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Ministra da Agricultura. “Queremos garantir a autonomia estratégica do país”

É a grande meta a dez anos da Agenda de Inovação para a Agricultura 20|30, que será hoje apresentada, explica Maria do Céu Antunes. Outros focos são os jovens agricultores, produção sustentável e I&D.
11 Setembro 2020, 08h06

Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura, concede uma entrevista exclusiva ao Jornal Económico em que apresenta publicamente a Agenda para a Inovação para o setor, para vigorar nos próximos dez anos. Colocar 80% dos jovens agricultores no interior, ter mais de metade área cultivável em regimes de produção sustentável e aumentar em 60% o investimento em I&D são as metas desta nova estratégia.

Neste momento, onde é que diria que se coloca o setor da agricultura nacional
no conjunto dos restantes parceiros comunitários e em comparação com os outros países desenvolvidos?
A agricultura não parou, e foi motor do funcionamento de toda a cadeia de distribuição, não faltando alimentos em quantidade e qualidade na mesa dos portugueses – e, ainda, que a um ritmo inferior, continuou a contribuir para o aumento das exportações do ‘complexo agroalimentar’. Tal só foi possível graças ao trabalho e esforço de todos aqueles que integram o setor, mas também ao facto de termos uma Política Agrícola Comum que alavanca as condições para este desempenho. A agricultura portuguesa, à semelhança do que acontece com outros Estados-membros da UniãoEuropeia (UE), tem vindo a adaptar-se, implementando estratégias e medidas para corresponder aos desafios societais, garantindo o rendimento justo aos produtores, querendo garantir o preço acessível aos consumidores, atentos aos valores ambientais.

Daqui a dez anos, prazo de vigência previsto para esta Agenda para Inovação para
a Agricultura 20 | 30, onde é que pretende ou gostaria que se colocasse o setor nacional da agricultura tendo em conta as mesmas referências externas?
A dez anos queremos uma agricultura mais competitiva, mais moderna, e que tenda a garantir a nossa autonomia estratégica. Para isso, desenvolvemos esta Agenda, onde a inovação, a tecnologia e o conhecimento são a base para o desenvolvimento das políticas públicas, em consonância com o Programa do Governo para responder aos desafios estratégicos que assumimos, as alterações climáticas, a demografia, as desigualdades e a transição digital, alinhados com os objetivos previstos no Pacto Ecológico Europeu e na estratégia ‘Do Prado ao Prato’, da Comissão Europeia, bem como nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [ODS] das Nações Unidas.

Qual o investimento previsto para concretizar esta Agenda?
Esta agenda pretende mobilizar fundos não só da Política Agrícola Comum, também outros fundos comunitários, como sejam o Horizon Europe.

De que forma, e em que medida quantificável, é que os fundos comunitários poderão contribuir para a concretização desta Agenda?
Neste momento decorre a negociação dos regulamentos relativos aos fundos comunitários, nomeadamente PAC, não estando, ainda fechado o QFP [Quadro Financeiro Plurianual] 2021-2027.

Já existem verbas especificamente alocadas para a implementação desta Agenda?
Neste momento, já estão em curso diversas atividades que integram as iniciativas da Agenda. Exemplos disso são os laboratórios de referência do INIAV [Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária], que se enquadram na iniciativa ‘Uma Só Saúde’; o desenvolvimento do Portal Único da Agricultura, com trabalho desenvolvido pelas direções regionais e que consta no Programa Simplex; os programas de conservação e melhoramento de plantas do INIAV relacionado com a iniciativa ‘Territórios Sustentáveis’ e a ‘Adaptação às Alterações Climáticas’.

De que forma é que a irrupção da crise pandémica alterou a estratégia desta Agenda e como irá influenciar a sua aplicação ao longo dos próximos dez anos?
Em termos genéricos, a pandemia da Covid-19 não alterou a estratégia preconizada pela Agenda. Quando muito, veio reforçar os seus objetivos, as suas metas e dar maior ênfase às preocupações e iniciativas relacionadas com o cumprimento de normas de qualidade e segurança da cadeia alimentar e/ou ambiental, assim como com os novos padrões de consumo e o seu impacto na saúde das populações. Por outro lado, queremos garantir a autonomia estratégica, em termos de autossuficiência, que evite a nossa dependência dos mercados externos.

A Agenda tem a ambição de definir e criar metas para o futuro: 80% dos jovens agricultores em território do interior, mais de metade da área geográfica cultivável em regimes de produção sustentável e aumentar em 60% o investimento em I&D. Qual é o ponto de partida atual e como é que se vai conseguir atingir essas metas?
As metas são ambiciosas, mas suficientemente prudentes, razão pela qual estamos convictos de que serão alcançáveis. No caso particular da meta “colocar mais de metade da área geográfica cultivável em regimes de produção sustentável”, onde se incluem os modos de produção biológica, atualmente temos 40% da superfície agrícola utilizada neste tipo de regimes. Para o sucesso desta meta contribuem várias iniciativas do pilar ‘Território’, assim como a Rede de Inovação e a iniciativa de ‘Promoção da Investigação, Inovação e Capacitação’, que terão um papel fundamental para encontrar soluções mais sustentáveis e transferi-las da forma mais célere para a prática produtiva.

Existem outras metas não quantificadas?
É nossa intenção aumentar a adesão à dieta mediterrânica em 20%, e por isso queremos valorizar a estação experimental de Tavira. As metas definidas são as anteriormente descritas, as quais estão alicerçadas num conjunto de 15 iniciativas com objetivos específicos. Esta estratégia assenta em quatro pilares: Sociedade, Território, Cadeia de Valor e Estado.

Quais são as linhas de ação previstas para cada um destes pilares?
Os objetivos estratégicos da Agenda recaem sobre quatro grupos principais de destinatários: os Cidadãos, os Agentes do Território, os Produtores (agricultores e indústria) e os Agentes de Políticas Públicas, que se traduzem nos quatro pilares fundamentais desta Agenda: a Sociedade, cidadãos conscientes do papel da sua alimentação na promoção da sua saúde e do bem-estar; o Território, agentes do território que protegem o planeta e valorizam os recursos naturais; Cadeia de Valor, produtores inovadores e competitivos à escala global; e Estado, os agentes de políticas públicas que apoiam a agricultura e promovem o seu desenvolvimento.

A Agenda assenta também em 15 iniciativas ‘emblemáticas’, incluindo o Portal Único da Agricultura, inserido no Programa Simplex. Quais são as vantagens e perspetivas de operacionalização no terreno deste portal?
A iniciativa Portal Único da Agricultura visa promover a simplificação e a agilização da relação com os agricultores, os cidadãos, as empresas e outros agentes económicos, funcionando como um posto de atendimento online, com disponibilização progressiva de toda a informação e dos serviços prestados pelos organismos da área governativa da agricultura. Esta plataforma digital consolidará os projetos desenvolvidos e em curso no âmbito do programa Simplex, representando, inclusivamente, a medida desta área governativa para a edição 2020-2021.

Outras iniciativas desta Agenda passam pela criação de uma Rede de Inovação,
de norte a sul, do litoral ao interior. É possível saber mais pormenores sobre esta iniciativa?
A Rede de Inovação irá envolver mais de 20 polos do INIAV e das direções regionais que agrega outras entidades, nomeadamente alguns laboratórios colaborativos do setor agroalimentar e os centros de competências. Estes polos têm também uma especialização ao nível das fileiras produtivas, por exemplo, no concelho de Torres Vedras temos a Estação Experimental de Dois Portos, antiga estação vitivinícola nacional, onde está sedeado o Smart Farm CoLab, inaugurado recentemente, onde são realizados trabalhos na fileira da vinha e do vinho, desde os recursos genéticos até ao envelhecimento de aguardentes. Outro exemplo: em Coruche, temos a Estação Experimental António Teixeira onde está sedeado o Centro de Competências para as Culturas do Milho e Sorgo (InovMilho).

No conjunto dessas iniciativas, está também previsto um foco em temas específicos, como o referido reforço da dieta mediterrânica (Tavira), agricultura inteligente (Dois Portos), adaptação às alterações climáticas (Elvas), territórios sustentáveis (no Centro Nacional de Recursos Genéticos Vegetais de Braga). Estamos a falar da criação de uma rede de centros de I&D, de centros de competência, de clusters, para dinamização destes vários segmentos do setor, que pretende cobrir o máximo do território nacional?
Esta rede quer incluir, além das infraestruturas do Ministério da Agricultura, outras infraestruturas públicas, como os laboratórios colaborativos, bem como privadas, como é o caso dos centros de competência. Queremos uma rede consolidada, inovadora, com atividade alinhada com os desafios e necessidades da agricultura de hoje e do futuro.

Que outras iniciativas, no conjunto das referidas 15, quer destacar?
Todas as iniciativas merecem destaque, mas de qualquer modo realço a iniciativa ‘Rede de Inovação’, a qual mobilizará os recursos do Ministério da Agricultura e integrará todos os atores do território com responsabilidade na execução da estratégia de investigação e inovação, reforçando, significativamente, o ecossistema de investigação e inovação agrícola e agroalimentar. Por outro lado, promover o empreendedorismo agroalimentar e a rede de incubadoras de base rural. Esta iniciativa tem como objetivos operacionais reforçar a capacidade de investigação, inovação, formação, demonstração e transferência de conhecimento e tecnologia; incrementar a capacidade de conservação e valorização dos recursos genéticos nacionais (animais e vegetais); e estimular o empreendedorismo de base rural.

Quais foram os agentes do setor agrícola ouvidos?
Na preparação da Agenda houve a participação de uma grande diversidade de atores, nomeadamente associações de agricultores, associações de desenvolvimento local, autarcas, universidades, politécnicos e inclusive escolas profissionais agrícolas. Para o efeito, foram realizadas oito sessões, com mais de mil participantes, onde registámos 124 intervenções e recebemos, posteriormente, 85 contributos escritos.

De que forma é que este documento vai entrar em vigor?
A Resolução de Conselho de Ministros de dia 10 aprovou a Agenda, que já está a ser implementada. Sendo um instrumento dinâmico, será alvo de atualizações, é um instrumento dinâmico, que se adaptará ao contexto que nos será apresentado.

Em termos gerais, quais as grandes contribuições que este documento estratégico recebeu?
A construção desta Agenda teve em consideração contribuições de instrumentos de política internacional, por exemplo, ao nível dos ODS das Nações Unidas, o Pacto Ecológico Europeu e, sobretudo da estratégia ‘Do Prado ao Prato’.

De que forma é que o documento vai incorporar as preocupações crescentes em torno de temas tão sensíveis como a sustentabilidade, economia circular, energias alternativas/renováveis, tendência para a emissão zero de carbono, metas de reciclagem, redução do consumo de plástico, cuidado com os produtos transgénicos, seletividade na utilização de pesticidas e fungicidas, preservação dos recursos hídricos e do solo, combate e mitigação dos efeitos das alterações climáticas, etc?
Uma das intenções estratégicas desta Agenda é o ‘Mais Futuro’, cuja palavra-chave é a ‘sustentabilidade’ e que incorpora a generalidade das questões acima referidas. Além dos aspetos mais óbvios, relacionados com a mitigação e a adaptação às alterações climáticas, a gestão mais eficiente dos recursos naturais, sobretudo biodiversidade, solo e água, a Agenda contempla uma iniciativa específica focada na economia circular, que designamos de ‘Agricultura Circular’.

De que forma é que esta Agenda irá minorar a nossa dependência face às fontes externas, ou seja, de que forma e em que medida quantificável é que poderá contribuir para uma maior autossuficiência do setor agrícola nacional face às necessidades agroalimentares da população portuguesa? Que objetivos foram traçados neste domínio?
Portugal enfrentou, desde sempre, problemas de autoaprovisionamento alimentar devido às características biofísicas do nosso território. Existem, no entanto, algumas fileiras de produtos onde somos exportadores bem sucedidos, como sejam os vinhos, os azeites ou as hortofrutícolas. Por outro lado, somos deficitários nos cereais. Pese embora nos últimos anos tenhamos reduzido o défice da balança comercial, ainda temos um défice significativo que queremos reduzir mais. Existe, inclusive, uma medida específica, ‘Promoção dos Produtos Agroalimentares Portugueses’, com o objetivo duplo de aumentar exportações e substituição de importações. Queremos sensibilizar os consumidores portugueses para o consumo dos produtos locais e queremos continuar o trabalho que temos vindo a desenvolver na exportação e apoiar a inovação orientada para mercados com requisitos de procura específicos, sobretudo em produtos de maior valor acrescentado.

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