Em entrevista ao Jornal Económico, o managing partner da CCA Ontier fala dos desafios da sociedade de advogados, que tem apostado cada vez mais em áreas como a proteção de dados, o gambling, o alojamento local e o empreendedorismo.
Que balanço faz de 2017?
Está a ser um ano muito importante para nós. Temos confirmado a nossa tendência de crescimento – segundo os números que temos fechados, temos um crescimento de 15% na faturação relativamente ao período homólogo, sendo que, no ano passado, tínhamos crescido 19%.
Que áreas contribuíram para esse crescimento?
Neste momento, há áreas muito fortes que temos tendência a desenvolver e que agregámos em termos de know-how: TMT, com clientes importantes e que levou à criação de uma equipa específica de dados pessoas já a pensar no novo regulamento; gambling, por força da abertura do monopólio às licenças; M&A, com algumas operações interessantes e clientes recorrentes; Imobiliária, com intensa atividade e interesse do investidor privado e do promotor, o que nos levou a criar uma área de prática específica de Turismo e Alojamento Local, que tem advogados de Público, Fiscal e Imobiliário porque mexe com tudo. A necessidade de quem comprava ou reabilitava tinha de explorar levou à concentração de know-how. O facto de termos estado envolvidos na decisão judicial sobre se o o arrendamento de curto prazo era uma atividade comercial ou residencial permitiu-nos um conhecimento importante, que optámos por segregar numa área de prática especializada.
Verticalmente, temos os vários departamentos, que atendem as várias questões e, transversalmente, temos as áreas de prática que partem de um pressuposto de um know-how adquirido pelos próprios departamentos. Derruba barreiras, obriga a uma maior interação dos advogados, o cliente sente que tem um know-how específico.
Quando foi criado este modelo?
Foi lançado no ano passado e tem vindo a ser desenvolvido. A primeira área de prática que lançámos foi o Startinnovation Team, especialmente dedicado a empreendedores. Apanhando o desenvolvimento que o ecossistema que o empreendedorismo estava a ter em Portugal e porque nós já tínhamos muito know-how acumulado de trabalhar com empreendedores criámos esta área de prática. Correu lindamente porque patrocinámos o Web Summit, ganhámos o prémio LegalWeek Innovation Awards – Business Development Innovation 2017 e a verdade é que temos um roster de clientes empreendedores.
Existe, claro, a eterna questão sobre se esses clientes são rentáveis. Depende da perspetiva. A curto prazo não são. É uma aposta. Os advogados sentem uma gratificação adicional ao trabalharem com pessoas mais novas, que nos ensinam muito. Dentro da área tecnológica, temos conseguido trabalhar com inúmeros empreendedores e acabamos por ficar amigos. Desenvolvem-se sinergias interessantes. Este ano voltamos a patrocinar o Web Summit. As outras áreas de prática que se seguiram são um bocadinho a declinação desse princípio: concentração de experties. Já estão em plena atividade e podemos medir os resultados de forma satisfatória pela sua atividade comercial.
Afirmou há algum tempo que dentro de três a cinco anos pretendem estar no top 10 das sociedades portuguesas. Como querem fazer isso?
Não consigo fazer um ranking de sociedades, mas, por conta de uma perceção consigo entender que, em determinadas áreas – dimensão, faturação, visibilidade, número de clientes – a CCA Ontier ainda está aquém. Em termos de áreas específicas, julgo que o escritório está no top 3 ou top 5. De perceção generalizada, o escritório não está nesse top 10. O que queria dizer com essa afirmação é que o plano que temos, de no mínimo três e no máximo cinco, conseguir lá chegar. Isso implica uma série de alterações internas que estão a ser feitas, quer nas áreas de prática, como na contratação de novos advogados. Também um maior aproveitamento das sinergias da Ontier e começou com a entrada de uma pessoa vinda da América Latina, que será a nossa business developer para a América Latina e tem como missão entender o mercado português e encontrar oportunidades para esses clientes e vice-versa, fazer a ponte com a América Latina. Temos relações muito fortes com Espanha, com Inglaterra, com o Brasil por uma questão de quase de inerência e com os nossos parceiros comerciais típicos.
Como vê o mercado da advocacia em Portugal? O futuro passa pela consolidação?
Há uma concorrência cada vez maior. O problema do mercado português é que os honorários cobrados, se fizermos um benchmark com os outros países da Europa – e basta irmos a Espanha, são bastante baixos. Enquanto assim for, a concorrência terá uma tendência natural para privilegiar o cliente que paga menos por mais. Isso, levado ao extremo, é uma corrida para o fundo do poço. É natural que haja movimentos de consolidação. Não acho estranho, por força da alteração dos centros de poder dos acionistas das principais empresas portuguesas, que haja algumas sociedades de advogados estrangeiras que possam pensar em vir para Portugal. Ao mesmo tempo, temos sempre a sombra projetada das auditoras, que informalmente já se movem com escritórios de advogados em Portugal. A tendência natural será a de que se assumam como providers de serviços de auditoria e legais. Isso é a principal concorrência que nós temos. Admito que haja sempre movimentos de consolidação, mas também admito que aquilo a que assistimos, nos últimos anos, de escritórios a fazerem spin-offs de escritórios grandes e criarem áreas de prática mais pequenas faça todo o sentido. Faz todo o sentido porque o nível da ‘comoditização’ dos serviços jurídicos é cada vez maior. Todos os anos, se houvesse forma de medir isto, acho que 10 a 20% do trabalho do advogado torna-se uma commodity para os clientes. Pagam-nas, mas por volume. Ou temos escritórios grandes, que conseguem fazer fábricas de advogados e que estão a trabalhar numa lógica de volume e repetição – que não é aquilo para a qual fomos educados -, ou vai haver movimentos de escritórios que tragam valor acrescentado. Estes dois modelos vão ter de coexistir. Aquilo que vai acontecer no ‘legal tech’, quer com a Inteligência de Artificial, quer com providers que substituam advogados em processos de litigância de massas, é que vão tendencialmente deixar de fazer.
Mencionou a concorrência das auditoras e consultoras. Acha que é inevitável que as grandes auditoras, as ‘Big Four’, comecem a prestar serviços jurídicos, apesar de a lei continuar a impedir a multidisciplinaridade?
Acho. Seria contraditório estar a dizer que não estava de acordo, se estou desde o princípio a dizer que sou a favor da abertura do mercado e que o Estado deve intervir enquanto regulador. Sou totalmente a favor da multidisciplinaridade, até porque acho que é o futuro desta profissão.
Mas não há questões éticas que precisam de ser acauteladas?
Óbvio. É para isso que serve a Ordem, neste caso. Atenção que é fundamental também que o regime fiscal das sociedades de advogados mude: acabar com o regime de transparência. Todos os anos, se aumentamos a faturação aumentamos – e bastante – os custos, porque queremos reinvestir nas pessoas. Não faz sentido estar a pagar uma portagem à ida e à vinda.
Seria uma boa troca, permitir a entrada desses players em troca de um regime fiscal mais justo para os advogados que exercem a profissão em sociedade?
Não estou a falar numa lógica de toma lá dá cá. Entendo que o caminho da profissão é o da multidisciplinaridade. Cada vez mais nos apoiamos em técnicos de outras profissões. No mundo ideal adoraria que um escritório de advogados pudesse ter arquitetos, engenheiros… Já começamos a ter, só que numa lógica de apoio. Pessoas com diferentes sensibilidades, sentados à mesma mesa, a olhar para o mesmo problema.
E consultores de comunicação?
Já há vários escritórios que trabalham com isso. Há várias startups que querem passar alguma mensagem e nos pedem ajuda. E o departamento de comunicação do escritório deve estar sensível a isso. Assumindo que Portugal é maioritariamente feito de PME faz todo o sentido. O caminho é para aí.
Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.
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