A maioria dos grupos políticos do Parlamento Europeu não vai apoiar a moção de censura apresentada contra a Comissão Europeia e a Comissário Ursula de von der Leyen, mas mesmo os membros da coligação que a elegeu para o cargo no ano passado reprovaram a sua liderança e alguns grupos estão divididos quanto ao sentido de voto. Após o debate realizado no hemiciclo europeu na passada segunda-feira, alguns dos oito grupos do Parlamento Europeu definiram claramente a sua posição antes da votação, enquanto outros foram mais ambíguos. E nem todos os eurodeputados alinham com os seus grupos, o que transmite algum desconforto e dá clara indicação de que as coisas não estão a correr bem neste segundo mandato da antiga ministra da Defesa alemã.
Segundo o ‘sumário’ da votação desta quinta-feira, o Partido Popular Europeu (PPE), a força política de Ursula von der Leyen, apoia totalmente a sua escolha para a Comissão: “votaremos unanimemente contra”, disse Manfred Weber, presidente do grupo, citado pela agência Euronews. O PPE considera que a moção de censura foi apresentada por eurodeputados de extrema-direita amigos do presidente russo Vladimir Putin. “Com esta moção de censura, estamos a perder tempo: Putin vai ficar satisfeito com o que os seus amigos estão a fazer aqui. Sei que a AfD alemã (Alternativa para a Alemanha) e a AUR romena (Aliança para a Unidade dos Romenos) são fantoches de Putin. Esta moção de censura é contra a segurança dos europeus”, afirmou Weber durante o debate.
Os grupos Socialistas e Democratas (S&D), Renew e Verdes/ALE também afirmaram que não vão votar a favor da moção de censura, mas isso não impediu que os seus presidentes criticassem von der Leyen por ter negociado com os partidos de direita a quando da sua eleição para um segundo mandato, ignorando dossiers políticos importantes e liderando a Comissão com um estilo de trabalho extremamente centralizado e opaco. Vale a pena recordar que von der Leyen se aproximou ‘perigosamente’ da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, para garantir que não haveria surpresas com a eleição para o segundo mandato. Nessa altura, os moderados da câmara europeia disseram que a germânica ficaria politicamente ‘encostada’ a essa opção e que isso seria um risco num futuro próximo. “Esta moção não contará com o voto a favor do meu grupo. Não daremos um único voto àqueles que querem destruir a União Europeia”, afirmou a líder do S&D, Iratxe García Pérez, citado pela mesma agência, descrevendo a moção de censura como um “ataque reacionário”. Mas Iratxe García Pérez também acusou von der Leyen de ter recuado em relação ao Pacto Ecológico, quando se aliou aos conservadores para retirar a controversa diretiva da Comissão sobre as alegações ecológicas, que se destina a combater o greenwashing. Além disso, recorda a Euronews, o facto de não apoiar a moção não significa necessariamente que os socialistas votarão contra. De acordo com fontes do Parlamento, os membros do grupo podem também abster-se. “Ainda não decidimos, vamos discutir a questão nos próximos dias antes da votação”, disse à Euronews a eurodeputada belga Estelle Ceulemans, do S&D, após uma reunião interna do grupo.
O Renew Europe também afirmou claramente que se opõe à moção de censura. “A moção em si mostra as más intenções dos signatários: uma mistura de alegações sobre as mensagens de texto da Pfizer, as despesas do Mecanismo de Recuperação, os planos de defesa e a suposta interferência eleitoral”, lê-se num comunicado do grupo. A presidente do grupo, Valérie Hayer, reiterou esta afirmação durante a sua intervenção, mas também aproveitou a oportunidade para atacar von der Leyen. “A Comissão está demasiado centralizada, demasiado fossilizada”, afirmou.
O grupo dos Verdes/ALE deverá rejeitar a moção de censura, com todos os seus deputados a votarem contra, a absterem-se ou a não comparecerem no dia da votação, de acordo com fontes internas citadas pela agência. O líder do grupo, Bas Eickhout, classificou a moção como “um grande espetáculo político da extrema-direita para minar a democracia”. Mas também criticou os recentes contactos entre o PPE e a extrema-direita sobre a votação. “Estão a alimentar essa besta e, a certa altura, ela vai comer-vos”, disse Eickhout, dirigindo o seu olhar para o presidente do PPE, Weber.
O copresidente da Esquerda, Martin Schirdewa, afirmou que o seu grupo se opõe à moção de censura porque se recusa “a ser instrumentalizado por extremistas de direita”. Mas outros membros do grupo não parecem estar na mesma linha. O Movimento Cinco Estrelas, por exemplo, votará a favor: “Milhões de cidadãos que acreditam na União Europeia, na democracia e na justiça social pedem-nos hoje que mandemos von der Leyen para casa”, afirmou o partido em comunicado. De acordo com fontes parlamentares, os eurodeputados irlandeses da esquerda também vão votar a favor.
Os Conservadores e Reformistas Europeus (CRE) ilustram mais claramente esta dinâmica de grupo instável: alguns dos seus membros propuseram e promoveram ativamente o voto de confiança, enquanto outros vão defender a Comissão. Oficialmente, o grupo deixará os seus deputados seguirem a sua consciência com uma votação livre, e as maiores delegações nacionais estão em campos opostos.
Os romenos do partido ultranacionalista AUR e os polacos do Partido Lei e Justiça (PiS) estão entre os signatários da moção de censura, seguindo uma longa tradição de duras críticas a von der Leyen e ao seu colégio. Por outro lado, os membros do Fratelli d’Italia não votarão a favor da moção, uma vez que isso implicaria a demissão de todos os Comissários, incluindo o italiano Raffaele Fitto, vice-presidente executivo da Comissão para a Coesão e as Reformas, que vem das fileiras do partido. “Esta moção está condenada ao fracasso, nem sequer se aproxima do limiar necessário [para derrubar a Comissão]. É uma prenda para os nossos adversários políticos”, afirmou o copresidente do CRE, Nicola Procaccini, durante a sua intervenção.
O Patriotas pela Europa e a Europa das Nações Soberanas, os dois grupos de direita mais radicais do Parlamento Europeu, vão votar a favor da moção que pede a demissão da Comissão. “O Pfizergate foi um abuso de poder: agiu sozinha, fora de qualquer quadro democrático”, afirmou Fabrice Leggeri, eurodeputado do Rassemblement National francês, durante o debate, enquanto o líder do Europa das Nações Soberanas, René Aust, da Alternativa para a Alemanha, disse que o seu grupo tencionava enviar von der Leyen “para uma reforma não merecida”.
De algum modo, será o número das abstenções que irá revelar os estragos que Ursula von der Leyen tem (auto)infligido à segunda Comissão que lidera. Se os abstencionistas e os ausentes forem muitos, a alemã terá de ler, politicamente, que a sua estratégia terá de algum modo de ser afinada e que algumas opções não estão a surtir o efeito desejado. Partindo-se do princípio que o Pfizergate é uma espécie de ‘desculpa’ para a ‘surtida’ dos eurodeputados contra von der Leyen, o certo é que a alemã tem vindo a tomar posições que alguns indicam como muito pouco democrática. Ao mesmo tempo, não tem feito nada para ‘tapar’ uma das lacunas mais evidentes do bloco dos 27: a sua total inoperância nos palcos internacionais. Neste particular, nem mesmo o caso do apoio à Ucrânia serve de ‘salvação’ a von der Leyen: é certo que os 27 têm enviado dinheiro e armas para a Ucrânia – num fluxo que a presidente da Comissão apoia até ao mais ínfimo cêntimo – mas a verdade é que a União está completamente fora de todos os contactos que importam para o andamento (ou o gim) da guerra.
Outro espetáculo ‘deprimente’ tem-se verificado em termos do dossiê do entendimento, que devia ser equilibrado, com os Estados Unidos. No que tem a ver com as tarifas, o bloco está sem qualquer iniciativa, limitando-se a ficar à espera de perceber os humores (e as suas alternâncias) do presidente norte-americano, Donald Trump. Aliás, o chanceler do seu próprio país, Friedrich Marz, tem sido dos mais críticos da falta de iniciativa dos 27.
E depois há, evidentemente, a NATO. Com vários países a repetirem a sua condição de Estados-membros da aliança militar e da União Europeia, todos – com a exceção da Espanha – têm mostrado, como no caso das tarifas, uma vinculação sem críticas e sem alternativas às ‘ordens’ emanadas de Washington. Seja como for, ao final desta quinta-feira, Ursula von der Leyen sentir-se-á com certeza aliviada.
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