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Michael Pillsbury vs Juan Branco: Enquanto a China pirateia jogos eletrónicos, a França de Macron vende-lhe porcos

Michael Pillsbury – especialista em questões da China, do Hudson Institute – explicou esta tarde, na Web Summit, o bloqueio chinês à assinatura de um acordo comercial com a administração de Donald Trump. Por seu turno, Juan Branco, consultor jurídico de Julian Assange, disse que a França de Macron fez esta quarta-feira um enorme negócio em Pequim.
  • Juan Branco, Conselheiro Legal de Julian Assange da Wikileaks
6 Novembro 2019, 19h12

Enquanto a guerra comercial sobe de tom entre os EUA e a China, Michael Pillsbury – especialista americano em questões da China, do Hudson Institute – alerta para a forma “impiedosa” como o Executivo de Xi Jinping bloqueou a assinatura de um acordo comercial com a administração de Donald Trump, “promovendo a piratagem de jogos eletrónicos”, num mercado avaliado em 69 mil milhões de dólares. Do lado europeu, Juan Branco, o consultor jurídico de Julian Assange, responsável pela fuga de informações da Wikileaks, diz que a França de Emmanuel Macron aproveita o impasse EUA-China e negociou hoje mesmo acordos milionários em Pequim, que permitirão vender aos chineses os porcos criados em França. Tudo isto se passou esta tarde no palco central da Web Summit 2019, durante o debate do tema “Trade Wars: A new world order?”, dentro da Altice Arena, moderado por David Rowan, responsável pelas entrevistas em streaming “Walks With Founders”, efetuadas no âmbito da Web Summit.

Tratou-se sobretudo de um debate de “geopolítica em 20 minutos”, como referiu David Rowan. Na audiência, repleta de jornalistas estrangeiros, um repórter francês comentava que tinha acabado de saber detalhes sobre o acordo França-China e que deveria ultrapassar um montante global de 15 mil milhões de dólares.

Para Michael Pillsbury, na questão da negociação das novas tarifas aplicáveis às trocas comerciais EUA-China, discutidas entre Washington e Pequim, “é sempre relevante tentar saber que lado das negociações ganha mais, se são os EUA ou se é a China”. Porque não faltam analistas que temem que só um dos lados possa vir a ganhar esta guerra.

Num “processo de negociações com cerca de 120 páginas, tentaram ser acauteladas violações aos ‘roubos’ de propriedade intelectual”, explicou Pillsbury, “mas quando os trabalhos já estavam muito avançados, quase prontos para que um acordo fosse assinado entre as partes, os chineses bloquearam este acordo”. “A posição chinesa passou a ser muito clara: queriam que fossem retiradas todas as tarifas aduaneiras, ou não aceitariam negociar, nem cederiam em nada”, adiantou o especialista dos EUA.

Quanto à posição dos EUA, “foi precisamente a contrária”, admitiu. “Todas as tarifas serão mantidas, sendo o seu teor e as respetivas incidências precisamente os debates e argumentos fundamentais para chegarem a um acordo”, referiu Pillsbury. “É por isso que digo que estou muito preocupado com o crescimento económico mundial e com o desenvolvimento do comércio mundial. As estimativas de crescimento do Fundo Monetário Internacional são desfavoráveis e as perspetivas sobre as tarifas aduaneiras vão no sentido de serem agravadas”, adianta.

“Por enquanto os chineses só estão preocupados com uma palavra: Bah, utilizada para manifestar um incómodo ou um elevado grau de descontentamento sobre determinado assunto”, refere Pillsbury. No caso, o ‘assunto’ é a capacidade de “infligir penalizações ao parceiro comercial que exporta, e que tanto pode refletir a perspetiva dos EUA, como a da China”, considera o especialista americano. “Na guerra comercial que está ser travada, caso não haja acordo, as duas potências tentam prever qual delas terá maior capacidade para impor o seu Bah ao rival. Ou seja, tentam prever quem gritará ao outro um Bah mais audível e impiedoso”, refere ainda.

“Será que esta questão pode resumir-se à luta pelo domínio global?”, questionou David Rowan. “Prefiro dizer que é um problema de Bah”, respondeu Pillsbury.

Mas havendo, ou não, um acordo, este enquadramento já afeta os EUA e a China. Também afeta as negociações sobre o comércio dos dois países e afeta o comércio mundial.

Juan Branco, que tem representado pessoas afetadas pelo comércio global, desde os trabalhadores, a pessoas que estão em organizações desafiadas pelos governos, ou refugiados, representa e aconselha juridicamente Julian Assange.

Juan Branco tem abordado as questões das trocas comerciais, do comércio livre, e a situação “desfavorecida” de alguns dos elementos que alinharam em França pelo movimento dos coletes amarelos e que foram posteriormente incompreendidos, bem como a situação de milhares de pessoas em todo o mundo que têm sido afetadas por regras comerciais injustas que – segundo diz – “têm destruído muitas vidas e várias gerações em várias zonas do globo”. Ao contrário de Pillsbury, Juan Branco foi várias vezes aplaudido pela audiência na Altice Arena.

Sobre o momento atual vivido no comércio mundial e, concretamente, sobre o dia de hoje, quarta-feira, 6 de novembro, Juam Branco referiu que “Emmanuel Macron esteve a negociar na China menores barreiras comerciais entre França e a China, para os agricultores franceses conseguirem vender aos chineses mais porcos criados em França”. Juan Branco contestou a oportunidade destas negociações com a China.

Precisamente à margem deste debate no palco central da Web Summit, jornalistas estrangeiros comentavam o grande negócio que Macron fez, esta quarta-feira, em Pequim com o presidente da China, Xi Jinping, no Fórum Económico China-França, envolvendo um valor global de 15 mil milhões de dólares, segundo comentários de vários jornalistas.

Mas os negócios em causa não abrangeram apenas o setor da agricultura, nem só porcos criados e sémen de porco, mas também patos (o “foie gras francês tão apreciado em Pequim”, comentou um jornalista alemão), e carne de vaca. Além disso, também incluíram a aeronáutica e a energia.

“É desta vez que os chineses vão comprar muitos aviões da Airbus, só para deixarem os norte-americanos ainda mais danados”, comenta de forma lateral um jornalista alemão. “Não faltarão investimentos da Airbus na China”, acrescenta.

Na área da energia, a guerra comercial EUA-China acaba por beneficiar os franceses, pois a francesa Total e a chinesa Shenergy vão realizar uma parceria para distribuição rodoviária de Gás Natural Liquefeito na região do delta do rio Yangtze e a francesa Engie e a Beijing Gas Group também deverão criar conjuntamente um terminal de gás natural liquefeito perto da cidade de Tianjin.

A intervenção de Juan Branco prosseguia contra os efeitos da globalização, que – diz – “obriga os consumidores a serem escravos da compra massificada de produtos que condenam muitas empresas locais europeias”. Além disso, Branco considera que “o mundo das empresas tecnológicas tem beneficiado bastante desta globalização porque consegue ter acesso a financiamentos internacionais avultados, que de outra forma não teria”.

Mas, diz, “os trabalhadores também sofrem a pressão da globalização, especialmente em países como França, que nunca será capaz de enfrentar a concorrência de empresas que produzem no Bangladesh ou na China, sendo por isso menos competitiva que estes países asiáticos apesar dos trabalhadores franceses serem muito competentes”.

Para Pillsbury, “um dos grandes problemas do comércio livre sentido por quem desenvolve startups na Europa não são as regras laborais, nem as emissões poluentes ou o desrespeito pelo ambiente, mas, sim, o roubo da propriedade intelectual pela China”. “Este é o problema mais grave. Um sector que sofre bastante com isso é o dos jogos eletrónicos, que tem um mercado avaliado em 69 mil milhões de dólares. Os chineses estão sempre a tentar piratear os jogos utilizados em plataformas móveis. Assim tem sido muito fácil promover o crescimento da economia chinesa e o desenvolvimento tecnológico local, com crescimentos anuais que rondaram os 10% durante décadas, por isso a dimensão da economia chinesa é hoje dez vezes maior do que era em 2001”, comenta Pillsbury, para quem a divisa da China moderna é “Ser rico é uma glória”. A encerrar o debate, David Rowan perguntou a Juan Branco que conselho daria a Donald Trump? “Que Trump deveria pedir que libertassem Assange”, sugeriu Branco.

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