O Banco de Portugal, na publicação “Desenvolvimentos recentes do sistema bancário”, divulgou os últimos dados sobre o sector. E a radiografia ao crédito malparado português evidencia que dois terços do NPL teve origem no crédito às empresas, segundo a DBRS.

Terá sido assim tão difícil garantir a satisfação dos créditos? E a pergunta não se reporta só ao cenário de tempestade e crise em que tudo começou a correr mal, mas também aos momentos de primavera em flor em que os empréstimos foram concedidos às empresas.

Os financiamentos eram aprovados sem garantias bastantes ou o que está na lei é letra morta ou desconhecida?

Habitualmente os bancos exigem garantias reais às empresas financiadas e garantias pessoais aos seus sócios ou gerentes. As regras da experiência comum assim o dizem. Aos empréstimos propriamente ditos, sabemos todos como se somam hipotecas sobre os imóveis da empresa (quando existem) e fianças, avales, letras e livranças dos empresários e respectivos cônjuges.

Mesmo admitindo que a maior parte das empresas não tivesse património imobiliário para dar em garantia ou que com a crise o valor desses bens não tenha sido suficiente para realizar o montante dos créditos incumpridos, ainda restavam as garantias pessoais para executar.

O que aconteceu? O património pessoal dos empresários não foi suficiente? Porquê? Desvalorizou subitamente ou já não havia património pessoal quando os bancos quiseram executar? Porquê? Foi dissipado ou os empresários já não tinham bens em seu nome quando prestaram as garantais pessoais (ou pouco tempo depois) e os bancos não tiveram o cuidado de verificar? Seria interessante e importante fazer este levantamento.

Não cremos que os bancos tenham sido tão incautos que não tenham solicitado garantias pessoais em dois terços dos créditos concedidos às empresas e também não acreditamos que as garantias pessoais tenham sido prestadas sem os bancos se certificarem que os empresários tinham património.

Nesta equação, algo nos diz que terá falhado o acompanhamento da variação patrimonial. Isto é, talvez houvesse bens quando os empresários prestaram garantias pessoais, mas entretanto mudaram de dono sem que os bancos dessem conta e quando se aperceberam já tinham decorrido os cinco anos para a impugnação pauliana e anulação dos actos de disposição patrimonial.

E quanto a todos os demais mecanismos de conservação da garantia patrimonial que a lei faculta a qualquer credor? Terá faltado coragem ou conhecimento da lei para lançar mão deles? É que há divórcios que só o são no papel e pedem coragem aos credores para os atacar como negócio simulado e há transmissões e desvalorização de bens que exigem conhecimentos legais para agir em tempo e exigir o reforço de garantias que a lei prevê.

Há muitos instrumentos para a satisfação do direito de crédito previstos desde sempre no Código Civil e sempre à disposição de qualquer credor. Não são ferramentas velhas e inúteis, são parte do segredo para menos NPL.

Sem prejuízo, cremos que um futuro com muito menos NPL só virá quando o legislador comunitário impuser a execução extrajudicial de todo o tipo de garantias ou quando o legislador nacional tiver a coragem de mudar a lei, prevendo que as vendas judiciais de imóveis sejam feitas por conservadores de registo predial – fazendo uso de uma autorização legislativa de 2002 – e permitindo que por acordo com o devedor, em caso de incumprimento, o credor possa fazer seu o bem ou direito dado em garantia (com a obrigação legal de devolução do eventual excesso de valor da garantia em relação ao montante da dívida não paga).

Coragem ou directiva comunitária? Eis a questão!

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.