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Médio Oriente e Ucrânia no centro da agenda da Cimeira dos BRICS

O grupo dos BRICS assume-se cada vez mais como o ‘outro lado’ da agenda ocidental e transatlântica. Rússia e Irão – ou seja, Ucrânia e Médio Oriente – estarão no topo de uma cimeira onde China ‘e companhia’ tratam de angariar novas adesões. António Guterres marcará presença.
22 Outubro 2024, 07h30

Os chamados mercados emergentes agrupados nos BRICS – que se encontra em plena expansão – têm na integração económica um dos seus principais impulsos, mas são também, e cada vez mais, a ‘outra face’ da agenda ocidental e transatlântica imposta pelos Estados Unidos aos países a que chama parceiros. A poucas horas de mais uma cimeira (em Kazan, Rússia, país que assegura a presidência rotativa) e a mais de 800 km a leste de Moscovo (bem longe de Kursk), Mihaela Papa, diretora de investigação do Centro de Estudos Internacionais do Instituto de Massachusetts de Tecnologia, refere, citada pela Bloomberg, que, “com os BRICS a dobrarem o número de membros em 2024, espera-se que novos membros apoiem as agendas existentes” e que não podiam estar mais longe da Euro-América. Os BRICS – compostos inicialmente pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – expandiram em janeiro para incluir Irão, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Egipto. A Cimeira de 22 a 24 de outubro, apenas algumas semanas antes das eleições presidenciais dos Estados Unidos, “será crucial para as perspetivas do grupo”.

“Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os países fora do G-7 e dos BRICS enfrentaram um ambiente geopolítico incerto e riscos emergentes. A ‘marca’ BRICS está ligada a perspetivas económicas e de crescimento positivas, bem como à ambição do grupo de diversificar a liderança global, promover o desenvolvimento e modernizar as instituições multilaterais. O BRICS tem envolvido ativamente os países do Sul Global por meio de esforços de divulgação, enfatizando a cooperação económica não ideológica e mutuamente benéfica”, disse a investigadora.

O grupo é evidentemente heterogéneo, mas parece apostado em ultrapassar algumas das suas maiores dificuldades – na primeira linha estão os desentendimentos entre a China e a Índia. “Apesar das suas rivalidades, a China e a Índia vêm aprofundando a sua cooperação por via dos BRICS”, refere Mihaela Papa. Há “convergência de políticas entre Estados em finanças, desenvolvimento industrial, agricultura, saúde, comércio e mudanças climáticas. A estreita cooperação evolui à medida que cada país defende as suas próprias questões, onde os países apoiam as agendas uns dos outros. Os desenvolvimentos externos também desempenham um papel. Por exemplo, os Estados que experimentam tensões com o Ocidente têm um forte incentivo para se voltarem para os BRICS”.

Neste quadro, e segundo um comunicado do grupo, questões internacionais, especialmente a situação no Oriente Médio, estarão na agenda dos participantes da cimeira. “A agenda incluirá questões internacionais urgentes, especialmente a escalada da situação no Oriente Médio, bem como a interação entre os países do BRICS e o Sul Global para o desenvolvimento sustentável”.

 

Turquia presente

Interessada em liderar a oposição internacional a Israel e em defender a Palestina, a Turquia estará presente. A participação da Turquia na cimeira ao mais alto nível resulta do interesse significativo de Ancara no trabalho do grupo, de acordo com o embaixador turco em Moscovo, Tanju Bilgic. “A delegação turca participa na cimeira ao mais alto nível, o que enfatiza o nosso grande interesse no trabalho da associação. Estou confiante de que a nossa cooperação contribuirá para o desenvolvimento das relações”, disse o embaixador em comunicado citado pela agência TASS.

“As relações entre os nossos países estão a desenvolver-se constantemente em todas as áreas-chave. Estou convencido de que a participação de uma delegação turca representativa na cimeira será um evento marcante que contribuirá para a criação de novas áreas de cooperação e o fortalecimento das relações”, disse Bilgic.

No topo da agenda está o Médio Oriente. O presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, e o ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, pretendem discutir a “ameaça israelita” na cimeira de Kazan, disse o porta-voz oficial do Ministério das Relações Exteriores do Irão, Esmaeil Baghaei. “Estamos determinados a usar a nossa participação na cimeira para realizar conversas diplomáticas e fazer esforços para chamar a atenção da comunidade internacional para as ameaças relacionadas com os crimes contínuos do regime sionista”, disse.

Apesar dos esforços de promover o alargamento do grupo, um dos países que podia estar ‘à porta’ ainda não entrará oficialmente em Kazan: a Arménia participará na cimeira, mas o país não está a debater a possibilidade de se tornar membro da associação de imediato, afirmou o vice-primeiro-ministro arménia, Mher Grigoryan, ao parlamento do país. “Não, não, não nesta fase”, explicou – mesmo que, em princípio, o primeiro-ministro Nikol Pashinyan, esteja presente.

Quem também deverá estar presente será António Guterres, secretário-geral das nações Unidas. O Kremlin disse que o presidente russo e presidente em exercício do grupo, Vladimir Putin, pretende realizar reuniões com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da Turquia, Recep Erdogan, o presidente palestiniano, Mahmoud Abbas, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, à margem da cimeira dos BRICS em Kazan, explicou o assessor de política externa de Putin, Yury Ushakov, citado pela comunicação social russa. As conversas começarão em 22 de outubro com uma reunião com a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, a ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, seguida de uma reunião com Modi e, posteriormente, com o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa. O presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi também tem um encontro marcado com Putin – o mesmo acontecendo com o presidente do Irão, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, o presidente do Laos, Thongloun Sisoulith, o presidente da Mauritânia, Mohamed Ould Ghazouani, o presidente boliviano, Luis Arce, e o primeiro-ministro vietnamita, Pham Minh Chinh.

Atualmente, os BRICS asseguram mais de 20 plataformas de negociação, abrangendo áreas como a eficiência energética, mudanças climáticas, segurança alimentar, redução da pobreza, desenvolvimento sustentável e atividades de instituições financeiras internacionais. O fórum reúne representantes de quase 40 Estados, entre membros e países convidados.

Os BRICS foram fundados em 2006 pelo Brasil, Rússia, Índia e China. A África do Sul juntou-se em 2011. Na 15ª cimeira realizada em Joanesburgo (África do Sul), em agosto de 2023, foi anunciado que seis países — Argentina, Egipto, Etiópia, Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos — se juntariam à organização. No entanto, em dezembro de 2023, a Argentina, ou mais propriamente o seu presidente, Javier Milei, mudou de ideias. O estatuto da Arábia Saudita ainda não foi esclarecido (sê-lo-á em Kazan). Neste momento, cerca de 30 países, incluindo a Argélia, Bangladesh, Baharem, Venezuela, Paquistão, Malásia, Azerbaijão e Turquia, solicitaram a adesão.

Em termos económicos, os BRICS estabeleceram várias estruturas na esfera empresarial e financeira, incluindo a Exchange Alliance (2011), o Conselho Empresarial e o Conselho de Centros de Especialização (2013). Desde 2011, o Fórum Empresarial dos BRICS é organizado para fortalecer os laços comerciais, de investimento e de produção entre os países-membros. Em 2014, o Novo Banco de Desenvolvimento foi estabelecido com sede em Xangai (China), com um capital de 100 mil milhões de dólares. O banco, liderado por Roussef, destina-se a financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países BRICS e nos países em desenvolvimento. Desde o início de suas operações, aprovou 96 projetos no valor de 32,8 mil milhões, segundo dados da própria instituição.

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