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NATO: aos 75 anos, incógnita Trump é o seu maior desafio

Já passou por várias crises de crescimento – a mais profunda foi em 1991 – mas continua a ser fundamental na defesa do ocidente, onde a Europa se inscreve. Mas Trump não é o único dos desafios que a organização enfrenta.
EPA/STEPHANIE LECOCQ
4 Abril 2024, 11h36

A NATO comemora os seus 75 anos numa altura em que, por um lado, voltou a afirmar a necessidade da sua função – nomeadamente no que tem a ver com o apoio à Ucrânia – mas, por outro, enfrenta a forte dúvida sobre qual é o seu futuro face à evidência de que o futuro presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não é o maior entusiasta da sua própria existência.

Ninguém acredita que Trump opte por, pura e simplesmente, fechar as portas da organização – mas esse ‘medo’ existe internamente e o seu secretário-geral, o norueguês Jens Stoltenberg, tem feito tudo para contrariar qualquer veleidade do provável futuro presidente. Tudo, não é muito: precisa ‘apenas’ de convencer os 32 membros da organização a cumprirem as suas obrigações de financiamento. Os Estados-membros têm-se mostrado sensíveis ao repto: neste momento, pelo menos 11 Estados-membros atingiram o patamar dos 2% de gastos em defesa. São apenas 35% do total, mas aparentemente já são o suficiente para que Stoltenberg considera a percentagem aceitável para ‘calar’ o ‘regressado’ Trump.

Do lado de Trump, a questão é meramente caseira: o republicano sabe que uma parte (muito) substancial desses gastos irá diretamente para os cofres do maior cluster industrial do armamento, o norte-americano.

O debate em torno da meta dos 2% motivou um novo ponto da agenda global que não é necessariamente positivo para a NATO: a possibilidade de a União Europeia investir na autossuficiência da sua segurança (por outras palavras: na criação de um exército comum) voltou ao topo da agenda. Para dar um sinal nesse sentido, o Banco Europeu de Investimento (BEI) criou uma linha específica para investimentos na defesa com um financiamento da ordem dos oito mil milhões de euros.

Vários analistas ouvidos pelo JE são claros nessa matéria: “há um grande debate neste momento, que vai prolongar-se até às eleições europeias, que vai marcar o futuro” do eventual exército comum, refere o analista Francisco Seixas da Costa. A possibilidade de criação de um exército comum tem tantos anos quantos os anos que nos separam do fim da II Guerra. A França foi desde sempre a menos interessada numa solução comum (recorde-se que chegou a sair da NATO por incompatibilidade de divisão do comando), mas o certo é que, ao cabo de oito décadas pouco mais foi feito que compras em grupo, para poupar uns cobres. De qualquer modo, se a opção europeia for tomada – e apesar de todas as declarações em sentido contrário – a NATO deixará de ser o vértice da defesa da Europa.

Outro dos desafios que a NATO enfrenta nesta comemoração dos 75 anos é a substituição do seu secretário-geral. Stoltenberg está de saída é há vários candidatos a perfilarem-se no horizonte. Mark Rutte, ainda primeiro-ministro dos Países Baixos, está empenhado em conseguir o lugar. Mas, neste tempo de guerra com a Rússia, a NATO parece estar mais inclinada para optar por um político que tenha razões adicionais para tomar a organização em mãos. Um político oriundo de um dos estados bálticos, Estónia, Letónia ou Lituânia, que estão logo atrás da linha da frente da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, é uma opção defendida internamente. A lista dos potenciais próximos secretários-gerais inclui a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, e a ministra dos Negócios Estrangeiros da Letónia, Krisjānis Kariņs – tendo ambas a particularidade de serem mulheres (qualquer uma seria a primeira a liderar a aliança), o que pode ser também um critério.

Outra opção de futuro é, quando a guerra da Ucrânia acabar, a NATO alargar o seu âmbito geográfico, sempre no sentido de rodear os belicosos russos de países que possam acionar a garantia do famoso artigo 5º do Tratado de Washington. A não, claro está, que numas futuras negociações para a paz, Vladimir Putin consiga assegurar que a NATO não aceitará como Estados-membros países que façam fronteira com a Rússia. Um entendimento do género já foi feito à época em que a URSS deixou de existir (em 1991), mas acabou por ser ‘furado’ pela vontade individual de alguns países, nomeadamente a Geórgia e a Ucrânia.

O ano de 1991 é uma data importante para a NATO. Foi com o fim da União Soviética que a organização passou por uma das suas maiores crises – só comparável ao tempo em que o ‘velho’ presidente Charles De Gaule decidiu retirar a França da organização e ‘expulsá-la’ de Paris, a cidade onde inicialmente se acomodou antes de ter de optar por Bruxelas. Com o fim do bloco comunista e a ’insolvência’ da sua congénere Pacto de Varsóvia – e principalmente com aquilo que era o fim da ameaça comunista e a evidência de um período de paz e entendimento alargado – a NATO parecia caminhar para a irrelevância. Mas não foi isso que aconteceu, e a organização soube encontrar outras formas de manter-se ativa e diligente nos palcos mundiais – já que mais não fosse para organizar exercícios comuns, que durante uns anos se assemelharam a festivais militares.

E depois há ainda a questão da Turquia. “É um Estado-membro atípico”, nas palavras do analista e investigador André Pereira Matos, que nunca esteve totalmente alinhado com a direção da NATO (ou dos Estados Unidos, para se ser mais exato) e que insiste em manter canais abertos com os ‘inimigos’: a Rússia e o Irão, nomeadamente. E convém não esquecer que a Turquia comprou material militar à Rússia poucos anos antes da invasão da Ucrânia, mantém um desentendimento consistente com outro Estado-membro, a Grécia, e desenvolveu densas reticências à entrada da Finlândia e da Suécia na organização. O problema é que a Turquia não é um Estado-membro ‘descartável’: afinal, as chaves dos Dardanelos (ou seja, a estreita fronteira entre o Mar Negro e o Mar Mediterrâneo ) está no bolso das calças de Recep Erdogan.

Finalmente, a NATO debate-se com o aumento da insegurança em lugares que até agora estavam à margem do potencial de conflito. O mais importante deles é o território que rodeia o Polo Norte. O Círculo Polar Ártico é o caminho mais próximo entre países que não se entendem – e daí também a premência com que a NATO abriu as portas à Suécia.

Em resumo, ninguém sabe se a NATO cumprirá mais 75 anos de vida e andará por aí para comemorar o 150º aniversário. Mas é uma evidência para todos que a sua existência está bem mais consolidada que o que acontecia há apenas 30 anos atrás.

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