Debater a Educação é uma questão complexa, onde os indicadores avaliáveis são hoje muitos e podem ser analisados de perspectivas diferentes, desde o ponto de vista sindical, ao político, passando pela questão profissional da formação dos professores – ou pela forma como deverá ser renovada a elevada percentagem de docentes que entrará em idade de reforma no final desta década –, mas onde “a questão de fundo” continuará sempre ser “a formação dos jovens”. Segundo o ex-ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, debatendo esta segunda-feira, 24 de fevereiro – em mais uma sessão de ‘Fim de Tarde na SEDES com Quem Sabe’, em Lisboa – o tema “O que importa e o que não importa em educação”, reconheceu que o fundamental é a possibilidade dos jovens conseguirem ter “um currículo rico em conhecimento”. E não há um só caminho para alcançar esse objetivo. “Os cursos profissionalizantes, destinados à formação de pessoas em funções úteis e válidas para a sociedade – desde os canalizadores, aos eletricistas –, atraem um número de alunos que neste momento é quase metade, quase 50%, dos jovens que estudam no secundário, o que é muito importante. É preciso valorizar o ensino profissionalizante”, defendeu.
O ex-ministro matemático, no debate organizado pela Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES), considerou que “o que se tem discutido na educação não é aquilo que é essencial em educação”. “São coisas que podem ser importantes, como as greves dos professores ou o número de alunos por turmas, mas não se discute o que é essencial”, referiu, destacando um sistema de ensino que privilegie o conhecimento e não o desenvolvimento das competências impostas pelas empresas aos currículos escolares.
Nuno Crato reconheceu a importância de modernizar os currículos, incluindo, entre outros elementos, o pensamento computacional, recordou que o conhecimento tradicional acaba por ser o mais sólido e relevante, como a matemática, a literatura e a história.
Apoiado por uma detalhada apresentação estatística, Nuno Crato deu particular ênfase ao relatório da Unesco de 2017, que quantifica a percentagem global de crianças e adolescentes que não concluem os níveis mínimos de proficiência – a escolaridade mínima adequada aos respetivos níveis etários – ficando abaixo do limiar dos conhecimentos elementares de matemática um vasto universo de 56% de jovens, que aumenta para 58% quando estão em causa os requisitos básicos da leitura. Estas estatísticas aplicadas à América do Norte e à Europa identificam 14% das crianças e adolescentes nesta situação, em ambas as áreas referidas.
A seguir, o matemático passou em revisão os indicadores do PISA (Programme for International Student Assessment) ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, fazendo assim a avaliação internacional que mede o nível de educação de jovens de 15 anos com baixos desempenhos (low performances) em provas de leitura, matemática, ciências e em todos os domínios – o que, “infelizmente”, diz, mostra uma regressão nos níveis de aprendizagem.
Estas avaliações PISA são realizadas a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), integrando países com regimes democráticos e economias de mercado. Há países que não são membros da OCDE que têm participado nas avaliações de PISA, como é o caso do Brasil, que já foi convidado pela terceira vez consecutiva.
5932 alunos portugueses participantes
Mas a relevância internacional do PISA na educação é atestada pelo número crescente dos países e regiões participantes. Dos 32 países (dos quais 28 eram membros da OCDE) e pouco menos de 200 mil alunos que participaram no PISA 2000, o número de participantes tem aumentado continuamente registando 79 participantes, e mais de 600 mil alunos, na edição de 2018 – dos quais, 5932 alunos portugueses de 276 escolas portuguesas. Por exemplo, a República Popular da China participou apenas com quatro províncias (Pequim, Shangai, Jiangsu e Guangdong), enquanto os dados de Espanha não apresentam resultados de leitura por questões técnicas.
Para especialistas em Educação como Nuno Crato, os indicadores PISA contribuem para a discussão da qualidade da educação básica e secundária e para “equacionar” as melhorias a realizar nas políticas sectoriais. Assim, ao nível dos países da OCDE, constata-se que os conhecimentos de ciências pioraram entre 2012 e 2018, passando os “baixos desempenhos”, respetivamente, de um indicador de 18,7% para 22%. Na matemática a evolução foi ligeiramente favorável, passando de 24,4% para 24,1%. Na leitura, os dados pioraram, passando, respetivamente, de 18,9% para 22,6%.
Em Portugal a situação é um pouco melhor na matemática em 2018, apresentando 23,3% dos jovens com desempenhos fracos, contra 24,9% em 2012 (uma altura em que Portugal tinha indicadores piores que os da OCDE nos conhecimentos que os jovens tinham de matemática e aritmética). Na leitura, os jovens portugueses comparam melhor que a média da OCDE, evoluindo igualmente de forma mais favorável (passaram de 18,8% com fracos desempenhos em 2012 para 19,6% em 2018, o que compara com os referidos 22,6% na OCDE).
“Os países do sudeste asiático mantêm a liderança na escala ordenada do PISA, seguidos pelos países do norte europeu”, refere o estudo. “Dos últimos lugares da lista ordenada dos resultados do PISA entre os membros da OCDE na edição de 2000, Portugal subiu à 18.ª posição da escala ordenada da literacia de leitura, à 20.ª posição em ciências e à 22.ª a matemática na edição de 2018. Portugal está agora significativamente acima de outros congéneres europeus da bacia do Mediterrâneo (Itália e Espanha) e ao nível de países europeus como a Alemanha, a Holanda, a Bélgica ou a França”, adianta o relatório do PISA.
Na União Europeia os indicadores PISA são um pouco melhores que os portugueses nos conhecimentos de matemática, passando de 22,1% com desempenhos fracos em 2012 para 22,4% em 2018. No entanto, na leitura, os indicadores PISA da UE pioraram, passando de 17,8% em 2012 (o que comparou melhor que Portugal), para 21,7% em 2018 (pior que Portugal). “É preocupante constatar que a evolução na UE não foi favorável entre 2012 e 2018”, comentou Nuno Crato.
“A nível mundial, aproximadamente um em cada quatro alunos (23%) não atingiu o nível básico de literacia de leitura (que permite identificar as ideias principais de um texto de dimensão média, e ligar informação de diferentes fontes). Aproximadamente um em cada 10 alunos (8,7%) conseguiu alcançar nível elevado de literacia (ler textos complexos, e distinguir entre factos e opiniões num texto não familiar)”, explica o mesmo relatório.
Portugal é a maior história de sucesso da Europa no PISA
O relatório do teste educacional do PISA 2018 refere que “Portugal, como membro fundador da OCDE, participou em todas as edições do PISA”. “Da antepenúltima posição em literacia de ciências e literacia matemática, e 25.ª posição da lista ordenada dos membros da OCDE, em literacia de leitura, na edição de 2000, os alunos portugueses superaram a média da OCDE em 2015 em literacia de leitura e ciências, não diferindo significativamente da média da OCDE em matemática”, salientou. “Num comentário à evolução positiva de Portugal, em contraciclo com a evolução negativa da maioria dos membros da OCDE, Andreas Schleicher, o diretor do PISA, afirmou que ‘Portugal é a maior história de sucesso da Europa no PISA’”.
Um dos indicadores que complementa a informação de PISA é relativa ao abandono escolar. Nuno Crato explicou a evolução favorável que se registou a este nível em Portugal – segundo o estudo “Abandono Escolar”, da Iniciativa Educação, elaborado por Teresa e Alexandre Soares dos Santos. Este trabalho recorda que em 1990, nos primeiros anos de extensão da escolaridade obrigatória até ao 9º ano (iniciada em 1986), “metade da população jovem portuguesa abandonava a escola apenas com o ensino básico, muitas vezes incompleto”. Mas “em 2019, já só 10,6% dos alunos abandonaram a escola sem completar o ensino secundário”, refere o estudo citado por Nuno Crato. Mesmo assim, “apesar desta grande evolução, mais de um em cada dez jovens não acaba o ensino obrigatório em Portugal”, refere o trabalho sobre o “Abandono Escolar”.
“Comparando o abandono escolar de Portugal relativamente aos restantes países da UE, por exemplo, em 2004, ainda tínhamos quase 40% dos jovens (dos 18 aos 24 anos) em situação de abandono escolar precoce, uma taxa que superava todos os 28 estados-membros. O mais próximo de nós era Espanha, que, apesar de ter descido, tinha em 2018 uma taxa superior à nacional”, adianta o estudo.
Abandono escolar em Portugal cai dos 50% em 1992 até aos 10,6% em 2019
Nuno Crato considera que a evolução de Portugal a este nível foi significativa. Portugal passou de um nível de abandono escolar, em 1992, com 50% da população dos 18 aos 24 anos sem ensino secundário e que se encontrava em situação de abandono precoce da educação e formação, para 10,6% em 2019 – o que ainda é mais relevante sabendo que a meta europeia em 2020 para este indicador é 10%.
Entre 2010 e 2015 fez-se notar “a descida mais acentuada desta taxa em Portugal”, refere o estudo. “O abandono escolar reduziu para praticamente metade entre 2011 e 2015, e as vias vocacionais foram uma das medidas que tiveram um papel decisivo no apoio aos alunos”, adianta o trabalho. “Fixaram os alunos à escola, incrementaram mais conhecimentos reconhecidos em 2015 ao proporcionarem no PISA uma subida de 90 pontos na categoria em que entraram a substituir os CEF (Cursos de Educação e Formação)”, refere.
A monitorização da situação escolar no escalão etário dos 18 aos 24 anos foi determinante “para se avaliar se as medidas de política educativa que vão sendo implementadas no sentido do aumento da escolarização da população portuguesa estão a ter o impacto esperado”, refere o trabalho. “A trajetória descendente na percentagem da população dos 25 aos 34 anos sem ensino secundário decorre, naturalmente, da trajetória que se observa na taxa de abandono escolar precoce junto dos jovens com idades imediatamente posteriores à prevista para a conclusão do ensino secundário”, acrescenta.
Portugal é assim o país que apresenta a trajetória mais pronunciada na queda da taxa de abandono escolar precoce, comparando bem ao longo do novo milénio, pois chega a 2018 com uma taxa de abandono de 11,8%, quando a média da EU-28 nesse ano foi de 10,6%, com a Itália a apresentar 14,5%, Espanha nos 17,9% e a Islândia nos 21,5%. Melhor que Portugal em 2018 estiveram a Noruega, com uma taxa de abandono escolar de 9,9%, a Finlândia com 8,3% e a Grécia com apenas 4,7%.
O estudo de Teresa e Alexandre Soares dos Santos explica que “para se obter um decréscimo continuado na taxa de abandono precoce, é necessário que as medidas de maior impacto sejam aquelas que criam as condições para a permanência na escola dos jovens que, historicamente, vêm a abandonar o ensino antes de concluir o secundário”. “As opções de formação para adultos e jovens, já integrados no mercado de trabalho, também contribuem para baixar estes números, mas é a montante que a intervenção consegue assegurar que a taxa não torna a subir”, refere ainda o mesmo trabalho.
“Passagem” é uma realidade para 90% dos alunos
Finalmente, relativamente à transição de ano letivo, a “passagem” é uma realidade para 90% dos alunos, segundo dados citados por Nuno Crato. Após os primeiros estudos internacionais de larga escala em que Portugal participou – o “Trends in International Mathematics and Science Study” (ou TIMSS, de 1995) e o PISA de 2000 –, com “resultados preocupantes”, o país passou a dispor de “instrumentos de medida dos desempenhos escolares comparáveis internacionalmente”. Nota-se por isso que se registou uma melhoria real do sucesso escolar, que permitiu concretizar uma taxa de transição escolar mais elevada. “Em 2000, 40% dos jovens no secundário não transitaram de ano. Em 2018, essa taxa melhorou para 13,6%”, refere outro estudo citado por Nuno Crato.
Apesar desta taxa ter vindo a baixar, “a percentagem de alunos que, aos 15 anos, já repetiram pelo menos uma vez ainda foi elevada em 2015 (acima dos 30%)”, detalha o estudo da Iniciativa Educação.
Citando dados oficiais da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, “nos últimos anos, as taxas de retenção estão em queda em todos os anos de escolaridade, do 1.º ao 12.º ano, tendência registada a partir do ano letivo 2014/2015, e que, segundo indicadores mais recentes, se continuou a verificar até 2017/2018”.
Mesmo assim, “em 2018, no ensino obrigatório (do 1.º ao 12.º ano), 10% dos alunos ficaram retidos ou desistiram da escola”, refere. No entanto, “no primeiro ciclo já só 2,6% dos alunos não conseguiram passar de ano. É no ensino secundário que mais alunos repetem o ano (13,6%, em 2018), mas é também neste nível de ensino que há mais anos (desde 2012) as taxas de retenção descem de forma sistemática para quase metade (de 20,5% em 2011 para 13,5% em 2018)”, acrescenta.
“Na retenção escolar registaram-se melhorias continuadas a partir de 2012 para o secundário, a partir de 2013 para o 2.º e 3.º ciclos, e a partir de 2014, no 1.º ciclo verificou-se um decréscimo para valores que já são residuais”, conclui o relatório.
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