Depois de 12 anos em que passou pela vereação da Câmara do Funchal (no poder e na oposição), pela vice-presidência e presidência da Câmara Municipal do Funchal (entre 2019 e 2021 depois de Paulo Cafôfo sair da presidência da autarquia para ser o cabeça-de-lista do PS às regionais de 2019), Miguel Silva Gouveia, decidiu colocar um fim a este ciclo político e anunciou um interregno na sua vida pública.
Isso significa que Miguel Silva Gouveia não será nem candidato do PS para as autárquicas no Funchal, deste ano, nem se vai apresentar como candidato à liderança do PS Madeira, logo após as autárquicas, quando será aberto o processo eleitoral interno como tinha anunciado o atual líder dos socialistas madeirenses, Paulo Cafôfo, na noite eleitoral das regionais de 23 de março.
Em entrevista ao Jornal Económico (JE) o ainda vereador na Câmara Municipal do Funchal, eleito pela Coligação Confiança, nas autárquicas de 2021, explica os motivos de não voltar a ser candidato à autarquia, como anunciou publicamente a 25 de abril, nem de ter intenção de se candidatar à liderança do PS Madeira após as eleições autárquicas.
Miguel Silva Gouveia assume também a sua rutura com a atual liderança do PS Madeira, de Paulo Cafôfo, e explica, do seu ponto de vista, quais são os motivos que têm levado os socialistas madeirenses a perderem força eleitoral na Região. Na entrevista o autarca dá ainda a sua visão sobre os confrontos que existiram no 25 de abril entre forças ligadas à extrema-direita, as forças policiais, e os movimentos defensores da democracia.
Em janeiro deste ano no Económico Madeira (EM), o presidente do PS Madeira, Paulo Cafôfo, admitia que Miguel Gouveia seria um bom candidato para o Funchal. Mas não se recandidata. Até que ponto é que os resultados das regionais influenciaram a sua decisão?
Houve uma primeira abordagem de Paulo Cafôfo, [o atual líder do PS Madeira], a tentar perceber se eu teria disponibilidade para ser candidato pelo PS nas autárquicas. Isto acontece no final de 2024. Ainda não havia eleições regionais nem nacionais marcadas. Quando falámos nem se sabia que o Governo Regional ia cair [o executivo regional cai em dezembro de 2024 devido à aprovação de uma moção de censura no Parlamento madeirense].
E o que eu transmiti a Cafôfo na altura foi que haviam situações que precisavam de ser discutidas e dialogadas.
O PS decidiu e optou por fazer um caminho sozinho no Funchal. Eu e a minha equipa mantivemos uma equidistância aos partidos que estiveram na Coligação Confiança [em 2021 a coligação era constituída por PS, BE, PAN, MPT, e PDR]. E por isso, mantivemos sempre viva a Coligação Confiança e o nome da Confiança. Por uma questão de coerência para com os partidos que nos apoiaram, mantivemos e ainda hoje mantemos e vamos manter até ao fim do mandato [o nome Confiança].
O PS na altura até teve algumas situações connosco porque entendia que nós não devíamos usar o nome de Confiança, tentou até matar esta coligação, chamamos-lhe assim, e o nome de Confiança. Nós mantivemos [o nome Confiança].
O que disse Cafôfo na altura desse contacto consigo?
Cafôfo disse na altura [em que abordou Miguel Silva Gouveia para aferir a sua disponibilidade para as autárquicas] que uma das condições seria criar uma plataforma abrangente. E aquilo que ele dizia é se eu teria disponibilidade para encabeçar um projeto nesses termos. O que eu disse a Cafôfo na altura é que se tivesse que lhe dar uma resposta na altura, a resposta seria não. Contudo, eu teria que validar junto da minha equipa, da equipa que manteve o trabalho de oposição durante estes últimos quatro anos [no Funchal] e avaliar se teríamos condições para uma recandidatura, e se teríamos aqui uma possibilidade de ter um projeto que fosse mobilizador também na sociedade civil.
Na altura ainda faltava discutir o Orçamento para 2025 do Funchal. Faltava discutir também as contas do Município. E eu disse-lhe que até à discussão das contas e do Orçamento eu não iria tomar uma decisão, e iria continuar a fazer o nosso trabalho de oposição no Funchal. E só depois disso é que tomaria uma decisão.
Entretanto os dois Governos (Regional e Nacional) caíram e entramos num processo eleitoral. Mas mantive aquele que tinha sido o meu compromisso. Fizemos o nosso trabalho de fiscalização e de inspeção ao Orçamento Municipal do Funchal para 2025, o qual votamos contra na reunião de Câmara e fizemos uma análise da prestação de contas para 2024 na qual também votamos contra e apresentámos os nossos fundamentos e os argumentos para esse voto contra.
Voltou a ser contactado por Cafôfo?
Após esta situação, Paulo Cafôfo voltou-me a contactar para tentar perceber qual seria a minha disponibilidade [para ser candidato ao Funchal].
Depois de termos votado quer o Orçamento Municipal para 2025, quer as contas de 2024, que aconteceu no final do mês de abril, nessa altura, tive a oportunidade de transmitir [a Cafôfo] o que tinha pensado. Fiz a análise, reflexão e ponderação que precisava de fazer, falado com a minha equipa, e [comuniquei] que não teria disponibilidade para, neste momento, encabeçar uma lista do PS à Câmara Municipal do Funchal, por um conjunto de fatores que tive oportunidade de lhe explicar na altura e que depois tive a oportunidade de tornar isso público a 25 de abril.
E acho que acabei por tomar uma decisão que foi bastante equilibrada e coerente com aquilo que sempre transmiti, e que nunca escondi também publicamente, que seria algum distanciamento que eu tenho neste momento com a atual liderança do PS Madeira [de Paulo Cafôfo].
Mas em que é não se identifica com a atual liderança?
São situações que se vão acumulando ao longo dos anos. Eu acho que na política nós devemos procurar fazer a diferença com os instrumentos que temos ao nosso dispor sem nunca deitar fora os princípios e valores que professamos.
Eu nunca me identifiquei com a tentativa de aproveitamento de casos judiciais. Na altura em que aconteceu a situação aqui na Câmara do Funchal, em 2024, com o antigo presidente [Pedro Calado que foi constituído arguido levando à sua saída da presidência da autarquia], tive a oportunidade de dizer que é preciso deixar que a justiça faça o seu trabalho, de não se pedir demissões extemporâneas, e de não se fazer julgamentos na praça pública.
O PS Madeira e as suas lideranças tiveram uma opinião contrária. Esta foi uma das situações que eu não subscrevi na altura. E depois [houve] um conjunto de posições públicas do PS, com alguns cartazes, que eu considero que não devem ser, do ponto de vista da credibilidade, não devem estar dentro do escopo da ação do PS Madeira.
Refere-se a cartazes como por exemplo aquele em Miguel Albuquerque [atual presidente do Governo Regional da Madeira] estava numa praia a ser servido com cocktails pelos líderes do PS e do Chega Madeira?
Eu acho que é um pouco infantilizar a política e o PS Madeira precisa de se afirmar como um partido credível, e um partido visto pelas pessoas como uma alternativa de confiança e com capacidade para assumir uma governação ao nível regional.
Quando o partido se remete a uma lógica de protesto, de algum aproveitamento de casos judiciais, essa foi uma das situações em que não estive sintonizado com o partido. E outras situações ligadas a algumas escolhas, e afastamentos de pessoas com valor e com créditos firmados, e com competência e capacidade. Acho que o partido deve ter uma missão agregadora e a responsabilidade principal deve ser do líder.
A que pessoas se refere em concreto?
Temos quadros do PS Madeira que se foram afastando ao longo dos anos. O PS tinha concelhias fortes com pessoas que eram reconhecidas nas suas profissões.
Lembro-me de casos como por exemplo o de André Escórcio [antigo vice-presidente do PS Madeira] e de Jaime Leandro [antigo secretário-geral do PS Madeira] que acabaram por se afastar do partido ….
Mas há tantos outros casos de pessoas que tinham as suas profissões na área do direito, no Funchal, por exemplo, a Sandra Machado, o João Pedro Vieira [vereador na Câmara do Funchal na presidência de Paulo Cafôfo e antigo secretário-geral do PS Madeira], na área da Medicina, na área da Academia, temos o Thomas Dellinger e a Liliana Rodrigues [antiga eurodeputada eleita pelo PS].
Fora do Funchal tivemos um conjunto inúmero de pessoas que deram a cara pelo PS e que se foram afastando ou foram afastadas. Não se constrói um projeto ganhador afastando pessoas. Nesse sentido, eu acho que não foi bem sucedida a estratégia de se criar uma alternativa na Região, ou que o PS pudesse criar essa alternativa que os madeirenses subscrevessem. E os resultados estão à vista.
No seu entender Paulo Cafôfo traiu os princípios que tinha quando foi eleito presidente da Câmara do Funchal, de haver uma junção de partidos e da própria mobilização da sociedade civil. Ou seja não conseguiu aplicar isso ao partido que agora lidera?
A campanha para as eleições regionais de 2019 [onde teve como cabeça-de-lista Paulo Cafôfo] foi um exemplo de como o partido deveria estar a ser. Foi uma campanha aberta, muito participada, onde se deu prioridade a debater os temas, a debater os problemas, e a encontrar soluções.
Estivemos perto [o PSD venceu elegendo 21 deputados e o PS elegeu 19 deputados], não conseguimos ganhar as eleições, mas não significa que o método estivesse errado. O caminho era aquele. O caminho é debater, é procurar soluções para os problemas que a Madeira tem e não pessoalizar e individualizar questões e argumentários políticos, como tem sido feito ultimamente, que depois acaba por ter a consequência que se vê.
Quando se incide [a ação política] em campanhas pessoalizadas tentando fazer algum tipo de ataque de caráter e de ataques pessoais, acho que estamos a falhar o objetivo principal que é melhorar a qualidade de vida a todos os madeirenses.
Foi essa a principal diferença na estratégia do PS nesse ano de 2019 para o PS atual?
Obviamente que o PS sozinho não é suficiente para fazer a mudança que a Madeira precisa. O eu quero dizer com o PS sozinho é que os quadros que o PS tem entre os seus militantes sozinhos não chegam para a mudança necessária. É preciso trazer mais gente. É preciso envolver a sociedade civil.
Os partidos não são fins em si mesmos. São instrumentos. O PS não existe só para manter um grupo de pessoas a fazer oposição. Não é para isso que foram criados os partidos. Os partidos foram criados para servirem como um instrumento para a resolução dos problemas do país, neste caso, na Madeira também, e como instrumento para se criarem soluções, para se melhorar a vida aos madeirenses e aos portugueses.
Quando um partido se fecha sobre si mesmo e acha que tudo o que ali está a ser decidido está correto, e que o resto do mundo é que está errado, isso é um primeiro sinal de que as coisas estão a caminho do declínio. Infelizmente foi isso a que assistimos nas últimas eleições regionais [23 de março].
A decisão de não se candidatar à Câmara do Funchal seria diferente caso o PS tivesse outro líder que não Paulo Cafôfo?
A minha decisão não é contra ninguém. É uma decisão, em primeiro lugar, pessoal.
Acabou por pesar mais essa questão pessoal?
Também acabou. São doze anos de trabalho autárquico que eu tive a honra de poder fazer no Funchal. E acho que é um trabalho a todos os níveis gratificante. Quem puder, quem tiver vontade de desenvolver um trabalho de serviço público que tenha espírito de missão, fazê-lo numa autarquia, seja na Freguesia, numa Câmara, numa Assembleia Municipal, é uma escola que fica para a vida toda. Porque lidamos diretamente com os problemas das pessoas, somos obrigados a ter diariamente soluções para situações que nos são apresentadas, é preciso ter uma proximidade muito grande e uma empatia com a população. E para mim foi uma aprendizagem fantástica.
Mas tal como os presidentes de Câmara têm um limite de mandatos de 12 anos, eu acho que nós também autarcas, políticos, temos que saber os nossos ciclos. E eu cheguei à conclusão que 12 anos dedicados à minha cidade são suficientes para poder fechar este ciclo. E foi isso que eu decidi fazer.
Quando anunciou que não se iria recandidatar ao Funchal dizia e cito: “a exigência do exercício autárquico – ainda mais quando enfrentamos um ambiente institucional hostil e politicamente contaminado – cobra um preço demasiado elevado a quem não está disposto a abdicar dos seus princípios”. Consegue dar exemplos deste ambiente que descreveu?
Quando fui presidente da Câmara do Funchal, foram conhecidas as situações de hostilidade, de litigância constante e permanente com setores do Governo Regional, e com institutos e empresas públicas. Isso foi tornado público na altura.
Infelizmente tive uma presidência complexa, num período muito complexo, em que dois dois anos e meio, dois anos praticamente foram de pandemia [da Covid-19], com dois Orçamentos Municipais chumbados, e com dificuldades acrescidas para poder gerir a Câmara do Funchal.
E na altura, tal como agora, não atiramos a toalha ao chão e procuramos sempre servir o melhor possível os funchalenses, mesmo com situações institucionais bastante hostis e complexas. O diálogo institucional foi unilateralmente fechado por parte do Governo Regional e dos seus representantes. Tínhamos denúncias de tudo e mais alguma coisa.
O PSD queixa-se agora de denúncias anónimas. Mas o PSD foi um dos grandes obreiros dessas denúncias anónimas. E foi um dos primeiros [PSD] a tentar tirar dividendos políticos e partidários com buscas que eram feitas à Câmara A ou à Junta de Freguesia B, estranhamente todas elas de cores diferentes da do PSD. Portanto o ambiente está crispado e ainda se sente hoje esse ambiente hostil na política regional. E como eu referi quem não se quer deixar levar por algumas práticas que eu não faria, é difícil, torna-se mais difícil. Portanto, quem quer manter os seus princípios, os seus valores e defender aquilo que considera ser o melhor para o interesse público, fica muito exposto e sujeito a apanhar pancada.
Esse ambiente contaminado que descreveu agravou-se desde a altura em que foi presidente da Câmara do Funchal até à atualidade?
Neste momento o ambiente político que se vive, a todos os níveis, está um pouco mais contundente. Isso vê-se nos discursos, vê-se nalguma intolerância que parece que passou a ser uma nova normalidade, com partidos políticos e alguns atores políticos a defenderem coisas que há uns anos ninguém imaginava que fosse possível. De se estarem a fazer discursos contra uma classe profissional, ou contra um determinado povo, ou contra os imigrantes, ou contra as pessoas que têm orientações religiosas e sexuais diferentes. Hoje sente-se que há um clima muito mais crespado e contundente.
De um ponto de vista institucional, aquilo que se vê é que está tudo mais ou menos na mesma forma. São os mesmos atores que estão no Governo Regional. O Governo da República também neste momento está com um Governo da direita (PSD/CDS-PP) que também não ajuda muito a ter uma alternativa política que possa ter algum apoio.
As Câmaras das Regiões Autónomas ficam muito debaixo do poder das autonomias regionais e infelizmente acaba-se sempre por criar autarquias de primeira e autarquias de segunda. A autonomia do poder local também está consagrada na Constituição. Mas normalmente o Governo da República e, institucionalmente, o poder central para as autarquias das regiões autónomas manifesta muito pouco interesse pelas nossas preocupações.
Ou seja, manteve-se o mesmo problema que a Coligação Confiança denunciava de que o Governo Regional privilegiava as autarquias da mesma cor política …
Por exemplo ainda não chegou às autarquias da Madeira a descentralização administrativa nem o nível financeiro correspondente. Ainda não chegou cá a participação nas receitas do IVA de atividades de restauração e alojamentos, e de hotelaria, ligadas ao turismo, que representam uma fonte de receita para as autarquias regionais. Temos um conjunto de situações de relação e de autonomia que poderíamos exercer aqui na Madeira que o Governo Regional opta por fazer vetos de gaveta e não transpor para a Madeira.
E o Governo da República a isto lava as mãos, cruza os braços e assobia para o lado. E infelizmente, quando eu me refiro a um clima institucional bastante difícil, é este [tipo de ambiente]. É preciso ter aqui muita criatividade para se conseguir governar numa situação deste tipo.
Aquilo que verificamos foi que tivemos oito anos de governação na Câmara do Funchal [2013 a 2021] e não tivemos nenhum contrato-programa com o Governo Regional. Mudou a cor política, os contratos-programa reapareceram. Não é uma questão de opinião, é algo factual. Houve, manifestamente, uma hostilidade [do Governo Regional] para com as Câmaras de cor diferente.
E sabendo que o Governo Regional terá mais quatro anos da mesma cor será de julgar que isso possa vir a acontecer com as Câmaras que não venham a ser da cor do PSD.
Encerrado este ciclo de 12 anos na autarquia do Funchal, que conselho é que deixaria ao atual líder do PS Madeira na escolha do próximo candidato à autarquia funchalense?
Não estou nessa posição de aconselhar o líder do partido a escolher uma pessoa. Ele escolheu-me a mim. Ou pelo menos convidou-me a mim. Não seria correto estar eu agora a definir o perfil de quem ele deve convidar. Acho que deve ser uma pessoa que esteja alinhada com a estratégia do partido e dentro dessa lógica ele tem obviamente toda a legitimidade para escolher quem entender para esse cargo. Ele próprio [Paulo Cafôfo] tem experiência autárquica, portanto, saberá muito bem quais são as pessoas que terão o melhor perfil para fazer o trabalho.
Paulo Cafôfo anunciou que iria abrir o processo para definição de uma nova liderança no PS Madeira depois das autárquicas. Vai candidatar-se?
Não. Na verdade, aquilo que eu referi era que faria um interregno depois de terminar este mandato [autárquico no Funchal]. Farei um interregno na minha participação política para procurar outras dimensões de desenvolvimento pessoal e profissional. Quem se dedica a cargos públicos e de serviço público tem forçosamente, por imposição legal, de fazer uma pausa na sua carreira profissional. Um vereador, um presidente de Câmara não pode acumular funções com outra vida profissional. Portanto, tem que fazer essa pausa. Eu fiz na minha vida essa pausa. Regressei e como muitos colegas autarcas também fizeram essa pausa e regressaram [ao seu trabalho], uns com maior dificuldade, outros com menor dificuldade. É sempre um momento e uma experiência traumática estar a voltar a uma carreira profissional depois de alguns anos de colocar em suspenso essa carreira.
É isso que eu pretendo fazer. Quero investir na minha carreira profissional e noutras dimensões da minha participação, e na minha vida pessoal, provavelmente com alguma dedicação académica, procurando aprofundar os meus estudos. Mas neste momento, e sem prejuízo da participação cívica e de contribuição política, não tenho nos meus horizontes próximos o regresso a uma vida política assim mais ativa.
E ao nível de colaboração com o partido estaria disponível ou essa pausa seria mesmo desligar completamente do partido?
O que eu referi sempre, desde 2021, quando o partido praticamente abandonou-nos à nossa sorte no Funchal foi que nós sempre manifestamos a disponibilidade para contribuir com tudo o que estivesse ao nosso alcance para a melhoria da qualidade de vida dos madeirenses e dos funchalenses, com soluções, ideias, e propostas. Isso sempre esteve em cima da mesa. A minha dimensão e participação cívica nunca ficará em pausa.
Irei sempre participar sempre que o meu contributo possa ser bem recebido e bem acolhido. Se se estiver a trabalhar para um bem maior, neste caso seria a Madeira, e o Funchal, aí terei sempre essa disponibilidade.
Vai manifestar apoio a eventuais candidatos à liderança do partido?
Neste momento não é algo que eu tenha sequer pensado ou refletido. Acho que é importante dialogarmos e procurarmos as soluções. Em primeiro lugar para a Madeira e para os Madeirenses. No caso autárquico, neste caso particular para o Funchal e para os funchalenses.
Primeiro é preciso perceber o que se pretende, quais são as soluções e os projetos que temos. A forma como materializamos isso, acho que é secundária, e eu já tive a oportunidade de referir isso. Acho que se nós tivermos uma ideia, um projeto forte e sedutor, temos uma capacidade de agregação muito grande. As pessoas juntam-se e mobilizam-se.
No seu entender isso vai para além das lideranças partidárias ….
Quando discutimos pessoas estamos a inquinar o debate. Estamos a começar a construir uma casa pelo telhado. E nós todos sabemos que isso acaba por ter um mau resultado. Temos que começar pelos alicerces. E os alicerces são sempre ideias agregadoras e projetos que possam colocar o interesse público em primeiro lugar.
Como é que vê a atual situação do PS e que futuro é que vê para o PS cá na Região?
Eu acho que o PS é, por natureza, alternativa de governo natural. O PS é alternativa de governo natural ao PSD.
É difícil conceber que sejam outros atores a assumir essa liderança de alternativa. Ainda que circunstancialmente hoje tenhamos outra força política em segundo lugar na Madeira [o JPP], acho que é o PS que tem essa responsabilidade maior por ser um partido fundador da democracia, por ser um partido que tem uma presença em várias dimensões políticas, ao nível local, regional, nacional e internacional, e mesmo europeu. Acho que tem essa responsabilidade. E, antes de mais, tem essa responsabilidade para com os madeirenses, porque esperavam e esperam que o partido se reorganize de forma a criar uma alternativa que seja credível e de confiança. E eu acho que isso mais cedo ou mais tarde vai acontecer.
Vem agora eleições legislativas e depois autárquicas. Acredita que o PS pode recuperar das perdas eleitorais que tem tido na Madeira?
Eu acho que sim. Eu acho que o PS tem todas as condições para voltar a ser uma força política que disputa com o PSD a liderança. Já tivemos três deputados eleitos pela Madeira [pelo círculo eleitoral da Região Autónoma], como o PSD também teve três. O PS tem um cabeça-de-lista e tem um candidato [às legislativas], que é uma pessoa com quem eu tenho as melhores relações. Acho que é competentíssimo, um autarca por excelência, uma pessoa que conhece o terreno e conhece as necessidades da Madeira como ninguém. E refiro-me obviamente ao Emanuel Câmara e acho que fará um excelente trabalho na Assembleia da República.
As condições existem para que o PS regresse e retome esse caminho de crescimento e de sucesso. Esperemos que assim seja.
O PS deixou de ser a maior força da oposição no Parlamento da Madeira dando lugar ao JPP. O que é acha que correu mal para o PS ter perdido esse posto?
O PS não soube ler a realidade madeirense. Não soube perceber que neste momento os madeirenses precisam, pedem, e querem uma alternativa ao PSD. Nunca houve tanta vontade de se virar aqui uma página e de se cumprir abril na Madeira, de se cumprir a alternância democrática, que é uma pedra basilar das democracias. Uma democracia com um partido único, com um único partido a governar há 50 anos, não tem referências. É uma democracia que se esgota em si mesma. É quase como uma autocracia, é sempre o mesmo partido a governar. Eu sinto que os madeirenses têm essa vontade de mudar.
O PS não soube interpretar essa vontade e apresentar uma candidatura que fosse, aos olhos dos Madeirenses, credível e que tivesse essa capacidade de ser um novo governo, mas que desse garantias aos Madeirenses que iríamos ter uma estabilidade com esse novo governo.
Se calhar por se estar a repetir um conjunto de pessoas que estão há muitos anos acantonadas nos grupos parlamentares do PS Madeira. Por fugir um pouco ao debate de ideias e a uma campanha eleitoral propositiva onde as propostas tivessem o seu maior relevo. Acabaram por pessoalizar demasiado a campanha, individualizar, colocar demasiada ênfase na questão da justiça, na judicialização da política que assistimos um pouco no país inteiro.
O PS acabou por não saber ler, nem interpretar, a vontade dos madeirenses e apresentou se calhar a mesma equipa, apresentou a mesma proposta quando deveria procurar ir ao encontro daquilo que os madeirenses pediam.
Após as regionais de maio de 2024 o PSD acabou por governar mas com um executivo minoritário ….
Nós tivemos três eleições regionais nos últimos três anos. Essas três eleições regionais manifestaram a vontade dos madeirenses de colocar no governo uma alternativa ao PSD. Ou pelo menos os indicadores estavam lá todos. Se soubesse o PS interpretar essa vontade e apresentar uma lista de candidatos e um governo sombra, digamos assim, que fosse capaz de dar credibilidade e confiança aos madeirenses para poderem confiar o seu voto nesta alternativa, hoje teríamos essa flor de abril, esse cravo, já à lapela dos madeirenses também, que é a alternância democrática que nos vem falhando.
Nas comemorações nacionais do 25 de abril existiram confrontos entre forças ligadas à extrema-direita, forças policiais, e movimentos a favor da democracia. Como é que explica este tipo de fenómenos?
Vem um pouco na esteira daquilo que falava há pouco sobre o clima hostil e da hostilidade que está quase a se normalizar na política portuguesa. Na política portuguesa e não só, a nível internacional também, é isso a que assistimos. Com políticas e discursos intolerantes a ganhar dimensão. Com a tentativa de se criarem soluções e culpados fáceis para problemas que são complexos. A permissividade com que muitas das instituições, a começar pelas instituições políticas, têm lidado com estes fenómenos, sendo aceitos, muitas vezes tentando esperar que eles desapareçam por os ignorarmos ou por fingirmos que eles não estão na sala.
A realidade é que eles vão crescendo e quando nos apercebemos temos um problema em mãos, temos um elefante na sala, como se costuma dizer, com extremismos a crescerem, como temos visto dentro do Parlamento Nacional, dentro da Assembleia da República e fora. Já vimos bandeiras desfraldadas nas paredes da Assembleia da República, vemos comentários a todos os níveis lastimáveis e que nunca deveriam ter lugar na casa da democracia. Só falta mesmo chegarmos a atos de agressão física, na forma praticada, pelo menos na ameaça já aconteceram esse tipo de ameaças dentro do Parlamento.
Como viu isso?
Eu acho que nós não devemos compactuar com isso. Devemos chamar as coisas como elas são. Temos neste momento um problema de radicalismo na política portuguesa. Os extremos estão a conseguir tomar conta dos moderados. E eu pessoalmente acredito que a política faz-se com pessoas que saibam dialogar, que tenham capacidade empática de perceber e de se colocar no lugar do outro e que consigam estabelecer pontes e consensos.
Radicalismos e extremismos não devem ter lugar no processo democrático e quanto mais compactuarmos com eles mais tarde iremos pagar um preço bem caro por isso.
Como se devem lidar com esses extremismos?
Acho que todos nós temos responsabilidade a esse nível. Neste momento, na política portuguesa, as pessoas autoalimentam-se com as suas próprias ideias. As pessoas não têm a capacidade de ouvir o outro e tentar perceber que a ideia do outro pode ser, ou aquilo que é a realidade, pode ser meio caminho entre aquilo que eu penso e acredito e aquilo que o outro acredita. E quando destruímos essas pontes para o diálogo e estas capacidades de se raciocinar e de se poder evoluir um determinado tipo de ideia deixamos espaço e terreno fértil para os extremismos chegarem. Acho que é necessário que todos, inclusive todos nos partidos e na comunicação social também, tenham essa responsabilidade de quando é mentira, dizer que é mentira. Que quando é impossível, dizer que é impossível.
Quando há ideias que são demagógicas e inexequíveis apontá-las pelo que elas são. E não temos que ter regimes de permissividade porque a permissividade, perante a intolerância, só gera mais intolerância.
Tivemos um presidente da Assembleia da República que foi muito criticado pela forma como lidava com esses exageros. O atual presidente da Assembleia da República tem sido bastante permissivo e vemos que essa permissividade tem saído em prejuízo do próprio debate democrático e do confronto ideológico, passando quase para um confronto físico. Não fez um bom serviço à Assembleia da República. Acho que procurou, em vez de cortar o mal pela raiz, como se costuma dizer, até regou um bocadinho essas ervas daninhas da democracia, que são os radicalismos.
Não chegamos a uma fase em que mesmo apontado o dedo a esse tipo de movimentos, não se tem reforçado esse tipo de movimentos extremistas?
Acho que essa fase já passou. Nós tivemos há uns anos essa, ou foi essa a terapia que foi dada para tentar acabar com esses fenómenos, que seria não lhes dar tempo de antena, e de não se falar deles. Eu acho que isso já passou porque isso claramente não resolve.
E quando vemos o tipo de pessoas que acabam por vir a reboque dessas ideologias da solução fácil para problemas complexos, que são pessoas com cadastros criminais ou, pelo menos, que apontam o dedo aos outros, mas têm em casa pessoas que são arguidos em crimes de abusos sexuais de menores, de roubos de malas, de desvios de dinheiro, de assinaturas falsas, de um sem fim de polémicas criminais.
O que eu acho é que nós temos que, mesmo que não concordemos com as ideias, dar mais atenção às pessoas que falam com honestidade, com verticalidade, que defendem as suas ideias, mas com base em argumentos plausíveis. Porque incendiários, já temos um país cheio.
Andámos meses e meses a tentar calar, calar não no sentido de censura, mas de fingir que alguns discursos que eram xenófobos, racistas, fingir que esses mesmos [discursos] não eram [xenófobos e racistas], eram só liberdade de expressão. Não, há coisas que nós não podemos permitir à liberdade de expressão. Temos de chamar as coisas como elas são e, de um ponto de vista legal, a justiça deve cumprir aquilo que está previsto, nomeadamente nestes comportamentos que são lesivos para a nossa convivência numa sociedade de direito.
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