Não vou discorrer sobre a história nem sobre as teorias liberais desde Adam Smith a Maynard Keynes; o que me move com este texto é mesmo uma notícia recente que, assinalando o primeiro ano da presidência de Milei, na Argentina, o mesmo anunciava que tinha desacelerado a inflação no país de 25% para 2,7% e, assim, acabado com o défice económico do país. Vangloriou-se mesmo, Milei, ao ponto de se auto-propor para Nobel da economia. E como chegou a tal feito? À custa de um brutal aumento da taxa de pobreza – a maior registada nos últimos tempos desde 2004, que ascendeu a 60% no primeiro semestre: o desemprego aumentou (milhares de funcionários públicos foram despedidos); os cuidados gratuitos com a saúde acabaram; e o número de pobres argentinos ascende a mais de cinco milhões de pessoas, das quais “sete em cada dez crianças são pobres”. Milei chama a este novo cenário socioeconómico, “o maior ajuste da história da humanidade”.
É isto o (neo)liberalismo: usar da violência (política e económica) para dizimar vidas, sobretudo aquelas que pertencem às classes sociais mais vulneráveis, numa repercussão, comprovada pela história, de desumanidade que põe em causa a sobrevivência de milhares de cidadãos quando nega aquela que é a primeira função do Estado: assegurar que todos os cidadãos sejam iguais e tenham, todos, acesso a direitos humanitários elementares. “pão, casa, saúde e educação”.
Por cá, a direita (toda a direita) aponta o neoliberalismo em contraponto ao socialismo como a solução para a recuperação económica do país (ousam até falar de “recuperação social”, mesmo admitindo que num prazo mais longo). Mas a nossa história e realidade mais recentes desmentem-no: quem não se lembra das medidas (de má memória) de Passos Coelho e da Troika que vieram desmentir o neoliberalismo como solução, entre nós? As consequências ainda hoje se fazem sentir, o custo foi irreversível para milhares de pessoas, levando, inclusive, a uma emigração massiva de quadros técnicos qualificados que não recuperaremos. Os cortes severos que se fizeram nos gastos públicos desmantelaram sectores sociais fundamentais como a saúde e a educação, conduzindo ao abandono de quadros do sector público, e à diminuição de outros recursos e equipamentos, de tal forma que hoje são áreas extremamente carenciadas e debilitadas, e o resultado tivemo-lo, a exemplo, recentemente com a ausência de resposta suficiente e atempada de uma unidade vital como INEM, resultando em dezenas de mortes que poderiam ter sido evitadas.
Na educação, os professores, desconsiderados e até perseguidos pelas políticas neoliberais (e aqui também se aponta a estratégia de partidos da governação que sendo de esquerda governaram “à direita”), além de terem debandado da função pública e até da sua área de formação, hoje começam a ser em número tão diminuto que chegam a privar tantos alunos de aulas durante grande parte do ano letivo. É histórico e factual: estas políticas com o foco no “mercado livre” desregulamentado ( seja da energia, transportes ou outros setores estruturais da (socio)economia) conduzem aos piores períodos sociais da história da humanidade, sacrificando a vida de milhares de pobres mas enriquecendo a minoria dos mais ricos, e sem nunca sequer conseguiram resolver os problemas basilares da economia, mas, ao invés, aprofundando as desigualdades sociais.
O (neo)liberalismo não pode ser encarado como solução para “estabilidade económica de um país”: como é que se pode validar uma ideologia que assume que os números têm primazia sobre as pessoas? Que sacrifica crianças e idosos em nome da recuperação das elites económicas? Que liberalismo económico é este que se sobrepõe ao humanismo? E que abandona a humanidade…? E gere os países como se fossem empresas, gerando fome, miséria, desemprego em nome de superávits?!
Um país só pode ser próspero quando a dignidade e qualidade de vida de todos os cidadãos é a grande prioridade dos governantes!
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