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Montenegro explica-se: Considerar a empresa familiar uma imobiliária “é um tiro ao lado”

Iniciativa do Chega está condenada ao fracasso mas serve para o primeiro-ministro dar explicações, pela primeira vez de viva voz, sobre o negócio familiar que tem levantado dúvidas sobre um potencial conflito de interesses. Faturação, clientes, planos futuros da empresa. Montenegro detalhou tudo na resposta a Ventura e atirou: “A partir de hoje só respondo a quem for tão transparente quanto eu.”
O primeiro-ministro, Luis Montenegro (C), intervém no debate parlamentar preparatório do Conselho Europeu na Assembleia da República, em Lisboa, 16 de outubro de 2024. TIAGO PETINGA/LUSA
21 Fevereiro 2025, 15h29

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, afirmou esta sexta-feira no arranque da sua intervenção no debate da moção de censura apresentada pelo Chega que chamar à empresa que fundou, a Spinumviva, uma imobiliária é “manifestante despropositado”, “um tiro ao lado”, voltando também a rejeitar um conflito de interesses.

“Entender que deter, direta ou indiretamente, participação nesta sociedade gera conflito de interesses por si só é absurdo”, defendeu, dizendo que a empresa não teve nem tem qualquer imóvel. “Os imóveis que eu tenho simplesmente não têm qualquer hipótese de enquadramento nas alterações legais decididas para os solos”, assegurou o primeiro-ministro.

Segundo Montenegro, a Spinumviva faturou em 202167 mil euros, ano em que os resultados líquidos foram de 18 mil euros; em 2022 a faturação foi de 415 mil euros e resultados líquidos de 240 mil euros; em 2023, a empresa faturou 230 mil euros, tendo sido os resultados líquidos de 85 mil euros e, por fim, segundo os sócios da empresa (os filhos e a mulher), para 2024 a estimativa de faturação é de aproximadamente 179 mil euros e resultados líquidos de 23 mil.

“O pico de faturação de 2022 e de 2023 explica-se pela conjugação de dois fatores: o primeiro, o mais importante, em 2022, ainda antes de assumir a presidência do PSD, eu próprio fechei e apresentei a conta final do valor devido pela prestação de serviços de reestruturação de uma empresa familiar de comércio de combustíveis que envolveu consultadoria de gestão, planeamento estratégico, apoio e formalização das respetivas operações no âmbito de processos negociais de arrendamento, fornecimento de combustíveis (…)”.

Além desse negócio, os anos de 2022 e 2023, sublinhou, “foram anos com maior incidência de auditorias, análises, e planos de implementação no âmbito da proteção de dados a clientes pontuais que queriam adaptar-se ao RGPD”. Montenegro nomeou depois alguns dos clientes, muitos deles pontuais: um grupo de comunicação social, uma fábrica de equipamentos industriais, uma empresa de transportes de mercadorias.

“Os clientes âncora, com necessidade de acompanhamento permanente, são sobretudo os seguintes: uma empresa de retalho, com cerca de dois mil funcionários e lojas físicas e online; uma empresa que gere unidades hoteleiras; um estabelecimento de ensino privado sem contratos com o Estado; um grupo de farmácias e um grupo industrial do ramo do aço”, detalhou, assinalando estar a “pisar o risco das obrigações comerciais” ao fazê-lo. “Mas vale isto para dizer que os sócios que gerem e coordenam (…) bem como os prestadores de serviço externos que os auxiliam, realizam trabalhos como definição, implementação de boas práticas do tratamento de dados, correção de desconformidades, (…)”.

Já sobre o destino dos lucros da empresa, Montenegro disse que “por decisão da empresa fundadora, não havendo necessidades financeiras dos sócios, os lucros estão totalmente destinados ao investimento”. “Temos nesta empresa, desde a altura da sua fundação, dois objetivos em carteiras: a eventual construção de uma adega e de unidade de turismo na Quinta do Douro e um investimento numa eventual participação numa start-up tecnológica”.

Transmissão da quota à mulher “perfeitamente legal”

Quanto à passagem da sua quota para a mulher e filhos, antes de assumir a presidência do PSD: “Decidi libertar-me da responsabilidade, primeiro de gerir a empresa, depois de assumir os encargos que advém de deter participações sociais”, afirmou, defendendo que a transmissão feita é “perfeitamente legal”, embora “nada o impeça” de ter participações sociais. “Faço também notar que na minha declaração na Autoridade para a Transparência consta a minha cotitularidade com a minha mulher por força nosso regime de casamento [em comunhão de adquiridos].

Durante a resposta às perguntas de André Ventura, Montenegro garantiu também que a única alteração que houve ao objeto social da empresa foi em 2024 para “retirar uma parte do objeto que tinha a ver com seguros”. “O sr. deputado André Ventura não sabe o que diz, acredita em tudo o que dizem os jornais”, atirou, recebendo aplausos da bancada do PSD/CDS.

O chefe do Governo assegurou que ao longo da sua vida declarou “tudo o que tinha a declarar”, pagou “tudo o que tinha a pagar” e esclareceu “tudo o que tinha a esclarecer”. Deixou, por isso, uma promessa contra-atacando Ventura: “A partir de hoje só respondo a quem for tão transparente quanto eu, que seja capaz de fazer tudo aquilo que eu fiz”.

Pediu também: “Respeitem a minha dignidade e sobretudo respeitem a missão que me está confiada. Por mim estou preparado para falar de Portugal e da vida dos portugueses, estou preparado para continuar a dar esperança, futuro e uma oportunidade a cada filho de Portugal.”  Montenegro acusou o Chega de estar na política apenas para fazer “chicana política” e de “falar em nome de Portugal” mas não o representar.

Antes de dar explicações sobre a empresa familiar, Montenegro assinalou que ao longo dos anos tem lidado com vários “ataques estranhos e violentos” sobre o seu “carácter e honra” que acredita resultarem do facto de se apresentar “tão livre”. “Nestes anos nunca me queixei das suspeições injustificadas, esperei sereno o veredicto das autoridades judiciárias (…)  Agora velhas e novas questões me são colocados”, disse.

O Parlamento discute esta sexta-feira a 35.ª moção de censura e, tal como na esmagadora maioria das vezes, dela não resultará a queda do Governo. Em 50 anos de democracia, este instrumento só teve efeito prático uma única vez, em 1987, quando uma censura do PRD fez cair o executivo de Cavaco Silva – que nas eleições seguintes acabaria por ter maioria absoluta).

Na intervenção inicial, André Ventura acusou o primeiro-ministro de falta de transparência, responsabilizando Montenegro pela moção de censura. Disse que o debate resulta da “obstinação de um primeiro-ministro a não responder a quem tem de responder, de não responder à única entidade que tem de dar sempre resposta  – ao povo”. Referiu-se à “incompatibilidade patrimonial flagrante evidente” e questionou o primeiro-ministro sobre os clientes e a faturação da empresa que fundou com a mulher.

Disparando em várias direções, o líder do Chega pediu ainda a demissão de três ministros do Governo por terem participações em imobiliárias: o ministro da Coesão Territorial, Castro Almeida, a ministra da Justiça, Rita Júdice, e a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho. Ventura dirigiu-se até a Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, dizendo que o líder socialista não vai fazer nenhuma intervenção no debate porque se “habituou à mesma promiscuidade, à mesma falta de vergonha”.

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