não é muito claro o critério de escolha” dos novos administradores.
“Quando são escolhidas pessoas sem formação, experiência ou trajeto, pessoas que estão na Saúde pela primeira vez, claro que isso não pode deixar de levantar dúvidas”, aponta, sem apontar nomes mas numa alusão aos administradores nomeados recentemente para as ULS de Castelo Branco, Leiria e Cova da Beira. Pelo menos nesses três casos, foram escolhidos perfis sem experiência em gestão hospitalar. No caso de Castelo Branco, como notou o Jornal de Notícias, foi nomeado Rui Manuel Amaro Alves, licenciado em Geografia, doutorado em Planeamento Regional e Urbano e antigo diretor-geral do Território, mas sem qualquer experiência na área da Saúde. Ao todo, o Governo já fez cair nove administrações que tinham sido nomeadas pelo primeiro CEO do SNS, Fernando Araújo.
Apesar de defender maior autonomia para os hospitais, Xavier Barreto diz que também teria “dificuldade em entregar um orçamento, por exemplo, de 500 milhões de euros, a quem nunca geriu nada na vida”. “É arriscado”, frisa, lembrando que, por vezes, não se tem noção do volume que estamos a falar. “Algumas das Unidades Locais de Saúde, as universitárias, chegam quase aos mil milhões, isto requer de facto os melhores. Quando lá estiverem os melhores, temos mais segurança para lhes dar autonomia, avaliá-los e pedir-lhes responsabilidades no caso de as coisas não correrem bem. É esse o modelo que defendemos”, sublinha, insistindo que atribuir mais autonomia “obriga a que sejamos muito exigentes” na escolha das pessoas, “coisa que infelizmente não temos sido”, lamenta.
“Se tivermos as melhores pessoas nos conselhos de administração, pessoas que são gestores profissionais que já têm no passado uma experiência e um trajeto de formação, pessoas que nos dão garantias de que vão gerir bem, é claro que isso nos dá a liberdade para podermos dar-lhes autonomia e dizer: ‘este é o vosso orçamento, estes são os objetivos que têm que atingir, agora é convosco'”. Depois, acrescenta, é uma questão de competência chegar lá. “Para mim faz todo o sentido dar autonomia e depois dar responsabilidade e ter consequências para quem não conseguir [atingir os objetivos], que podem até chegar ao ponto de substituir o conselho de administração”, enfatiza.
Por isso, questionado sobre as palavras da ministra da Saúde que, na semana passada, revelou estar a estudar mecanismos para dar aos gestores dos hospitais públicos as mesmas capacidades que têm os dos setores privado e social, liberando-os da “captura”, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares diz ser uma “ótima ideia”, aguardando “com expectativa essas medidas para que isso possa acontecer”.
“Porque [atualmente] não é fácil” tendo em conta as regras que são transversais a toda a administração pública. Exemplo disso é o Código de Contratação Pública, “uma peça legislativa, uma lei que somos obrigados a cumprir para efeitos de compras, tem vários passos e é um processo muito burocratizado”.
Sendo certo que são regras “para proteger o Estado, para garantir que os processos são bem feitos, que vários concorrentes são ouvidos, que há tempo para reclamações e que os processos são escrutinados – tudo isso é importante”, na realidade seguir o Código de Contratação Pública “acaba por tornar os processos muito lentos, muito burocratizados e isso também prejudicou SNS”, porque sendo aplicável a toda a administração pública, também “não é fácil depois arranjar regras de exceção para o setor de saúde”.
O dirigente argumenta também que as parecerias público privadas (PPP) – um modelo de gestão a que a ministra admitiu voltar – geraram “bons resultados no passado” justamente pelo facto de os gestores terem autonomia, podendo, por exemplo, “contratar um enfermeiro quando precisarem, no momento em que precisarem, podem decidir fazer um investimento, podem decidir fazer uma compra de um equipamento”.
Em suma, “não têm de estar sujeitos a restrições e condicionamentos por parte da tutela, particularmente por parte do Ministério das Finanças”, o que “tem consequências em termos de gestão e de resultados”. “Acompanho totalmente e foi isso que percebi das palavras da ministra: a ideia de que é preciso retirar as amarras da gestão pública e dar mais autonomia aos conselhos de administração do Serviço Nacional de Saúde.”
Quanto à possibilidade de as PPP regressarem ao setor da saúde, Xavier Barreto afirma que é preciso conhecer qual a ideia do Governo, nomeadamente perceber se a ministra se referia a esse modelo só para a construção, se para a construção e exploração do hospital durante 10 anos, como aconteceu no passado, em que locais as quer aplicar e durante quanto tempo. O JE procurou saber mais detalhes sobre o que planeia o Executivo junto do Ministério da Saúde, mas não obteve resposta.
Amadora-Sintra sem plano? “Espero que o tenha muito em breve”
Interrogado sobre o facto de a ministra da Saúde ter afirmado, no Parlamento, não ter nenhum plano para o Amadora-Sintra, depois de 13 cirurgiões se terem demitido, assim como o conselho de administração do hospital, o presidente da APAH diz apenas esperar que o tenha “muito em breve, porque o hospital de facto precisa desse plano. Não posso fazer mais nenhum comentário.”
O dirigente explica que o problema no Fernando da Fonseca “é complexo”. Desde logo, porque se trata de um hospital “que tem muitos anos de desinvestimento e está subdimensionado para a população que serve. Tem a maior área de influência do Serviço Nacional de Saúde, quase 600.000 pessoas, e mais de 30% das pessoas não tem médico de família naquela região”. O presidente da APAH realça que o hospital devia ter conseguido “adaptar-se a esta nova realidade” ao longo dos últimos 20 anos e “não conseguiu”, também por ter menos ferramentas quando passou para a esfera pública. “Provavelmente, se tivesse regras diferentes, os conselhos de administração tinham feito mais investimento, tinham-se adaptado melhor”.
Além disso, acrescenta Xavier Barreto, “a gota de água” foi este problema com a cirurgia geral que levou à demissão de 13 cirurgiões. “Um problema que, no fundo, decorre de dois médicos que se incompatibilizar com o serviço, mas que o conselho administração não pode despedir”. E é por aqui que o Ministério da Saúde tem de começar, defende a APAH. “Resolver a questão da cirurgia geral em diálogo com aqueles dois médicos e com o resto do serviço. Deve ser a prioridade da ministra e do novo conselho de administração que vai ser nomeado”.
Ana Paula Martins abordou na audição da semana passada a dificuldade em recrutar especialistas para aquele hospital, dizendo mesmo que “ninguém quer ir para lá trabalhar”.
Ao JE, Xavier Barreto afirma não ter “essa noção”. “Apesar de tudo, o Amadora-Sintra tem serviços que são muito bons. Tem um problema geral, de facto, que pode ser resolvido, mas tem excelentes profissionais e muitos serviços.” Para o presidente da APAH, aquele hospital tem serviços que são “do melhor que temos Serviço Nacional de Saúde em muitas áreas médicas e muitas áreas médicas e áreas cirúrgicas”.
“Não acompanho a ideia de que o Amadora-Sintra é um hospital sem qualidade ou em que os profissionais de saúde não são tão bons como os outros. De todo. É exatamente o contrário. São profissionais excecionais e só graças a eles é que o hospital se tem conseguido manter à tona. Não foi graças aos políticos das últimas décadas, porque fizeram muito pouco por aquele hospital”, defende, pedindo mais investimento em edifícios, infraestrutura, e na contratação de mais profissionais.
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