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Moratória ao crédito pessoal nas mãos da Autoridade da Concorrência

A APB construiu o regime para a moratória coletiva privada, mas receia que a Concorrência considere que viola as regras da concorrência.
11 Abril 2020, 09h00

A solução construída pela Associação Portuguesa de Bancos (APB) que dá enquadramento à moratória coletiva ao crédito pessoal está dependente de um parecer favorável da Autoridade da Concorrência (AdC), apurou o Jornal Económico (JE) junto de fonte da associação.

A APB quer fazer as coisas depressa e bem e, por isso, entregou a proposta na AdC na semana passada para que esta avalie se a solução para a moratória privada configura, ou não, um cartel ou uma prática concertada entre os bancos, que são práticas contrárias às regras da concorrência. Este é um risco que a associação dos bancos quer evitar, explicou a mesma fonte.

O JE sabe que a Concorrência já está a analisar a proposta da APB, que recebeu na semana passada, e pretende dar uma resposta “brevemente”. Contactada, a AdC não prestou declarações.

O crédito pessoal não está abrangido pela moratória pública anunciada pelo Governo que, para as famílias, estabelece a prorrogação do pagamento das prestações por seis meses dos créditos para aquisição de habitação permanente.

Fonte da APB explicou ao JE que a solução para a moratória privada para o crédito ao consumo foi construída com base nas orientações da Autoridade Bancária Europeia (EBA).

Ao nível prudencial, as prorrogações do prazo de pagamento das prestações do crédito ao consumo concedidas pelo bancos não vão ser classificadas como crédito em incumprimento, não aumentando assim a carteira de malparado, nem tão-pouco irão configurar-se como uma medida de reestruturação do crédito, não agravando os NPE (non-performing exposure).

Esta quarta-feira, o Banco de Portugal aprovou uma carta circular que implementa as orientações fixadas pela EBA relativamente à classificação prudencial das moratórias públicas e privadas concedidas durante a pandemia da Covid-19.

A EBA recomendou que a moratória privada, que abrange a moratória ao crédito pessoal, tem de ter “aplicação geral”, isto é, com “um escopo de aplicação semelhante” à moratória pública. No entanto, a EBA reconhece que esta condição “tem de ser especificada de forma suficientemente flexível” devido “às diferentes estruturas e organizações da indústria da banca nos diferentes países” da União Europeia, pelo que o regime da moratória privada construída pela APB poderá divergir do regime da moratória pública anunciada pelo Governo.
Além disso, a EBA incumbiu as associações do setor bancário de tomarem a iniciativa de regulamentar a moratória privada que, no caso português, cabe à APB.

Segundo a autoridade europeia, para que o crédito em mora, ao abrigo da moratória privada, não constitua um crédito reestruturado, terá de ser concedido no âmbito de “uma iniciativa suficientemente abrangente”, isto é, com um regime coletivo e semelhante para todos os bancos. “Para este propósito, a iniciativa de apenas uma instituição não é considerada suficientemente abrangente porque consistiria numa solução personalizada. Neste caso, a instituição teria de analisar as exposições [creditícias] sujeitas à moratória e aplicar a definição de reestruturação [do crédito] caso a caso”, lê-se nas orientações da EBA.

A EBA considera que as moratórias de crédito públicas e privadas, em resposta à epidemia de Covid-19, na medida em que não são específicas para um mutuário (cliente), mas sim dirigidas a amplas faixas de classes de produtos ou clientes, não precisam de ser automaticamente classificadas como crédito reestruturado na definição dada pelas regras contabilísticas IFRS 9 e não precisam de ser classificadas como incumprimento. No entanto, “isso não elimina as obrigações das instituições de crédito de avaliar a qualidade de crédito dos que beneficiam dessas medidas e de identificar qualquer situação de risco de incumprimento dos mutuários”.

Bancos já anunciaram moratórias ao crédito pessoal
A Caixa Geral de Depósitos (CGD), o BPI, o Santander Totta e o Bankinter já anunciaram a disponibilidade para conceder moratórias ao crédito pessoal e ao crédito não abrangido pela moratória pública.

Atenta à quebra efetiva no rendimento familiar, a CGD foi a primeira instituição a anunciar moratórias do crédito. O banco do Estado anunciou uma moratória de seis meses para os créditos pessoais, da casa e também nos financiamentos concedidos às empresas, antes da aprovação da legislação das moratórias públicas.

O Santander anunciou a Solução de Moratória Santander para particulares que consiste numa carência de capital durante um período de seis meses, sendo que o cliente pagará apenas juros durante esse período. A medida aplica-se ao crédito à habitação não abrangido pela moratória pública, incluindo o crédito à habitação própria secundária ou para arrendamento e outro crédito hipotecário, e o crédito pessoal. As prestações de capital que não forem pagas agora serão pagas nos seis meses seguintes ao fim do prazo atual dos empréstimos, que aumentam por igual período.

O BPI referiu que “está igualmente disponível para conceder uma moratória de crédito para os particulares condicionada às orientações das autoridades de supervisão e em articulação com as medidas que possam vir a ser estabelecidas pela União Europeia e pelo Estado Português. A moratória envolve o crédito à habitação e o crédito pessoal, incluindo o financiamento automóvel”.

O Bankinter apresentou uma moratória para as famílias, que se aplica tanto no crédito à habitação como no crédito pessoal, com a suspensão da amortização do capital por um prazo até seis meses, “com extensão do prazo do empréstimo pelo mesmo período, aplicável às operações em situação regular”.

Todas estas moratórias exigiam um acordo ao nível da APB quanto ao enquadramento contabilístico.

O presidente da APB, Fernando Faria de Oliveira, disse em entrevista ao “Observador”, que “a probabilidade de os bancos voltarem a ter resultados negativos já este ano é grande”.

Artigo publicado no Jornal Económico de 09-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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