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Mais de 410 mil lisboetas expostos a “elevado risco” de doença devido à proximidade ao aeroporto

Estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente estima que partículas ultrafinas decorrentes da atividade do Aeroporto de Lisboa possam estar na origem de casos de hipertensão, diabetes e demência entre a população da cidade e arredores. Zero alerta para situação “desastrosa” que não acontece em mais nenhum outro aeroporto estudado.
1 – Aeroporto Humberto Delgado (Lisboa)
25 Junho 2024, 16h05

A associação ambiental Zero dá conta de um estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&F) que sugere um “elevado risco acrescido” de doença devido à exposição a partículas ultrafinas com origem no aeroporto de Lisboa.

Este estudo diz a organização ambientalista indica que as cerca de 414 mil pessoas, que corresponde a cerca de 4% da população portuguesa, que vivem num raio de cinco quilómetros (kms) do aeroporto Humberto Delgado em Lisboa estão particularmente expostas e são afetadas pelas partículas ultrafinas emitidas pelos aviões.

A Zero acrescenta que o estudo da T&F sugere que “milhares de casos de hipertensão arterial, diabetes e demência, em Lisboa e noutras cidades da Europa, podem estar ligados a estas partículas minúsculas emitidas pelos aviões, sendo que Lisboa é a cidade que de longe mais concentra pessoas a viver, trabalhar e estudar nas imediações do aeroporto”.

Este estudo teve como intuito explorar a “ligação entre as partículas ultrafinas e a saúde das pessoas que vivem perto dos 32 aeroportos mais movimentados” em toda a Europa, explica a Zero.

“Estas partículas são deixadas em suspensão no ar pelos aviões, dispersam-se amplamente na atmosfera, têm um diâmetro mil vezes inferior ao de um cabelo humano e são invisíveis. Quando inaladas, passam facilmente através dos pulmões para a corrente sanguínea e espalham-se por todo o organismo, podendo originar problemas de saúde sérios a longo prazo, incluindo respiratórios, cardiovasculares, neurológicos, endócrinos e gestacionais”, referiu a associação ambientalista.

A Zero acrescentou que se estima que estas partículas ultrafinas decorrentes da atividade do aeroporto de Lisboa “possam estar na origem de 15.473 casos de hipertensão, 18.615 casos de diabetes e 1.837 casos de demência entre a população da cidade e arredores, ou seja, no total cerca de 36 mil casos de doença; isto é, até 9% da população num raio de cinco kms com doença atribuível ao aeroporto”.

Contudo a Zero diz acreditar que estes números possam “estar subestimados” por dois motivos: “(1) neste estudo foi considerada uma distribuição uniforme da população em redor do aeroporto e não foi tido em conta o regime de vento dominante, que em Lisboa é Norte-Sul, expondo mais a zona a Sul do aeroporto – a zona mais populosa, com uma parte significativa da população sob a influência direta do cone de aterragem e descolagem; (2) apenas foram considerados os efeitos sobre a saúde em que existe uma forte associação com a exposição a partículas ultrafinas. Condições com possível ou provável associação à exposição, como nascimentos prematuros ou anomalias congénitas, não foram consideradas”, referiu a associação.

A Zero acrescentou que o estudo que foi divulgado pela T&F complementa um estudo da Universidade Nova de Lisboa de 2019 que “mostra inequivocamente que a concentração de partículas ultrafinas nalgumas zonas de Lisboa sobe conforme a sua exposição à influência” do aeroporto e movimento de aviões.

“Dada a proximidade do aeroporto ao centro da cidade, os efeitos das partículas estendem-se por áreas significativas. As zonas mais afetadas são nas imediações do aeroporto, como Alvalade, Campo Grande e Cidade Universitária – onde se situam o Hospital de Santa Maria, universidades, escolas e jardins infantis –, e sob rota de aproximação e descolagem dos aviões, como as Avenidas Novas, Bairro do Rego, Amoreiras e Campolide”, disse a associação ambientalista.

A associação reforça que esta situação “não encontra semelhança em mais nenhum outro” aeroporto europeu, sublinhando que se trata de uma situação “desastrosa” para a saúde dos cidadãos de Lisboa que vivem e fazem a sua vida nestas zonas, “agravando as doenças provocados pelo excesso de ruído”.

A Zero sublinha que no total dos aeroportos considerados no estudo da T&F, a exposição às partículas ultrafinas “pode estar associada” a 280 mil casos de hipertensão, 330 mil casos de diabetes e 18 mil casos de demência.

“Como as concentrações destas partículas são maiores mais perto dos aeroportos, as populações que vivem nessas zonas têm um risco de doença maior por comparação com uma população semelhante não exposta: num raio de 5 km, o risco acrescido de sofrer de demência é de cerca de 20%, de diabetes cerca de 12%, e de hipertensão arterial cerca de 7%”, referiu a Zero.

A associação diz que de todos os aeroportos considerados no estudo, nomeadamente os que têm maior número de voos, “têm muito menos” população num raio de cinco kms ao seu redor em comparação com o Humberto Delgado.

A Zero diz que até à data “não há regulamentação” sobre os níveis seguros de partículas ultrafinas no ar, apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) já ter alertado há mais de 15 anos para que se trata de um “poluente preocupante”.

A associação acrescenta que os aviões são uma fonte primária deste tipo de poluição ao redor dos aeroportos, pois uma “parcela significativa” (14%) das emissões de partículas por parte da aviação ocorre durante o ciclo de descolagem e aterragem, “espalhando-se por área maiores em comparação com as emissões provindas do transporte rodoviário”.

A Zero sublinhou que em termos globais a exposição de longo prazo às partículas com origem na aviação resulta num número estimado de mortes prematuras entre 14 mil e 21.200 todos os anos, e “pode estar relacionada” com problemas cardiovasculares, hospitalização por asma e problemas respiratórios, e que  a exposição de curto prazo “pode causar” sintomas como tosse e dificuldade em respirar.

“Usando combustível de aviação (jet fuel) de melhor qualidade permite reduzir a emissão de partículas ultrafinas em até 70%. Quanto mais limpo o combustível, com menos aromáticos e enxofre, menor a poluição gerada. A limpeza de jet fuel pode ser feita recorrendo a hidrotratamento, processo usado no transporte rodoviário e marítimo, e que tem um custo que pode ser menor do que cinco cêntimos por litro. Contudo, as normas para produção de combustível para a aviação não o exigem”, disse a ZERO, tendo por base o estudo da T&F.

A Zero sugere a implementação das seguintes medidas para reduzir o impacto nas partículas ultrafinas na saúde dos cidadãos mais afetados pelos aeroportos em Portugal: “Não expandir a capacidade do aeroporto Humberto Delgado; Acelerar o encerramento do Humberto Delgado para tão breve quanto possível – segundo a Comissão Técnica Independente, tal poderá acontecer num prazo de até sete anos; Promover a utilização de combustíveis sustentáveis na aviação (SAF), já que contêm menos aromáticos e enxofre, os principais responsáveis pela formação de partículas ultrafinas; Reduzir a quantidade de aromáticos e enxofre presentes no jet fuel convencional, pois ainda vão passar anos até que as quantidades de SAF utilizadas na aviação sejam significativas. Esta medida pode ser implementada criando normas para o combustível de aviação na União Europeia, obrigando a reduções progressivas nestes compostos, preparando o caminho para SAF com zero aromáticos e zero enxofre”.

A estas medidas acresce a “monitorização das partículas ultrafinas nos aeroportos e nas zonas em seu redor e divulgar estas medições, objetivando limites à concentração dessas partículas”. A Zero diz ainda que a evidência mostra ainda que os trabalhadores dos aeroportos, em particular os que trabalham na pista, “são quem está mais exposto aos efeitos das partículas ultrafinas, pelo que há que criar medidas específicas para proteger a sua saúde”.

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