Pontualidade britânica, gin tónico na mesa e lugar cativo no Grémio Literário. Patrícia Akester, ex-professora e investigadora na Universidade de Cambridge, está pronta para apresentar o seu novo projeto: um gabinete jurídico exclusivamente dedicado à Propriedade Intelectual (PI) e à Inteligência Artificial (IA). A advogada, que passou os últimos anos no Reino Unido, escolheu o ‘palco’ do Grémio, no Chiado, por ter sido fundado em prol da cultura, do convívio e da atividade intelectual, em 1846. Junto aos retratos de Almeida Garrett e de Alexandre Herculano – curiosamente, com visões distintas perante os direitos de autor –, refere ao Jornal Económico que o seu objetivo é, essencialmente, ajudar as entidades públicas a configurar estratégias e políticas que unam estas duas matérias. A ex-consultora da Sérvulo & Associados para tecnologia, PI e proteção de dados considera que são as empresas e instituições do Estado, nomeadamente do poder local, que têm “urgentemente” de rever a sua política cultural.
O chamado “Gabinete de Propriedade Intelectual (GBI/IPO)” nasceu este mês e adveio sobretudo de quatro desafios com os quais se deparou: o crescimento do digital; o impacto dos movimentos que defendem a erradicação do direito de autor – cuja voz mais prevalente é a do “Partido Pirata” – e a fragilidade da fronteira humano-software a que se está a assistir.
O primeiro é um desafio antigo e estafado, mas com o qual se continuará a ter de lidar, cada vez com mais complexidade. Patrícia Akester lembra que o aparecimento da tecnologia digital democratizou o acesso à informação e ao conhecimento e, ao mesmo tempo, relançou a questão de como é que se recompensa o autor, o artista e o produtor. “Não defendo a resistência à tecnologia. Temos de a abraçar, mas abala estruturalmente o direito de autor, porque atira por terra os seus alicerces concetuais e permite a replicação e a disseminação instantânea e quase sem custo de qualquer obra protegida. A revolução digital dá prevalência a este acesso forçadamente gratuito dos conteúdos na internet”, alerta ao JE.
Patrícia Akester já deu apoio jurídico aos escritórios britânicos Fieldfisher e Bristows, à UNESCO, em Paris, ou à fundação Anne Frank Fonds, na Suíça. Atualmente é vice-presidente do Instituto Luso-Árabe para a Cooperação e membro do conselho consultivo da aceleradora de startups Exputnik. O seu percurso nesta área, ao longo de 23 anos, faz jus ao casamento entre tradicionalismo e modernidade, que quer extravasar para o mercado, através do apoio técnico de uma equipa de mais seis pessoas e de um escritório em Oeiras.
Na sua opinião, neste momento, são os autores e os artistas os profissionais que estão mais desprotegidos. “Os produtores discográficos e cinematográficos também têm as suas questões – já não têm os proveitos que tinham por causa dos sistemas peer-to-peer –, mas as mais sérias surgem do lado do autor e do artista. As entidades conseguem ter sistemas de contratação e medidas de proteção para impedir acessos não legítimos”, assegura.
Em relação aos partidos políticos que lutam contra o quadro legal de PI e da propriedade industrial, a académica defende que o movimento “Partido Pirata” tem alguma expressão em Portugal em termos de software, mas não chega ao nível de outras geografias. “Se calhar, não ligamos muito à erradicação do direito de autor, porque não ligamos muito ao direito de autor em si mesmo”, sugere.
Ainda assim, a fundadora deste novo gabinete não nega a existência de “vozes muito fortes” na internet que procuram retirar o criador da equação. Logo, os propulsores deste movimento acabam por tornar o ato ilícito mais ‘justificável’, porque, quando o utilizador pensa apenas na indústria remete automaticamente a sua ideia para o seguinte: as empresas resistem na mesma e não há problema em fazer um download ilegal ou em comprar um álbum pirateado. É por isso que Patrícia – doutorada em International Copyright Law pelo Queen Mary Intellectual Property Research Institute – defende um equilíbrio de interesses criador-utilizador, para haver recompensa ao processo criativo.
Direitos morais à máquina: sim ou não?
Além da ideologia, há outro fator que está a mudar o paradigma e a rotina de empresas e consumidores, mais do que alguma vez mudou a revolução digital no século XX: a Inteligência Artificial (IA). A seu ver, com este fenómeno, voltar-se-á a ter de adaptar as políticas e a legislação em vigor. “Sob o ponto de vista económico, não vejo qualquer problema em proteger a produção, a criação e a invenção que surgem em sede de IA”, admite Patrícia Akester, sublinhando que este processo de humanização da máquina vai exigir uma abordagem específica a nível regional, nacional e internacional a fim de definir quem é, de facto, o criador desse bem/serviço. “Por um lado, atribuímos direitos económicos e direitos morais a um autor, mas não vamos atribuir direitos morais a uma máquina. Por outro lado, se não lhe atribuirmos também esses direitos há certos atos que passam a poder ser realizados e que não poderiam ser se a criação fosse de um ser humano”, alerta.
Em parte, os problemas na fronteira entre estes dois mundos, que se cruzam online, estão a ser resolvidos através da Diretiva sobre direitos de autor no Mercado Único Digital 2016/0280, segundo a mesma advogada.
Mais três anos para transpor a diretiva sobre direitos de autor
“Depois de aprovada em Bruxelas, o nosso Governo terá de a implementar em Portugal, e o processo afetará o país inteiro. O período de transposição são dois anos e eu já estou a dar três à cautela”, afirma. Na verdade, este ato legislativo foi, ele próprio, responsável por espoletar a criação do gabinete, uma vez que as morosas e polémicas negociações – inclusive em torno do Artigo 13º e 11º – confirmaram que os desafios em que Patrícia havia pensado eram tangíveis. “Uma coisa que me impressionou foi a importância que o público deu a tudo isto. Antigamente, estas eram questões a que eu e outros académicos achávamos graça. Hoje, a população estima-as e entende que, quando são resolvidas pelo legislador, têm impacto na sua vida”.
Patrícia Akester alega estar pronta para definir as próximas políticas públicas e legais neste domínio e escolheu figuras como Luís Caldas de Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico, e Cristina Fonseca, sócia da gestora de fundos Indico Capital Partners, para a apoiarem no lançamento da primeira pedra.
Artigo publicado na edição nº 1977, de 22 de fevereiro, do Jornal Económico
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