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Mira Amaral: “Convém Portugal ter uma rede a funcionar desligada de Espanha num acidente deste tipo que se pode voltar a repetir”

Em jeito de conclusão sobre a análise do “apagão” Luís Mira Amaral defende que em Portugal “as comunicações e os transportes não tinham Planos de Continuidade para operarem sem a energia da rede e o disaster recovery da rede portuguesa demorou demasiado tempo pelas dificuldades e vulnerabilidades”.
Cristina Bernardo
27 Maio 2025, 12h28

O presidente do Fórum para a Competitividade, Luís Mira Amaral, esta terça-feira, num artigo intitulado “O Apagão Ibérico de 28 de Abril de 2025” defendeu que “convém Portugal ter uma rede a funcionar desligada de Espanha num acidente deste tipo que se pode voltar a repetir”.

“Estamos hoje profundamente interligados com a rede espanhola”, explica o Engenheiro Electrotécnico (IST) e Economista da Nova SBE.

“Convém referir que Portugal tem um problema estrutural de falta de capacidade firme para se sustentar sem apoio de Espanha que tem sido identificado em Relatórios recentes de Monitorização e Segurança de Abastecimento da DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia)”, escreve Mira Amaral.

“Ainda não é possível saber exatamente o que se passou no apagão de 28 de Abril que deixou as redes portuguesa e espanhola de energia elétrica sem energia durante muitas horas”, começa por escrever Mira Amaral, antigo ministro da eletricidade.

Fazendo críticas ao Governo espanhol, Luís Mira Amaral diz que se “aguarda pelo Relatório da ENTSO-E, a Rede Europeia de Operadores de Redes de Transporte de Eletricidade, onde estão filiadas a nossa REN e a espanhola Rede Elétrica Espanha (REE). Esta é controlada pelo governo espanhol, um governo que tem tornado a democracia espanhola cada vez mais iliberal controlando o poder judicial e os reguladores, pelo que o que a REE disser não é credível”.

“Aliás no próprio dia do incidente, a Presidente da REE, sem nenhuma análise prévia ao incidente, veio logo dizer apressada e escandalosamente que as energias renováveis não tinham sido as culpadas. Não se sabe e teremos de aguardar pelo Relatório da ENTSO-E, a única entidade credível nesta matéria”.

Luís Mira Amaral diz que “tal como em 2020 não foi uma cegonha que provocou o apagão de metade de Portugal, também o recente apagão ibérico não resultou de nenhum evento atmosférico raro pois as redes elétricas lidam com acontecimentos destes todos os dias e estão preparadas para lhe fazer face”.

Em jeito de conclusão sobre a análise do “apagão” defende que em Portugal “as comunicações e os transportes não tinham Planos de Continuidade para operarem sem a energia da rede e o disaster recovery (recuperação do desastre) da rede portuguesa demorou demasiado tempo pelas dificuldades e vulnerabilidades”.

“Já imaginaram o que seria a loucura do Tudo Elétrico com uma sociedade uma economia completamente dependente do sistema elétrico. Já imaginaram um apagão em que as forças de Segurança e a Proteção Civil todas apenas têm veículos elétricos?”, questiona Mira Amaral que assume que sempre foi “fiel ao dual fire e tinha em casa um fogão com gás e eletricidade pelo que consegui cozinhar tranquilamente, o que não aconteceu com os modernaços do Tudo Elétrico”.

“O encosto fácil à rede espanhola de sucessivos governos PS e PSD que só pensavam no dióxido de carbono (CO2) e nas renováveis intermitentes deixaram o pais totalmente impreparado! Foi uma vergonha! Espero que este sério incidente constitua um grito de alerta para os decisores políticos e que estes comecem finalmente a tomar medidas que nos preparem para incidentes deste tipo”, diz Luís Mira Amaral.

Em suma, “a grande componente de eólica e fotovoltaica não assegurava nem potência controlável nem inércia mecânica e faltavam mecanismos de resposta rápida a um evento que teve variações incontroláveis de frequência, e a rede ibérica ainda não tem esquemas de inércia sintética nas renováveis intermitentes nem os tais compensadores síncronos. Nem os tais esquemas de flexibilidade distribuída e estava quer em Portugal quer em Espanha a rede a ser gerida, usando as potências máximas das renováveis”, conclui o especialista.

Luís Mira Amaral explica no seu artigo que as energias renováveis, como a solar e a fotovoltaica, produzem ao ritmo da natureza, são intermitentes e como tal não têm o grau de controlo pelo homem que existe na geração clássica. Já na fotovoltaica o problema da intermitência não é apenas o facto do sol começar a desaparecer à tarde e reaparecer de manhã. A intermitência também se revela na sua extrema sensibilidade à luminosidade, podendo a produção variar drasticamente durante o dia sempre que uma nuvem passe por cima dum parque solar.

“Mesmo que uma rede estivesse a produzir com estas renováveis uma quantidade de eletricidade igual ao consumo, os perfis de produção e consumo são diferentes, o que exige esquemas de armazenamento de energia para acumular a energia produzida nas horas em que há excesso em relação ao consumo e depois injetá-la na rede nas horas em que não há sol e vento”, explica acrescentando que “tal pode ser feito por sistemas de baterias acopladas às fontes renováveis”.

No entanto, “as baterias, ainda são muito caras” e “serão úteis para o ciclo diário de produção e consumo mas não resolvem o problema de transferências grandes de energia entre o Verão e o Inverno ou entre dois anos”. Mira Amaral diz que “estas transferências intersazonais ou interanuais são possibilitadas pelas conhecidas centrais hidroelétricas de bombagem, sendo no fundo a bombagem uma actividade económica que explora a arbitragem de preços, bombando-se a água à hora em que a energia elétrica é barata e descarregando-se essa água para ser turbinada e produzir eletricidade nas horas em que o preço é elevado. Mas nos sistemas português e espanhol a ponta de consumo máximo é normalmente à hora de Jantar, horas em que não há sol e em que estatisticamente há pouco vento”.

“No sistema português, à hora de jantar estatisticamente apenas se consegue utilizar cerca de 7% da capacidade instalada e isto levanta o problema da potência firme de backup para satisfazer os consumos às horas em que não há vento nem sol”, refere o Presidente do Conselho Consultivo do FpC .

Mira Amaral diz que “tal resolve-se com as baterias ou com centrais clássicas de bombagem ou térmicas. Isto cria aliás um problema económico ao funcionamento de tais centrais. Como vão trabalhar poucas horas apenas para fornecerem o backup, a margem de contribuição, diferença entre as receitas e os custos variáveis, não chega para pagar os custos fixos, advogando-se então a criação de mercados de capacidade nas redes com grande componente de renováveis intermitentes, em que essa potência de backup é paga pela capacidade instalada, espécie de seguro contra a intermitência das renováveis, assegurando-se assim o pagamento dos custos fixos de tais centrais, já que, como explicado, a margem de contribuição não chega para cobrir os custos fixos. É o chamado problema do missing money“.

 

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