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No futuro não precisaremos da carteira

Os métodos de pagamentos estão em profunda mutação. A entrada em cena das FinTech, os efeitos das regulação recente e a alteração dos padrões de consumo vão fazer com que o dinheiro se torne cada vez mais digital.
28 Fevereiro 2019, 07h40

Como será o dinheiro do futuro?

Hélder Rosalino, Administrador do Banco de Portugal

Em 2017, o numerário foi utilizado em 60% dos pagamentos em Portugal, num total de 3,3 mil milhões de operações e com uma taxa média de crescimento anual de 4% desde 2015. Foram realizadas 1,6 mil milhões de operações com cartão, mais 9% ao ano. O cheque continuou a diminuir, em média, 10% ao ano. Os débitos diretos e as transferências representaram, cada um, 5% do total de pagamentos e ambos cresceram, em média, 5% ao ano. Identifica-se uma tendência crescente de utilização de instrumentos de pagamento eletrónicos. Mas, mesmo estes têm registado recentes alterações.  Exemplo disso são as transferências imediatas e os cartões de pagamento contactless. Algumas tendências são inevitáveis: os pagamentos serão efetuados com equipamentos móveis no ponto de venda, como smartphones e wearables; as soluções e-invoicing ganharão disseminação (os consumidores receberão as faturas no homebanking e confirmarão de imediato a realização do pagamento); os serviços de informação sobre contas e de iniciação de pagamentos deverão ter um impulso significativo; o dinheiro físico continuará a ser um dos instrumentos mais usados em Portugal já que os pagamentos e levantamentos de numerário continuam a apresentar uma evolução positiva.Em 2025, o numerário continuará a existir, mas apenas será usado esporadicamente. As contas da água serão pagas por débito direto ou e-invoicing. O banco avisará, por mensagem, se o saldo da conta não for suficiente. No restaurante, a nossa presença será automaticamente detetada e confirmaremos a conta do jantar e iniciaremos o pagamento num smartphone ou wearable.

Pedro Malato Branco, Financial Services Senior Manager da Glintt

Num contexto tão dinâmico, evolutivo e inovador como é o sistema financeiro, falar sobre o dinheiro do futuro é quase como tentar antecipar o vencedor do próximo campeonato do mundo de futebol. Sabemos quem são os candidatos, mas é difícil prever qual deles será vencedor (e de vez em quando aparece um outsider). Acredito que o dinheiro, na sua materialização em numerário tenha ainda uma esperança de vida razoável. Já outros meios de pagamento físicos, como por exemplo os cheques, tenderão a acabar mais rapidamente.Sendo o dinheiro uma unidade de conta que serve de medida do valor de bens ou serviços, um meio de troca e liberatório que permite efetuar pagamentos de bens e serviços e reembolsar dívidas e uma reserva de valor que permite conservar poder de compra e transferí-lo do presente para o futuro, terá que continuar a existir, ainda que numa existência digital. O que já está a mudar e continuará a evoluir com uma rapidez tremenda são os meios de pagamento, ou seja, deixaremos de usar dinheiro físico para utilizar outros meios de pagamento que nos permitam manter as funções do dinheiro. E estes meios passaram, numa primeira fase, pela evolução dos que já hoje utilizamos, ainda que de uma forma mais massiva: apps, serviços de mensagens, devices e wearables e, numa segunda vaga, a voz ou outros meios biométricos.Quanto ao dinheiro, talvez um dia tenhamos uma moeda digital, universalmente aceite, suportada por uma tecnologia eficiente e regulada por uma entidade única ainda que descentralizada na sua intervenção.

Ruca Sousa Marques, CEO at Switch

Numa palavra: digital. Esta tendência de desmaterialização do instrumento de troca tem vindo a ser motivada pela criação de modelos de negócio inovadores suportados pela Internet, que promovem experiências de consumo convenientes, rápidas e seguras.A economia digital promove a abstração do conceito de dinheiro como simples unidade de valor, um número guardado numa base de dados gerida por uma instituição em quem confiamos para armazenar e facilitar transferências de fundos. Esta função tem sido historicamente concentrada na banca tradicional, mas a crescente literacia financeira e o acesso a aplicações que permitem um controlo simples de ativos a baixo custo tem motivado uma alocação diversificada dos nossos fundos:

• Contas bancárias, onde recebemos o ordenado e movimentamos transações de cartão;

• Aplicações de investimento, onde transacionamos instrumentos financeiros sem comissões;

• Cartões pré-pagos, sem comissões de câmbio para viagens internacionais;

• eWallets, que garantem a devolução de produtos de eCommence gratuitamente;

• Contas de fidelização de retalhistas, com quem transacionamos diariamente;

• Criptomoedas, guardadas numa drive local;

• Instituições de crédito, que facilitam a compra parcelada de produtos/serviços de alto valor.

No final, esta alocação vai depender dos casos específicos de consumo. O que podemos esperar no futuro, é uma crescente fragmentação dos meios de reserva e transferência de valor.”

Paulo Raposo, Diretor Geral Mastercard Portugal

As carteiras, tal como as conhecemos, têm os dias contados. Vai ser o fim das moedas a tilintar nos bolsos, da procura frenética pelos cartões bancários. Graças à inovação tecnológica, surge o interesse nos wearables que vão tornar as carteiras uma coisa do passado.Os wearables –  um anel, um relógio ou uma pulseira de fitness – ganham uma nova vida ao permitirem fazer pagamentos e que ganharão cada vez mais adeptos. Os analistas preveem que, até 2020, 62% dos wearables disponham de funcionalidades de pagamento e que haja mais de 50 mil milhões de dispositivos inteligentes.É uma expansão massiva de dispositivos em que as funcionalidades de pagamento seguro poderão ser ativadas através da plataforma de tokenização MDES (Mastercard Digital Enablement Service), através da criação de tokens a partir do número do cartão bancário principal, exclusivos para cada comerciante, com uma proteção adicional que impede o uso indevido, garantindo segurança e tranquilidade para os consumidores e para os comerciantes. Mas o desafio não é apenas tecnológico, nem de confiança no sistema. Há uma componente social e fiscal relevante. A começar pelos custos de manuseamento de dinheiro que, na UE, ascendem a 1,5% do PIB europeu e a acabar nas questões da fraude e da evasão fiscal que, com os pagamentos digitais tendem a ser mais facilmente rastreados pelas autoridades tributárias. A mudança para uma sociedade sem circulação de dinheiro em espécie será inevitável e é um processo gradual, que exige medidas políticas equilibradas, resultantes de uma combinação de incentivos e de obrigações, espírito que, aliás, está bem presente na mais recente Diretiva de Sistemas de Pagamento (DSP2).

João Cunha, Senior Project Manager da Roland Berger

O dinheiro no futuro perderá a relação com a moeda física, isto é, será cashless. Se pensarmos na realidade chinesa, que já se aproxima de forma acelerada do conceito de cashless, este futuro está a um pequeno passo do presente. Na China, parte significativa dos pontos de venda, desde lojistas a pequenos vendedores, têm como meio de pagamento preferencial as soluções de pagamento eletrónico, como o AliPay ou o WeChat Pay e, em alguns casos, deixaram de aceitar notas e moedas.Neste futuro, o smartphone será o único requisito para se viver no dia-a-dia, eliminando a necessidade de dinheiro físico. Passaremos a utilizar o smartphone para nos identificarmos à entrada das lojas, para gerir os produtos ou serviços que queremos comprar e para pagar, sem necessidade de perder tempo em filas em caixa. Esta experiência é hoje oferecida e forma isolada no Ocidente em operadores como a Amazon Go, mas está ainda muito longe de ser universal. Esse passo para o futuro está sobretudo dependente da existência de redes de pagamentos mobile na Europa de aceitação alargada ou universal, à semelhança do que acontece na China com as soluções mobile suportadas em QR Code. Com a DPS2 e com a entrada das chamadas BigTech (Apple, AliPay, Google, entre outras) aos serviços financeiros, a expectativa é que essas redes surjam e que a transição para uma realidade cashless possa acelerar.

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