O novo presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANSMP), Bernardo Gomes, defendeu hoje que “não há solução” para resolver o problema da sobrelotação das urgências em Portugal sem um reforço dos cuidados de saúde primários.
O especialista, que desempenhava o cargo de vice-presidente da associação, comentava desta forma o novo modelo de funcionamento das urgências que obriga o utente a ligar para a Linha SNS 24 antes de se dirigir a uma urgência.
“Não há soluções fáceis e julgo que os profissionais de saúde em geral vivem com uma certa ambivalência e uma expectativa de que as coisas acabem por transitar para um modelo mais estável, porque na prática, também subjacente a este contexto, há clara noção de que, por exemplo, a cobertura dos cuidados de saúde primários (…) não é homogénea no país, havendo mesmo zonas sem a cobertura devida”, precisou.
“Isto é algo inalienável que temos que olhar com critério no sentido de que não há solução para as urgências em Portugal sem um devido acarinhar e reforço da resposta dos cuidados de saúde primários e, nomeadamente, de uma solução que foi também conseguida em Portugal com Unidades de Saúde Familiar”, defendeu.
Referiu, por outro lado, que o acompanhamento e triagem por telefone é uma solução que já existe noutros países para que as pessoas que realmente necessitam de cuidados sejam atendidas sem espera, mas alertou que estes sistemas “têm os seus defeitos e as suas insuficiências que têm que ser continuamente melhoradas”.
“Em qualquer implementação deste tipo de sistema existirá sempre problemas que devem ser detetados, analisados e corrigidos o mais rapidamente possível, porque temos a clara perceção”, através de testemunhos de profissionais e de utentes, que continua a “haver falhas que têm que ser corrigidas”.
A juntar a esta situação, Bernardo Gomes apontou a situação da emergência médica, defendendo que o INEM deve estar reservado para “as situações que são realmente indicadas para o seu uso”.
Aludindo à reforma que está a acontecer no SNS, nomeadamente a expansão das Unidades Locais de Saúde a todo o país, o médico comentou que esta transição ainda está a decorrer, num contexto em que há dificuldades de fixação de profissionais de saúde, “com insuficiências acumuladas ao longo dos anos em Lisboa e Vale do Tejo, que depois molda a perceção do resto do país”.
Além da importância de estabilizar este processo, defendeu que também deve haver “uma clara aposta” na prevenção da doença e promoção da saúde, com os recursos devidos e o envolvimento da população, para conseguir diminuir o recurso às urgências que “é ponta do iceberg”.
“Existe um caminho a trilhar que todos podemos fazer (…). Muito antes dos hospitais, muito antes dos serviços de urgência existe um mundo ainda para explorar e até aperfeiçoar nesse contexto da promoção da saúde e da prevenção da doença”.
Alertou ainda que ao criar-se soluções inovadoras está a aumentar-se a diferença entre as pessoas que têm literacia e as que não têm, que acabam por “ficar ainda mais para trás no acesso a serviços e a soluções”.
“Temos todo um conjunto de respostas sociais e de saúde que dependem da literacia das populações e efetivamente não nos podemos esquecer que cada vez que implementamos modelos inovadores, não podemos deixar de reforçar os modelos clássicos e, sobretudo, de proximidade e de acompanhamento de indivíduos com essas limitações, porque não deixam de ser cidadãos portugueses”, vincou, destacando o papel que as forças de segurança, os familiares, amigos e os serviços podem ter nestas situações.
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