Estávamos num período caracterizado por uma profunda reforma tributária em Portugal, dado estarmos a passar de um sistema fiscal assente numa lógica cedular / parcelar para evoluirmos para um sistema de imposto único, nomeadamente no que concerne a impostos sobre o rendimento, não apenas em sede das empresas e restantes pessoas coletivas, mas também ao nível do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”).
De facto, um dos objetivos que presidiu, à data, à aprovação do Código do IRC residia na adoção de uma taxa geral do IRC com base num critério de moderação, em que se teve particularmente em conta o elevado grau de abertura da economia portuguesa ao exterior e, por isso, a necessidade de a situar a um nível que se enquadrasse nos níveis vigentes em países com graus de desenvolvimento semelhante ao nosso ou com os quais mantemos estreitas relações económicas.
Referia-se também que não obstante o Estado, nas circunstâncias à data, não poder prescindir de receitas fiscais, o objetivo do desagravamento da tributação dos lucros das empresas não foi tão longe quanto seria desejável, mas isso não impediu que, mesmo tendo em conta a possibilidade de serem lançadas derramas sobre a coleta do IRC, se tenha atingido uma uniformização dessa tributação. Ou seja, havia um objetivo de, por um lado, manter uma taxa geral de IRC (ainda com a possibilidade de lançamento de derramas numa lógica de financiamento municipal) e, por outro lado, garantir que a mesma se afigurava competitiva face aos países que tradicionalmente competiam com Portugal.
No entanto, a crise financeira a que Portugal esteve sujeito, o que levou à adoção de um plano de assistência financeira liderado por 3 entidades (i.e. FMI, BCE e Comissão Europeia), comummente designado por Troika, entre os anos de 2011 e 2014, fez com que este paradigma se alterasse e mesmo posto em causa. De facto, neste período de recessão económica, houve necessidade de implementar um conjunto de medidas económicas de carácter excecional (i.e. medidas de austeridade), nas quais se incluíram medidas de caracter fiscal. Uma dessas medidas foi a introdução da chamada Derrama Estadual (“DE”), a qual foi introduzida ainda em 2010, ou seja, antes até da entrada formal da Troika em Portugal.
Constata-se, assim, que ao longo dos últimos anos temos vindo a assistir a um conjunto de alterações ao nível do regime fiscal aplicável à DE (a qual constitui receita do Governo central), sendo uma das mais emblemáticas a que decorreu da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (“OE 2018”), no âmbito da qual se estipulou que os contribuintes que gerem lucro tributável acima de 35 milhões de Euros, ficarão sujeitos ao pagamento da DE em 9%.
Deste modo, estabelece-se atualmente que os contribuintes ficarão sujeitos ao pagamento da DE, nos seguintes moldes:
a) Lucro tributável acima de 1.500.000€ e até 7.500.000€ – taxa de 3%;
b) Lucro tributável acima de 7.500.000€ e até 35.000.000€ – taxa de 5%;
c) Lucro tributável acima de 35.000.000€ – taxa de 9%;
Dito de outro modo, o IRC transformou-se, ao longo destes últimos anos, num imposto de carácter progressivo.
Ainda que a introdução da DE se tenha inserido num contexto de exceção económica, o que, numa primeira análise a poderia justificar, o facto de esse contexto de excecionalidade (i.e. período da Troika) ter terminado, coloca em causa os princípios que estiveram na sua génese e dão a entender que, afinal, esta medida não será excecional mas sim estruturante do próprio sistema fiscal e, em particular, no que concerne ao próprio Código do IRC. A alteração ocorrida agora sede de aprovação do OE 2018 dá expressão a esse sentimento por parte do legislador.
Assim, os princípios que estiveram na base, em 1988, aquando da aprovação do Código do IRC, estão agora postos em causa, pois não estamos perante uma realidade que afasta o IRC de um regime de imposto assente, em substância, numa lógica de taxa única, como também se levantam algumas dúvidas sobre o nível de competitividade da taxa efetiva final que uma entidade pode ser confrontada (que pode, no limite, vir a ser superior a 30%).
Como nota final, não se pode de deixar de questionar se a manutenção do atual regime da DE não é em si mesmo algo que legislador deverá repensar em termos de estrutura conceptual do imposto e bem assim das regras basilares em que o mesmo assenta.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com