O Partido Socialista (PS) acusou esta quarta-feira o Governo do PSD/CDS de, em quase dez meses de governação, ter causado “instabilidade” no Serviço Nacional de Saúde, de não estar a ser capaz de dar resposta aos problemas, e de ter tomado “18 medidas erradas e incompetentes” nesta área, num debate de passa culpas sobre quem é que tem responsabilidade na acumulação de funções do agora demissionário CEO do SNS. Durante o debate, coube à secretária de Estado Ana Povo dar a cara pelo Ministério da Saúde, tendo a governante afirmado que “o Governo não não tinha conhecimento da acumulação de funções de Gandra D’Almeida”.
Concretamente sobre a direção executiva do SNS, um dos 18 erros apontados pelo PS, o deputado João Paulo Correia questionou: “O SNS vai para o terceiro diretor executivo SNS em apenas 10 meses. Foi para isto que forçaram a demissão de Fernando Araújo, que liderava em velocidade cruzeiro a maior reforma do SNS desde a sua criação?”. Para depois concluir que, “nas mãos da ministra da Saúde, a direção executiva deixou de ser uma fonte de soluções e passou a ser uma fonte de problemas”, classificando como “grave” o episódio que levou à demissão do diretor executivo Gandra D’Almeida.
João Paulo Correia rejeitou ainda qualquer responsabilidade do governo anterior na escolha de Gandra D’Almeida e lamentou que a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, tivesse “tentado passar as culpas para a CReSAP”. “Foi a senhora ministra da Saúde que escolheu e propôs ao dr. Gandra D’almeida. Competia à senhora ministra escrutinar minimamente o currículo da personalidade que propôs”, disse o socialista.
João Paulo Correia deixou estas críticas na sua intervenção inicial no debate de urgência sobre a saúde, pedido pelo PS, sobre a instabilidade e falta de respostas no SNS.
PSD atira responsabilidades para o PS
Na resposta aos socialistas, o deputado Miguel Guimarães, do PSD, começou por “realçar a dignidade” de Gandra D’Almeida, que perante as suspeitas [de acumulação indevida de funções], imediatamente apresentou a sua demissão”. O antigo bastonário da Ordem dos Médicos prosseguiu, atribuindo responsabilidades ao PS no que toca à acumulação de funções do diretor executivo demissionário.
“Se alegadamente existiram incompatibilidades durante o exercício do cargo de diretor do INEM do Norte, isto aconteceu quando o governo do PS. É um problema cronológico. Se o PS quer apurar responsabilidades, tem de apurar responsabilidades junto de quem era ministro na altura”, atirou, dirigindo uma questão ao deputado socialista: “O que é o PS até agora fez para tentar apurar eventuais ilegalidades, dado que estas ilegalidades, a terem acontecido, foi durante o governo do PS?”
João Paulo Correia, por sua vez, quis saber por que razão a ministra da Saúde não está presente no debate, entendendo que devia ser Ana Paula Martins dar explicações. “A senhora ministra foge a uma explicação ao país. Este debate foi agendado também para dar uma oportunidade ao Governo para explicar ao país por que razão isto aconteceu”.
Quanto às responsabilidades na acumulação de funções de Gandra D’Almeida, o deputado do PS criticou aquilo que considerou “uma manobra de diversão” do primeiro-ministro Luís Montenegro para “desviar atenções mas também um desespero de um primeiro-ministro que tenta salvar a ministra a todo o custo”. “Só por falta de vergonha é que o governo cai no ridículo de responsabilizar o antigo governo e o anterior primeiro-ministro, a responsabilidade é do senhor primeiro-ministro e da ministra que devia cá estar”, disse João Paulo Correia.
Sobre a ausência da ministra, Hugo Soares (PSD) lembrou que o debate de urgência foi suscitado pelo PS durante a manhã do dia de hoje, não foi um debate marcado com antecedência de modo a que “se possam conjugar agendas”, designadamente quando há “sobreposições de matérias na agenda nos membros do Governo”.
“O facto de não estar cá a ministra da Saúde não significa menos respeito pelo Parlamento, porque o Governo é só um e está cá a secretária de Estado para responder àquilo que entenderem perguntar”, rematou Hugo Soares.
Governo defende-se com o que já conseguiu
Pelo CDS, Paulo Núncio acusou o PS de “descaramento” por ter convocado um debate de urgência sobre a instabilidade e a falta de respostas no SNS quando foi governo nos últimos oito anos. “O SNS está como está por culpa da governação do PS, com o apoio da extrema esquerda”. O centrista aproveitou a ocasião para abordar as “respostas que o SNS já está a dar”. Segundo Núncio, o plano de emergência e transformação na saúde já tem 55% das suas medidas executadas e já está a produzir resultados.
“Quando o Governo iniciou funções, havia um milhão e 700 mil portugueses sem médico de família, hoje há mais 200 mil portugueses com médico de família; nas urgências o tempo de espera reduziu-se em 20% (…)”, continuou Paulo Núncio, acusando o PS de “cegueira ideológica” nos hospitais que antes eram Parcerias Público Privadas, como o caso do Hospital de Loures, um dos que enfrenta problemas nas urgências.
De acordo com Núncio, a linha SNS 24 atendeu 87% de chamadas a mais do que o ano passado e a Linha SOS Grávida, criada por este Governo, registou perto de 90 mil chamadas e reduziu num terço o número de grávidas que se deslocam às urgências sem qualquer indicação médica. Procurando demonstrar o que de positivo tem sido feito, o deputado do CDS disse que se atingiu, este ano, o número recorde de pessoas vacinadas com mais de 85 anos e o regime especial de medicamentos para antigos combatentes, iniciado no dia 1 de janeiro, “vai abranger mais de 320 mil beneficiários”.
Por fim, mencionou Núncio, o acordo com as Misericórdias permitiu que os idosos a residir em lares possam finalmente usufruir de análises e exames sem terem de se deslocar a centros de saúde e hospitais. O centrista disse que a situação na saúde continua a ser “muito exigente”, mas reforçou que “o plano de emergência já está a produzir resultados”. “E o CDS tem toda a confiança na ministra para continuar a reformar a saúde em Portugal”, assinalou ainda.
Sobre a polémica relacionada com a acumulação de funções do diretor executivo do SNS, Paulo Núncio preferiu destacar a argumentação já usada pela ministra, ao invés de culpabilizar o anterior governo como fez o PSD. Lembrando que o parecer da CReSAP concluiu que Gandra D’Almeida tinha perfil adequado para a função, o deputado centrista responsabiliza unicamente o próprio diretor executivo demissionário pela situação que levou à sua demissão.
“Ninguém imaginaria que o candidato omitiria informações relevantes e prestaria declarações incorretas sobre o seu processo de candidatura”, declarou Paulo Núncio, defendendo que quem faz o que Gandra D’Almeida fez, omitindo informações à CReSAP, “deve ser responsabilizado”. “Por isso, repudiamos as cantigas de escárnio e mal dizer que criticam a ministra da Saúde por ter ignorado as supostas irregularidades que só o próprio responsabilizam. O ex-CEO do SNS fez bem em apresentar a sua demissão e o Governo fez ainda melhor aceitar a sua demissão”, concluiu Núncio.
Durante o debate, o Chega sublinhou a “grande lata que o PS tem” ao agendar um debate de emergência sobre a saúde, acusando os socialistas de terem deixado “o caos” no SNS. O deputado Pedro Pinto chamou à discussão o deputado e antigo ministro Manuel Pizarro, apontando ser ele o grande responsável pela situação. “Foi o PS que arrasou a saúde em Portugal”, acusou, dizendo que a governação PSD/CDS “também não tem sido melhor”. Dirigindo-se à secretária de Estado da Saúde, Pedro Pinto pediu ao Governo que assumisse as responsabilidades da nomeação de Gandra D’Almeida e questionou se é desta vez, “com tanta trapalhada que a ministra se vai demitir”.
A rede clientelar e ministro sombra
Já a deputada e coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, acusou o Governo PSD/CDS de ter instalado “uma rede clientelar” na Saúde, tendo recrutado cinco pessoas no mesmo lugar, na Ordem dos Médicos do Norte, entre os quais o agora ex-CEO do SNS, Gandra D’Almeida. “Este diretor executivo foi escolhido porque faz parte de uma rede clientelar que o PSD instalou no SNS”, disse a bloquista na sua intervenção Além desta nomeação, Mariana Mortágua recordou outras em que o elo de ligação é a Ordem dos Médicos do Norte: Eurico Castro Alves, coordenador do plano de emergência, a secretária de Estado da Saúde Ana Povo, o presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, Caldas Afonso, e o coordenador do Plano de Envelhecimento Ativo e Saudável, Maia Gonçalves.
“Eurico Castro Alves, nomeado para coordenar o plano de emergência, na prática é o ministro sombra da Saúde”, acusou a deputada, dizendo que o coordenador do plano de emergência “tem mais do que um interesse privado na saúde”.
“Tem uma empresa de consultoria para a qual prestaram serviço a ministra da Saúde e a secretária de Estado Ana Povo; esteve envolvido no lançamento de uma seguradora privada de saúde; é acionista da LapaCare que tem a concessão do hospital da Lapa; está nos corpos sociais da Misericórdia do Porto; recebeu 105 milhões deste Governo e do plano que foi feito pelo próprio para ficar com serviços do SNS, e ainda encontrou tempo para prestar consultoria a empresas de canabis porque tinha conhecimentos por ter sido diretor do Infarmed anos antes”, enumerou Mortágua.
No entender de Mariana Mortágua, a equipa nomeada pela ministra tem dois “problemas óbvios”: “É uma equipa incompetente que só agrava os problemas na saúde” e é uma equipa “mergulhada em conflitos de interesses”.
“Castro Alves foi o primeiro a cair, Gandra D’Almeida o segundo, e quem é que vão buscar para o substituir? Álvaro de Almeida, dirigente do PSD, também do Norte, que por acaso foi orientador da tese de Eurico Castro Alves, juntamente com Caldas Afonso, que faz parte do mesmo grupo da Ordem dos Médicos”, denunciou, acusando o Governo de ter criado uma “agência de liquidação do SNS”. “Caíram dois destes nomeados, só falta mesmo cair quem faz as nomeações”, rematou a coordenadora do Bloco.
Sobre a acumulação de funções de Gandra D’Almeida, Mariana Mortágua suscitou duas questões. Uma de ordem prática e outra de ordem política. Quanto à primeira: “Como é que um diretor regional do INEM tem tempo para ser tarefeiro em Faro, Portimão, em Gaia, Abrantes e em Matosinhos?” A segunda: “Como é que um dirigente que constituiu duas empresas para receber centenas de milhares de euros do SNS como tarefeiro pode ser diretor executivo do SNS, sem reconhecer que um dos principais problemas do SNS é precisamente depender desses tarefeiros?”
Inês de Sousa Real, do PAN, alertou que “a saúde não está em bom estado” e lamentou que, em menos de um ano, a Direção Executiva do SNS já vai para o seu terceiro diretor, enquanto Paulo Muacho, do Livre, criticou o Governo por “apenas ter trazido instabilidade” ao serviço público, através de “uma verdadeira onda de demissões”.
Para a IL, o “carrasco do SNS é o PS”, com Mário Amorim Lopes a denunciar o “passa culpas” entre socialistas e sociais-democratas sobre nomeações, quando o debate deveria ser sobre “como se resolvem os problemas de saúde dos portugueses”.
Pela bancada do PCP, Paula Santos salientou a “degradação da prestação de cuidados de saúde” aos utentes, a que se associa um “conjunto de episódios no mínimo lamentáveis”, acusando o Governo de “encobrir a imoralidade” da nomeação de Gandra d’Almeida.
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