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Números, factos e uma conversa imprópria para populistas

António Vitorino preside ao Conselho Nacional para as Migrações e Asilo e liderou a Organização Internacional para as Migrações. Trouxe dados e um olhar de experiência feita em primeira mão.
27 Setembro 2025, 17h02

Uma conversa imprópria para populistas e desinformadores. O Jornal Económico (JE) chamou António Vitorino, uma das principais vozes das migrações, para refletir sobre aquele que é um dos temas “mais controversos nas sociedades europeias”, nas palavras do próprio.

“E um elemento extremamente difícil de gerir a nível europeu. Quando fui Comissário Europeu, há 25 anos, as coisas eram bastante mais fáceis. Também eram só cinco Estados-membros”, recordou.

O presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo levou à entrevista números sobre a chegada de imigrantes às fronteiras dos EUA, durante a Administração Biden, e às da Europa, sobretudo marítimas, num exercício de perspetiva. Às primeiras chegaram, em média, dois milhões de pessoas, que ali ficaram retidas. Às segundas, chegaram cerca de 300 mil. Mas os números vão aumentar, garantiu António Vitorino, recordando o fim da USAID e, com ele, o corte da assistência ao desenvolvimento no mundo inteiro na ordem dos 30%.

Europa e envelhecimento
Para António Vitorino, a resolução de carências decorrentes do “problema sério estrutural de envelhecimento da população” europeia e da “inegável” falta de mão-de-obra em vários setores “só se pode fazer através de imigração regular, ordeira e segura”.

Mas pede cautela nas projeções. “Nós não sabemos o que será o mercado laboral daqui a cinco anos. Mas é relativamente evidente que há margens para crescimento do mercado laboral autóctone, indígena; a participação das mulheres no mercado de trabalho ainda está aquém dos números. E a equiparação salarial entre as mulheres e os homens, que produziria que mais mulheres estivessem no mercado de trabalho europeu. A questão da introdução da robotização ou da IA vai introduzir uma disrupção total no mercado de trabalho. Portanto é muito difícil fazer cálculos sobre quantas pessoas vão precisar”, explicou.

Refletindo sobre o mercado português, pegando em números do Fórum Económico Mundial, o advogado afirmou que 71% dos empresários portugueses admitem, nos próximos cinco anos, investir internamente em upskilling e reskilling. “Há setores da economia onde isto não sei vai verificar com tanta rapidez. Nós temos 40% de imigrantes na agricultura e pesca; 35% na hotelaria e turismo; 21% na construção civil e nos cuidados a idosos”, acrescentou. Nesse sentido, Portugal vai “continuar a ter necessidade de imigrantes”.

E quais são os pressuspostos para que a migração seja regular, ordeira e segura, por um lado, e aceite pela sociedade de acolhimento por outro? “Não há política migratória bem-sucedida que não tenha estas duas componentes”, afirmou.

Segundo Vitorino, as “pessoas têm de confiar que o sistema de gestão da imigração funciona”. “É preciso reganhar a confiança da sociedade sobre a gestão dos fluxos migratórios”. “A teoria ensina-nos e a prática confirma – nem sempre é o caso -, que a aceitação pela sociedade de acolhimento depende do volume de admissões, em função da capacidade de integração, e a correlação é muito importante. E o ritmo das admissões”.

No caso português, observou-se, num curto espaço de tempo, “um crescimento muito súbito”. E hoje “os fluxos mais visíveis, que nem são os mais significativas, são oriundos de geografias que não eram tradicionais”. Os imigrantes do Hindustão, que representam um vaga mais recente, com cinco anos, apesar de representarem uma imigração menos expressiva – 70% dos imigrantes são oriundos de países de expressão oficial portuguesa – “é muito visível”. “Há uma perceção de que a paisagem mudou. Se calhar não mudou assim tanto. Mas o impacto da perceção é muito importante. É tão importante quanto a realidade”.

Voltando à desinformação, António Vitorino afirmou que as “migrações são um tema muito propenso a fake news, a manipulação e a verdadeiros delírios narrativos. É algo que dura há 20 anos, no mínimo”.

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