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Mário Centeno sobre o Novo Banco: “Nós precisamos de saber qual foi a forma de originar aqueles créditos”

O Fundo de Resolução é financiamento do bancos não é do Orçamento do Estado, reafirmou Centeno em entrevista à RTP 3. “Temos de olhar para o processo como um todo e neste momento as perdas associadas ao mecanismo de capital são da ordem dos 2,7 mil milhões de euros e desses o Fundo de Resolução em dois anos injetou 1,9 mil milhões”, disse o ministro.
Cristina Bernardo
7 Março 2019, 02h00

O Ministro das Finanças, Mário Centeno, foi o entrevistado desta quarta-feira, da Grande Entrevista da RTP 3, sobre a capitalização do Novo Banco e reforçou que ao longo de 30 anos são os bancos  que vão pagar o empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, com juros (os mesmo que o Estado paga quando se financia). “A alternativa seria liquidar ou nacionalizar o banco”, disse o ministro.

Mário Centeno explica que no quadro da resolução bancária, o Fundo de Resolução era o acionista do Novo Banco e não estava capitalizado. O Fundo de Resolução é capitalizado com uma contribuição específica do setor bancário. Todos os recursos financeiros vêm dos bancos. “O nosso Fundo de Resolução não estava capitalizado para a exigência que se lhe colocou em agosto de 2014 e o Estado entra com um primeiro empréstimo para servir de capital do Fundo de Resolução até ao momento da venda, porque havia uma expectativa de que a venda fosse rápida e que permitisse recuperar o valor desse empréstimo”, começou por explicar Centeno.

O Fundo de Resolução recebeu um empréstimo do Estado e um empréstimo dos bancos (700 milhões), pois estava apenas capitalizado em 360 milhões de euros. Isto para o total de 4,9 mil milhões de euros que serviu para criar o Novo Banco no âmbito da resolução do BES.

Agora o Fundo de Resolução vai ser chamado a injectar no Novo Banco 1.150 milhões de euros e “o Estado vai ser chamado a emprestar uma parte. Não é o Estado que está a injectar dinheiro no Novo Banco. O Fundo de Resolução injecta esse capital com empréstimo do Estado. No futuro, o Fundo de Resolução vai pagar este empréstimo ao Estado em 30 anos com as contribuições do setor bancário”, disse o ministro que reforçou: “Não há nenhum euro dos impostos dos portugueses a ser utilizado” na operação de recapitalização do Novo Banco.

Centeno admite que “há aqui uma perda para a economia portuguesa”. Os empréstimos ao Novo Banco não “interferem com o desenho do Orçamento do Estado. As nossas metas orçamentais são definidas independentemente daquilo que são obrigações conhecidas do Fundo de Resolução”, disse.

O ministro começou por explicar que “devemos todos ter a noção de que a crise financeira foi muito forte, foi sentida de forma muito severa em alguns setores, em particular no setor financeiro. Portugal está, de forma muito robusta, a resolver todos e cada um desses problemas que foram criados e apareceram nesse momento. Nós devemos saber que o Novo Banco neste momento encerra duas realidades. Aquilo que podemos chamar o legado do BES e aquilo que é Novo Banco, que devia fazer jus ao nome de banco bom”, disse.

“O processo de recuperação tem sido mais lento no seu conjunto”, admitiu.

Montante de ativos que estão sob o mecanismo reduziram-se para metade

Os 1.149 milhões de euros que o Novo Banco pede ao Fundo de Resolução “vai ser sujeito a uma validação em duas fases, através de um relatório de uma Comissão de Acompanhamento que acompanha em permanência os ativos que vêm do legado do BES que não deveria lá estar desde o dia 4 de agosto de 2014” e numa segunda fase através do agente verificador (Oliver Wyman) que vai validar a avaliação da Comissão de Acompanhamento.

O ministro das Finanças tentou ao longo da entrevista responsabilizar subtilmente o Banco de Portugal e o anterior Governo pela alegada “má seleção” dos ativos bons.

“A parte má do Novo Banco tinha inicialmente o valor líquido de 7,9 mil milhões de euros e que neste momento está reduzida a 4 mil milhões de euros, é um conjunto de ativos que vai ser recuperado ou vendido, ao longo do tempo”, diz.

“A Comissão de Acompanhamento tem de autorizar as vendas de carteiras de crédito”, explicou o ministro que adiantou que terá de elaborar agora um relatório. A Comissão de Acompanhamento que gere os ativos problemáticos do Novo Banco que estão sob o CCA – Mecanismo de Capital Contingente foi eleita no final de 2017 e é composta por José Rodrigues Jesus, um revisor oficial de contas, José Bracinha Vieira, jurista, e Miguel Athayde Marques, que agora renunciou.

“Estas perdas estão enquadradas naquele que foi o montante máximo que nós estipulámos no início do contrato para este mecanismo de capital contingente, e que tem a validade de oito anos”, disse Mário Centeno.

“É verdade que com o montante que o Novo Banco pede agora está praticamente usado 50% do montante previsto no mecanismo de capital contingente (de 3,89 mil milhões), mas também é verdade que o montante de ativos que estão sob o mecanismo reduziram-se para metade para 4 mil milhões, e destes apenas 2,7 mil milhões foram na verdade perdas assumidas”, disse Centeno.

O mecanismo é contingente porque assume um risco, explicou ainda.

“O que o Governo procurou fazer foi limitar o valor máximo de chamadas de capital que o Novo Banco podia fazer ao Fundo de Resolução, e esse limite são os 3,89 mil milhões de euros”, disse.

No Orçamento de Estado de 2019 o Governo prevê uma injeção de apenas 400 milhões no Novo Banco. Mário Centeno diz agora que “esses 400 milhões eram uma estimativa feita com informação parcial que existia e que revelam que uma expectativa que as necessidades de capital tivessem um perfil descendente”.

Centeno explicou que em 2018 o banco teve prejuízos de 2,2 mil milhões de euros, “e essas perdas foram cobertas pelos 1.000 milhões da Lone Star, mais duas operações de geração de capital, junto de privados, que foram feitas pelo Novo Banco no valor de 600 milhões”.

“Temos de olhar para o processo como um todo e neste momento as perdas associadas ao mecanismo de capital são da ordem dos 2,7 mil milhões de euros e desses o Fundo de Resolução em dois anos injetou 1,9 mil milhões”.

Os ativos protegidos desceram cerca de 3,9 mil milhões de euros. As perdas do mecanismo de capital contingente são de 2,7 mil milhões de euros, disse Centeno. Segundo uma fonte ligada ao processo, destes 2,7 mil milhões, cerca de 300 milhões são custos de financiamento e outros. Logo, uma parte da redução dos ativos que estão sob o mecanismo para os atuais 3,9 mil milhões foi com pagamento de cash, explicou fonte conhecedora do processo. Assim, a administração do Novo Banco conseguiu recuperar 1,5 mil milhões de euros de ativos problemáticos desde junho de 2016.

“O mecanismo  não é uma garantia”, frisou o ministro, adiantando que se fosse garantia “o Estado tinha de injectar já 2,7 mil milhões e não 1,9 mil milhões de euros”.

Portugal paga menos 1,5 mil milhões em juros do que em 2015

Centeno elogiou ainda a redução do custo de financiamento da República que considera ser o corolário de decisões como esta. “O que nós pagamos a menos de juros, e o número é impressionante, em 2019, é menos 1,5 mil milhões de euros de juros do que em 2015”.

Sobre a auditoria que vai pedir ao Novo Banco, Centeno disse que a “auditoria pode ser definida como uma auditoria semelhante àquela que foi feita à CGD”.

“Nós precisamos de saber qual foi a forma de originar aqueles créditos”, admitiu.

A auditoria abrange assim as administrações anteriores e não a atual, reconheceu, lembrando que para a atual gestão já há outros instrumentos de controlo.

Os créditos que vão ser avaliados, alguns são em comum com a CGD. Centeno confirmou essa afirmação e invocou a promoção da plataforma para crédito malparado (onde estão presentes da CGD, BCP e Novo Banco) para gerir créditos problemáticos recuperáveis.

Mário Centeno sublinhou ainda reforma da supervisão que vai esta quinta-feira a Conselho de Ministros, como resposta ao problema que viveu o setor financeiro. “Vamos dar maior coerência entre supervisores”, disse.

“Ao darmos maior coerência entre supervisores, fazemos com que a necessidade de responsabilização e abertura aumente e a co-responsabilização de todos eles permita um sistema mais robusto”, admitiu.

Supervisão prudencial deixa de ser atribuída ao Banco de Portugal

Centeno anunciou ainda que “a supervisão macroprudencial deixa de ser atribuída ao Banco de Portugal e passa a estar no conjunto do sistema” e que “a Autoridade de Resolução, que neste momento está dentro do Banco de Portugal, e vai passar a estar autonomizada”.

O Banco de Portugal partilha a responsabilidade da Autoridade de Resolução com os outros supervisores. Vai nomear dois membros dessa nova entidade e os outros supervisores, cada um nomeia um membro, disse Centeno confirmando uma notícia avançada pelo Jornal Económico.

Quando confrontado sobre se tinha faltado sinceridade da parte do Governo quando o Novo Banco foi vendido ao fundo Lone Star, Mário Centeno começou por dizer que quem vendeu o banco foi “o Banco de Portugal e a Autoridade de Resolução” para depois confessar que o Governo tinha sido rejeitada uma primeira proposta que exigia uma garantia estatal próxima de 8 mil milhões.

“Nunca houve nada escondido dos portugueses”, reforçou.

Se o Estado não emprestasse o dinheiro ao Fundo de Resolução, o fundo seria insolvente essa insolvência contagiaria o balanços dos bancos de forma sistémica, explicou.

“A nacionalização tem um custo e por isso não foi uma alternativa na altura e não é uma alternativa atualmente”, disse Centeno que explicou que “a nacionalização obrigava o Estado a comprar um ativo, que não é bom ainda hoje, que tem contingências muito significativas”. Essa aquisição seria inevitavelmente financiada através de impostos, explicou, ao mesmo tempo que adiantou que isso comprometia a descida dos juros da República.

“Para comprar o Novo Banco o Estado tinha de emitir dívida, que seria paga com os impostos, é o contrário do que diz o Bloco de Esquerda”, disse Centeno que lembrou que hoje tem dinheiro para redistribuir. “O aumento da despesa com pessoal, projetado para 2019, são 800 milhões de euros, das diferentes medidas em curso (descongelamento das carreiras, aumento dos salários, aos diferentes acordos setoriais, em particular na, saúde)”, citou apelando a que é preciso uma visão do conjunto.

Sobre o impacto da capitalização do Novo Banco no défice, o ministro das Finanças disse que “o défice quando é apresentado no OE é uma estimativa”.

“No final do ano tivemos receitas fiscais muito acima do esperado”, disse Centeno para explicar a almofada que permite compensar o aumento do impacto do Novo Banco no défice. À receita fiscal acresce uma receita extraordinária, que transita de 2018, de 207 milhões de euros de recuperação do BPP, reafirmou.

“Ao contrário do que dizem os dados macro as receitas fiscais  não estão a desacelerar, nem o IRS, nem o IRC. As receitas do IRS estão a crescer 6% nos primeiros dois meses do ano, mesmo com a revisão das tabelas de retenção”, anunciou o Governante.

O mesmo se passando com as receitas da Segurança Social, são esperadas mais receitas que o previsto, o que traduz um maior saldo, disse.

“Nós neste momento temos dados mistos sobre a evolução económica”, disse ainda Centeno. Sobre o futuro das exportações que estão a desacelerar recordou que a desaceleração das exportações se deve à desaceleração do comércio internacional.

“O valor do crescimento económico vai ser revisto em abril, quando apresentarmos o programa de estabilidade”, recordou o ministro que admite que “internamente podemos estar num momento de viragem de desaceleração da economia portuguesa”.

Mário Centeno voltou a dizer que espera que o défice orçamental de 2018 fique nos 0,6%.

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