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Novas regras de nacionalidade ameaçam investimentos imobiliários

Promotores imobiliários consideram que existe “um risco real de quebra de investimento” se não forem prestados esclarecimentos por parte das entidades competentes. Advogados defendem que o aumento “abrupto” dos prazos de residência é “excessivo” e receiam que possa “colidir frontalmente com os princípios constitucionais”.
23 Julho 2025, 07h00

As recentes alterações à lei de nacionalidade aprovadas pelo Governo em Conselho de Ministros podem colocar em risco investimentos no mercado imobiliário nacional, algo que está a preocupar não só os promotores, mas também advogados dado que este processo pode provocar um conflito constitucional. “Esta mudança, sobretudo pela forma como foi comunicada e pelo potencial efeito retroativo que levanta, transmite uma imagem de instabilidade e insegurança jurídica que pode comprometer seriamente a confiança dos investidores”, diz ao Jornal Económico (JE), Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).

O presidente da APPII considera que esta decisão do Governo, gera uma “preocupação legítima” entre os investidores internacionais que, ao longo dos últimos anos, confiaram no enquadramento jurídico português para estabelecerem projetos e estruturas de investimento no país, cuja reputação enquanto destino de investimento tem sido construída com muito trabalho, empenho e consistência legislativa.

“Muitos destes investidores veem Portugal como um destino não apenas de investimento, mas também como um local onde pretendem viver com as suas famílias, acreditando num país seguro, estável e previsível. Medidas como esta, quando tomadas de forma repentina e sem clarificação suficiente, podem manchar essa credibilidade e levar ao recuo de intenções de investimento que estavam em curso”, afirma.

Hugo Santos Ferreira acrescenta que a previsibilidade e a estabilidade são pilares essenciais para qualquer país que se queira afirmar na atração de capital estrangeiro, e como tal, Portugal não pode dar sinais contrários num momento em que “a concorrência entre destinos de investimento é cada vez mais forte”.

Recorde-se que com esta alteração o prazo mínimo de residência legal passa de três anos para sete para os cidadãos de países de língua oficial portuguesa e dez anos para os restantes, sendo que o prazo começa a contar com a obtenção do título de residência.

Bárbara Pestana, Sócia Fundadora da PAXLEGAL, defende que caso esta proposta seja aprovada nos moldes em que foi apresentada, alterando o momento a partir do qual se conta o tempo para requerer a nacionalidade e, simultaneamente, alargando o prazo para 10 anos, “no limite, teremos casos em que pessoas só poderão requerer a nacionalidade 14 anos depois de terem iniciado o seu percurso legal em Portugal”.

Por outro lado, a advogada salienta que é preciso reconhecer a situação de todos aqueles que já submeteram pedidos de autorização de residência e que aguardam há vários anos por uma resposta da AIMA.

“Estas pessoas tomaram decisões pessoais e familiares com base na legislação em vigor e não devem agora ser defraudadas. As novas regras, a existirem, nunca deveriam aplicar-se a quem já está dentro do sistema. Por uma razão de justiça e confiança depositada no Estado Português”, sublinha.

Para Bárbara Pestana o que mais preocupa nesta proposta é o potencial efeito retroativo implícito, que “pode colidir frontalmente com os princípios constitucionais da proteção da confiança e da segurança jurídica”, acrescentando que está em causa a legítima expectativa de milhares de pessoas que, cumprindo a lei em vigor, decidiram residir, investir e construir a sua vida em Portugal.

Quem também discorda deste aumento do prazo de residência, classificando-o de “abrupto”, é João Moraes Vaz, Sócio da Antas da Cunha Ecija, referindo que a disparidade proposta entre sete e 10 anos para efeitos de naturalização consoante o país de origem, tudo sem qualquer período transitório, “é manifestamente excessiva e dificilmente justificável à luz dos princípios constitucionais em vigor, em especial os princípios da igualdade e proporcionalidade”.

O advogado assume que apesar de acompanhar as razões políticas e sociais que motivaram a apresentação da Proposta de Lei por parte do Governo, olha para a mesma com “alguma preocupação”, defendendo uma reflexão mais profunda, quer quanto à sua conformidade com os princípios constitucionais e legais em vigor, quer quanto ao impacto que a sua aplicação poderá representar “sobre a confiança e legitimas expectativas de milhares de cidadãos estrangeiros” que se encontram ao abrigo de um processo de autorização de residência em Portugal.

“Não podemos também deixar de apelar ao respeito do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídicas, inerentes ao Estado de direito democrático, atento o conteúdo das alterações legislativas em discussão, as quais representam uma manifesta quebra das legítimas expectativas geradas pelo próprio Estado, com consequências jurídicas e humanas muito significativas, e que, provavelmente irá gerar um contencioso generalizado contra o Estado Português”, afirma.

Proposta aprovada pode impactar de forma negativa e direta Vistos Gold, fundos e economia

O respetivo processo de aprovação da proposta à lei de nacionalidade terá ainda de passar pela discussão em especialidade parlamentar, votação em plenário, apreciação do Presidente da República, e a avaliar pelos especialistas muito provavelmente, fiscalização pelo Tribunal Constitucional.

Questionados sobre se esta proposta poderá ter impacto nos detentores de vistos gold e os fundos de investimento, João Moraes Vaz admite que a mesma deve merecer alguma preocupação por parte dos imigrantes ao abrigo do programa Visto Gold, e que caso seja aprovada nos termos apresentados, poderá ter um impacto direto e negativo não só sobre os Vistos Gold e sobre os fundos de investimento, mas também sobre toda a economia portuguesa.

“Caso tal suceda, antecipamos uma quebra generalizada no acesso a esta forma de autorização de residência, bem como um número muito significativo de desistências de programas em curso, o que implicará o desinvestimento e o resgate de largas centenas de milhões de euros investidos na economia portuguesa, representando uma quebra sem ímpar da atividade dos fundos de investimento e respetivas entidades gestoras, bem como uma retração expressiva na economia portuguesa”, afirma.

Por sua vez, Bárbara Pestana assume que haverá inevitavelmente uma quebra no investimento estrangeiro, dado que “há declaradamente um grande número investidores que não concluíram o processo de investimento se o prazo de residência legal para a nacionalidade passar para 10 anos”.

A advogada considera por isso que é fundamental repensar o enquadramento fiscal aplicável a quem decide viver, trabalhar ou investir em Portugal, nomeadamente um regime atrativo, à semelhança do anterior estatuto de Residente Não Habitual (RNH).

“É essencial para captar talento, atrair talento internacional, mobilizar capital qualificado e reforçar o posicionamento de Portugal como destino atrativo e confiável, com consequências inevitavelmente benéficas para a população portuguesa”, conclui.

Em 2025, o programa Golden Visa em Portugal passou por algumas mudanças. O investimento mínimo em fundos de investimento e pesquisa científica aumentou para 500 mil euros e a transferência de capitais agora exige um mínimo de 350 mil euros para constituição ou investimento em empresas, com a criação de pelo menos cinco postos de trabalho.

O requisito de permanência em Portugal continua a ser de uma média de sete dias por ano, e o período de cinco anos para solicitar a cidadania começa na data do pedido do visto, não na emissão da autorização de residência.

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