Maria da Graça Carvalho é a nova ministra do Ambiente e da Energia da República Portuguesa.
A eurodeputada que tem estado bastante envolvida no desenho e negociações na reforma do mercado europeu de eletricidade regressa às funções executivas de um Governo da República.
Na entrevista antecipava que “na energia, quem for ministro tem muito que fazer, mas está tudo muito bem definido”.
Defendeu a aposta na energia eólica offshore e elogiou a aposta do Governo de António Costa nas energias renováveis, mas deixou críticas: ” não gosto dos projetos de excessiva dimensão, como os das centrais solares que são muito grandes, e os projetos de hidrogénio que são de uma ambição completamente desmedida”.
Se fosse a próxima ministra da Energia em Portugal…
Oh, meu Deus! Não estou a pensar nisso. A função é muito importante, de grande dedicação, a 200%. Para já, estou a acabar os meus relatórios.
Se viesse a ter uma função executiva, como ministra ou secretária de Estado, qual seria o seu plano?
Na energia, quem for ministro tem muito que fazer, mas está tudo muito bem definido, porque houve um pacote legislativo europeu tão grande, que define o que é preciso fazer: é arregaçar as mangas e fazer. É por todos estes regulamentos a funcionar: renováveis, a eficiência energética, os transportes, os edifícios.
É este o caderno de encargos?
Está feito. É muito trabalho a aplicar, são relatórios muito bem feitos, mas são de uma grande exigência, porque são todos em muito pouco tempo. Agora, é não complicar. Não criar barreiras excessivas, desnecessárias, que muitas vezes os Estados-membros põem em relação e aplicar às questões europeias. Descomplicando: temos que ter uma função pública bem capacitada. E um dos problemas que nós temos, temos uma DGEG que precisa de muitos técnicos, precisa de uma task force enorme para pôr e dar despacho rapidamente em poucos dias, dar despacho a todas estes pedidos agora vão ser feitos para renováveis. Vamos ter muitos pedidos e temos de os despachar muito rapidamente.
Maria da Graça Carvalho conta com uma carreira de mais de três décadas nas áreas da energia, alterações climáticas, tecnologia e inovação. Passou por governos e estava há vários anos no Parlamento Europeu.
Professora catedrática do Instituto Superior Técnico (IST), foi ministra da Ciência e do Ensino Superior nos governos de Durão Barroso e de Pedro Santana Lopes. Trabalhou com Carlos Moedas e Durão Barroso na Comissão Europeia e está na sua segunda encarnação como eurodeputada do PSD (que integra o Partido Popular Europeu (PPE)).
É atualmente relatora sombra do importante pacote legislativo para a reforma do mercado da eletricidade que foi aprovado na semana passada pelo Conselho da União Europeia e do Parlamento Europeu e que deverá entrar em vigor no final de 2024 que prevê mais apoios para as energias renováveis, incluindo a simplificação de licenciamentos.
A nova ministra vai ficar responsável pelo Fundo Ambiental, o super-fundo que tem um envelope financeiro de 1,8 mil milhões de euros para gastar só este ano.
As suas receitas têm várias origens:
– 630 milhões dos leilões no âmbito do Comércio Europeu de Licenças de Emissão – CELE
– 410 milhões da taxa de carbono
– 366 milhões do Orçamento do Estado
– 125 milhões da taxa CESE – Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético
– 50 milhões da taxa de carbono sobre viagens aéreas, marítimas e fluviais
– 44 milhões das licenças de aviação
– 41 milhões da taxa de gestão de resíduos
– 30 milhões do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos
– 25 milhões da taxa de recursos hídricos
Releia aqui a entrevista do JE a Maria da Graça Carvalho publicada a 21 de dezembro de 2023
Começando por Portugal, como é que olha para a aposta na energia eólica offshore?
É uma solução interessante. Temos que ter aqui sempre os impactos em conta. Já temos várias organizações e pessoas preocupadas, nomeadamente os pescadores. Não há projetos sem impactos negativos, que têm que ser minimizados, têm que ser bem escolhidos. Não podem prejudicar a qualidade do ambiente, dos oceanos, a vida dos pescadores, temos que ter tudo isso em atenção. É uma aposta também da União Europeia e de muitos países também. Foi mesmo uma das prioridades da Dinamarca no relatório e até há emendas específicas para facilitar a vida da eólica offshore, mas sempre com atenção aos impactos locais e, nomeadamente, aos pescadores.
Portanto, é para avançar?
É.
O Governo de António Costa chegou ao fim após oito anos, o que é que falhou em termos de políticas energéticas do país?
Ponto positivo, uma grande aposta nas energias renováveis. Isso é bom que já vem há bastantes anos, foi sempre uma linha continuada pelos vários governos. Mas não gosto dos projetos de excessiva dimensão, como os das centrais solares que são muito grandes, e os projetos de hidrogénio que são de uma ambição completamente desmedida.
Ainda estamos numa fase de se testar para dimensões elevadas, tem ainda de se fazer a fase piloto. Ainda não há muitos equipamentos de mercado de grande dimensão e portanto, aí houve uma falha nesta super ambição.
E o que é que falhou mais?
Falhou muito os transportes. Não temos uma política de transportes que nos permita fazer esta transição. Tínhamos de ter apostado muito mais na ferrovia. Países como, por exemplo, a Espanha está preparadíssima para isso. No centro da Europa, todas as pessoas viajam em comboios de alta velocidade, Portugal está preparado, está completamente baseado no automóvel, com muita dificuldade de fazer a transição para o elétrico, porque as viaturas são caras, porque ainda não temos as infraestruturas necessárias. Olhamos para as emissões de Portugal nos transportes e são altas, nesse sector falhámos muito. Já se devia ter feito esta transição para a ferrovia. Depois temos também um grande desafio nos edifícios. A diretiva da eficiência energética vai exigir grandes modificações nos edifícios e estamos muito pouco preparados para o fazer, e os privados têm pouco poder económico para fazer toda essa transformação. E precisam porque as casas são muito pouco confortáveis. Passa-se muito frio em Portugal, um país que é temperado, mas passa-se mais frio aqui do que em Bruxelas, onde as casas estão mais preparadas. Isto vai exigir um grande financiamento público e privado. Focamo-nos muito na produção da energia renovável. Foi um ponto bom, mas esquecemos as outras, as outras dimensões e agora até 2030 há tanta coisa para fazer.
Se fosse a próxima ministra da Energia em Portugal…
Oh, meu Deus! Não estou a pensar nisso. A função é muito importante, de grande dedicação, a 200%. Para já, estou a acabar os meus relatórios.
Se viesse a ter uma função executiva, como ministra ou secretária de Estado, qual seria o seu plano?
Na energia, quem for ministro tem muito que fazer, mas está tudo muito bem definido, porque houve um pacote legislativo europeu tão grande, que define o que é preciso fazer: é arregaçar as mangas e fazer. É por todos estes regulamentos a funcionar: renováveis, a eficiência energética, os transportes, os edifícios.
É este o caderno de encargos?
Está feito. É muito trabalho a aplicar, são relatórios muito bem feitos, mas são de uma grande exigência, porque são todos em muito pouco tempo. Agora, é não complicar. Não criar barreiras excessivas, desnecessárias, que muitas vezes os Estados-membros põem em relação e aplicar às questões europeias. Descomplicando: temos que ter uma função pública bem capacitada. E um dos problemas que nós temos, temos uma DGEG que precisa de muitos técnicos, precisa de uma task force enorme para pôr e dar despacho rapidamente em poucos dias, dar despacho a todas estes pedidos agora vão ser feitos para renováveis. Vamos ter muitos pedidos e temos de os despachar muito rapidamente.
E olhando para o caso Influencer, teme que possa vir a ter impactos nos custos reputacionais do país?
Espero que não, porque os protagonistas vão ser outros. Eu acho que pode ser positivo no sentido de que é preciso redimensionar um bocadinho, nomeadamente os projetos de hidrogénio que são de grande dimensão, faz mais sentido. Os projetos de hidrogénio são muito importantes. Defendo muito o hidrogénio. Trabalhei muito nessa área como professora e como investigadora, mas precisam de ser mais descentralizados, precisam de ser um factor de atração da indústria. O hidrogénio deve ser utilizado onde é o mais perto possível de onde é produzido, porque é ainda difícil de transportar. Durante todos estes anos tivemos um fator que nos roubava a competitividade que era a eletricidade cara. Agora, tendo disponível hidrogénio renovável, tem que ser um fator de atracção de indústria. Portanto, atrair para onde produzimos hidrogénio conseguir atrair a indústria que precisa desse hidrogénio, porque a indústria tem um um target obrigatório, um objetivo obrigatório de utilização de hidrogénio renovável, salvo erro, é 50% até 2030 e precisa de o ter disponível. Como o hidrogénio ainda é difícil de transportar, se não temos hidrogénio, atrair essas indústrias que dão riqueza e emprego será um dos objetivos importantes. Portanto, vários projectos de média dimensão atrair indústrias. Eu acho que há ali um trabalho de adaptação desses projectos e espero que seja feito rapidamente e que será muito importante para Portugal.
Transportar hidrogénio é difícil e caro?
Certo. Temos que caminhar e tentar ver como é que também se poderá exportar, mas para já, precisamos de projetos de média dimensão aqui para atrair indústria e criar empregos.
A reforma do mercado europeu foi uma vitória, a sua aprovação?
É uma reforma que visa as empresas, as famílias, a classe média. Temos todo um clima muito favorável ao investimento e isso foi muito importante, como os contratos de longa duração, menos burocracia ou simplificação dos procedimentos. As bolsas reagiram imediatamente, eu fiquei contente porque quando há relatórios aumentam a burocracia, e por vezes até tem um efeito negativo na economia.
Foi um trabalho do Parlamento Europeu e do Partido Popular Europeu, porque nos outros grupos havia questões em linha com a Comissão e com o Conselho que depois abandonaram por minha pressão, que iam prejudicar o investimento. Havia uma regulação dos preços e um teto máximo para os lucros das renováveis, que não faz sentido nesta transição. Essa medida que estava na proposta da Comissão, na presidência espanhola e, portanto, no Conselho e no relator socialista, que é espanhol. Eu consegui que o colega socialista abandonasse essa ideia, mas ainda estava no Conselho. Nesta negociação final, consegui que eles abandonassem. Há aqui um trabalho muito de bastidores, muita negociação. Quer dizer, eu não podia ter esta posição sozinha, eu tinha que garantir que também tinha uma maioria que me apoiasse. Primeiro, foi com os liberais e depois tive que ter o apoio dos Verdes, que era mais difícil, mas consegui.
O Conselho demorou meses a fechar porque a França dizia que a proposta não era amiga do nuclear. Não é verdade. Ela é tecnologicamente neutra, portanto considera o nuclear como as renováveis. Não fazemos distinção. Agora, o que a França queria era financiar financiamento público para as centrais existentes. E com a quantidade de capacidade instalada que tem, se isso acontecesse, vai dar cabo da competitividade do mercado, da energia e de tudo o que depende da energia, que é praticamente tudo na Europa. Não é, portanto, da indústria, porque vão ter preços regulados. Podem ter preços regulados mais baixos e a competitividade em toda a Europa, mas principalmente os países como a Alemanha, como o norte da Itália, mais perto da França, teriam problemas graves. Isto foi muito difícil de negociar dentro do Conselho. Também foi no Parlamento, mas conseguimos. Tem que haver melhoria das condições, tem que haver investimento. Foi para estender o tempo de vida, Tem que haver melhorias nas condições e, portanto, essa parte tem direito a esse financiamento.
E ao nível dos consumidores?
Ficou a proteção total dos consumidores em caso de desconexão da rede elétrica. Portanto, têm que ser protegidos pelo Estado, não se pode deixar alguém sem energia elétrica porque não pode pagar, foi assim criada uma proteção que não existia a nível europeu. E depois a outra parte que também foi introduzida por nós, é que é muito interessante, porque é uma área em que Portugal está muito avançado em relação ao resto da Europa, que é a partilha de energia. Isso também foi muito difícil de negociar, principalmente com o Conselho. Isto foi muito baseado no que já está a acontecer em Portugal, dos projetos em que uma empresa ou uma comunidade ou um parque de ciência e tecnologia ou um parque industrial produz a sua eletricidade e depois partilha com outro, com um hospital, com um estádio, com uma universidade, com uma escola. E isto pode ficar muito mais barato. As empresas tinham aqui um excesso de regulação e diminuímos muito os parâmetros necessários.
O documento garante que a construção de nova capacidade renovável tem a garantia de uma remuneração mínima, através dos contratos CfD, garantindo um nível de receitas. Isto é uma forma de dar segurança às empresas?
Exato. Para atrair investimento, que o investimento necessário é muito avultado. E também os próprios acordos também preveem um teto nestas remunerações.
Não são criadas rendas?
Exato.
Os acordos de compra de energia (PPA) são muito usados nos Estados Unidos, mas têm vindo a ser usados de forma muito tímida por cá. Com este acordo, vão ser alavancados?
Sim, acho que sim, que é um dos principais objetivos para atrair investimento e ser possível a quantidade enorme de renováveis que são necessárias.
No documento, existe a exceção polaca no acordo que prevê a reativação de centrais a carvão…
Foi o último ponto que foi criticado pelos Verdes e aí perdemos os Verdes, que nos apoiaram até esse ponto. Mas é ser realista. Estava determinado até 2025, agora foi estendida até 2028. Não há condições nenhumas de o conseguirem fazer até 2025.
Além das energias renováveis, as novas centrais nucleares também vão ter direito aos contratos por diferença (CfD). Faz sentido esta aposta nuclear? Sabemos que não tem emissões, mas que acarreta grandes riscos.
Sim. Esta legislação é de mercado eléctrico e nós definimos o princípio da neutralidade tecnológica. Temos lá uma frase que diz que os CfD devem ser para sistemas que são economicamente e financeiramente competitivos, que não é o caso. Portanto, eles têm alguma dificuldade em se adaptar, mas de certeza que irão arranjar uma forma de ter, principalmente para as novas centrais e para as centrais que sejam remodeladas.
A minha dúvida é como é que fica aqui o gás natural no meio disto tudo?
A ideia é fazer o fecho também ao gás natural. Sabemos que o gás natural é uma energia de transição que durante algum tempo vai ser necessária, mas como energia de transição. No pacote do gás/petróleo/hidrogénio existem já metas para a diminuição do gás natural, para a utilização do hidrogénio verde. E há um grande esforço para que isso aconteça.
O acordo ainda tem de ser formalizado pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Quando é que deverá entrar em vigor?
As datas previsíveis, porque agora é praticamente um proforma e trabalho administrativo. Tem que ser votada ainda na íntegra na Comissão Europeia a meio de janeiro. Deverá ir a plenário no final de fevereiro ou março. Estávamos a evitar que fosse em Abril, que é o último plenário, porque depois junta-se muitos dossiês. Seria assim, portanto, até abril. Segue os devidos trâmites para adaptar-se à legislação nacional, que ainda demora algum tempo. Mas espero que no final de 2024 fique pronta.
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