É comum que os segundos mandatos dos presidentes da República sejam mais interventivos. Foi assim com Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva que se tornaram mais exigentes com os governos abrindo a porta a momentos de tensão que ficaram para a história da democracia. Com Marcelo Rebelo de Sousa, reeleito há dois anos para um segundo mandato, não está a ser diferente, mas os mais próximos garantem que foram as circunstâncias que ditaram uma atuação mais exigente.
“Nos últimos meses tem sido mais interventivo e mais exigente”, reconhece, em declarações ao NOVO, Marques Mendes, conselheiro de Estado. O ex-presidente do PSD considera que a atuação do Presidente da República “é justificada pelas circunstâncias”. “Primeiro, porque um governo de maioria absoluta exige sempre um maior escrutínio presidencial do que um governo de minoria, em segundo lugar, porque o Governo cometeu muitos erros nos últimos tempos e colocou-se a jeito para uma maior intervenção presidencial”, analisa.
Há ainda uma terceira razão para o comentador a justificar a postura de Marcelo Rebelo de Sousa: “os portugueses, de alguma forma, como se tem visto em sondagens, também exigem da parte do Presidente uma maior intervenção”. Com três anos de mandato pela frente e um governo de maioria absoluta que dá sinais de desgaste, Luís Marques Mendes considera que a intervenção do Presidente continuará a depender das circunstâncias: “A linha de orientação é esta, mas se em cada momento intervém mais ou intervém menos, isso vai depender muito das circunstâncias. Ninguém pode estar a prever em abstracto. O Governo comete erros, o Presidente é mais exigente, o Governo faz menos erros, o Presidente é menos exigente. O Governo é mais arrogante, é natural que o Presidente seja mais exigente para pôr ordem na casa. O Governo é mais tolerante, não se justifica. A ação do Presidente é sempre vista em função das circunstâncias políticas do momento.”
Um mandato mais difícil
Marcelo Rebelo de Sousa foi reeleito, no dia 24 de Janeiro de 2021, com mais de 60% dos votos. Prometeu ser “exatamente o mesmo”, mas nos últimos dois anos muita coisa mudou. A crise na geringonça abriu a porta a eleições antecipadas e à primeira maioria absoluta de António Costa. A juntar à pandemia, que fazia o Presidente temer um segundo mandato “mais difícil” devido à crise económica e social, a guerra na Ucrânia tornou a situação ainda mais complexa e imprevisível. O que Marcelo não esperava era uma tempestade política com sucessivas remodelações.
Foi este cenário que ditou uma maior intervenção do Presidente depois de ter sido acusado, principalmente pelos sectores de direita, de levar o Governo ao colo. “O Presidente é rigorosamente independente e os portugueses têm compreendido isso”, disse, no debate com André Ventura, na campanha eleitoral.
Mas, nos últimos meses, deu sinais de distanciamento em relação a um governo confrontado com várias polémicas e desgastado ao fim de sete anos. Forçou a demissão dos governantes envolvidos em polémicas e avisou, na mensagem de Ano Novo, que este será um ano decisivo. “Um 2023 perdido compromete, irreversivelmente, os anos seguintes”, disse. Ao mesmo tempo, alertou que a estabilidade só depende do Governo e não afastou a possibilidade de usar a bomba atómica – mesmo sabendo que o Governo tem maioria absoluta – quando houver “mais vantagens que inconvenientes” e existir uma alternativa “forte e evidente”.
José Palmeira, professor de Ciência Política na Universidade do Minho, considera que a crise no Governo “acabou por colocar novamente o Presidente no centro” da vida política. “Na mensagem de Ano Novo criou um caderno de encargos para o Governo, dizendo que iria avaliar se se justificaria (ele não foi tão taxativo, como é óbvio) dissolver o Parlamento no final do ano”.
O especialista em Ciência Política realça que a “boa relação pessoal” entre Marcelo e António Costa, que não existia por exemplo entre Cavaco Silva e José Sócrates, é um fator a ter em conta, mas “se o Presidente observar que as reformas não estão a ser feitas ou se a instabilidade social paralisar o Governo” pode mesmo utilizar a bomba atómica. Há, no entanto, uma condição determinante que pode limitar a actuação do Presidente da República: “não basta o Governo degradar-se, é preciso garantir uma alternativa minimamente consistente, porque há o risco da dissolução do Parlamento criar uma situação de ingovernabilidade”.
Marcelo não muda de estilo
José Palmeira, na avaliação dos dois anos do segundo mandato, realça que Marcelo Rebelo de Sousa manteve o estilo, apesar das acusações de que fala demais, e “os portugueses apreciam este tipo de atitude com uma presença constante”. Foi, porém neste segundo mandato que Marcelo Rebelo de Sousa viveu alguns dos momentos mais difíceis desde que chegou a Belém.
As declarações sobre os abusos na igreja católica obrigaram-no a pedir desculpa às vítimas. A intervenção sobre os direitos humanos no Qatar também fragilizaram a atuação de Belém. “Foram momentos negativos de tiros no pé, mas isso tudo foi ultrapassado com esta crise no Governo que permitiu ao Presidente da República recuperar o seu papel de relevância na vida política. Nos estudos de opinião isso acabou por não ter muito reflexo, porque, apesar de tudo, há uma relação de empatia grande entre os portugueses e o Presidente”, conclui José Palmeira.
Apesar da pressão para ser mais contido, depois de ter afirmado que “haver 400 casos de abuso” sexual na igreja não é um número “particularmente elevado”, Marcelo não abrandou o ritmo e garantiu, nessa altura, que “não vai mudar uma vírgula” ao estilo com que exerce a presidência desde 2016: “É meu estilo, a minha maneira de ser, o estilo da minha presidência. Nunca me fecho no Palácio, porque a função do Presidente da República é a de estar junto dos portugueses.”
Um artigo que pode ler também na edição do NOVO publicada a 21 de Janeiro
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