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O bem é o caminho, o lugar de encontro é a praça

As cidades contemporâneas, determinadas por uma economia do turismo, assistem, quase passivamente, à expansão urbana como resposta às necessidades de um modelo de desenvolvimento económico neoliberal, esgotado. Por outro lado, não reconhecem o direito à habitação, dos mais pobres e excluídos da sociedade.
24 Novembro 2020, 07h15

A descaracterização da paisagem não só influi na degradação da qualidade de vida das pessoas que habitam um território, como também contribui para a desestruturação dos modelos de desenvolvimento económicos assentes no turismo e na especulação imobiliária.

Estes modelos, de alegado desenvolvimento, são “instrumentalizados pela economia global para impor um modelo cultural único” assente em “novas formas de colonização cultural” (Francisco, 2020) que são, na realidade, ferramentas de dominação. Vivemos numa sociedade contemporânea que não reconhece a alteridade.

As cidades contemporâneas, determinadas por uma economia do turismo,   assistem, quase passivamente, à expansão urbana como resposta às necessidades de um modelo de desenvolvimento económico neoliberal, esgotado. Por outro lado, não reconhecem o direito à habitação, dos mais pobres e excluídos da sociedade: os cidadãos sem-abrigo, os imigrantes, os refugiados, as vítimas de violência, os desempregados, entre tantos outras outras pessoas que há anos esperam por uma habitação condigna e com igual direito à dignidade da pessoa humana.

Os mais pobres de uma sociedade, face à atual crise pandémica – económica e de valores – veem agravada a sua condição social e a sua situação económica, mais acentuadas quando determinadas pelas suas especificidades culturais e/ou étnicas, que os mantêm nas periferias das cidades pós-industriais e da existência humana.

O reconhecimento do direito à habitação encontrámo-lo, enquanto pressuposto da realização da pessoa humana, desde logo na Declaração Universal dos Direitos Humanos – instrumento jurídico universal de proteção dos direitos humanos  – que reconhece a todo o ser humano um conjunto de direitos essenciais à sua realização plena e existência e constituindo-se como forma inspiradora de uma nova cultura e como fator de desenvolvimento humano e social. Aquilo que nos distingue dos outros seres, fazendo de cada um de nós pessoas, é a dimensão do SER.

Parafraseando Santo Agostinho, “só somos livres quando amamos” e tal implica, necessariamente, a preocupação com o outro ser humano. Sermos livres, implica por isso, participarmos na dotação de ferramentas e condições de dignidade na existência dos outros seres humanos, como nós.

O respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que todos os cidadãos possam usufruir de um lugar a que pertençam, de um espaço físico que possam constituir como lar, e aí viver com segurança, com privacidade e sem riscos para a sua saúde. Todavia, quando olhamos para a nossa envolvente, seja na rua, região, país ou no nosso mundo, o que encontramos e o vemos, é que nem todos os seres humanos partilham desta dimensão.

Citando o Santo Padre Francisco, na sua mais recente Encíclica: “precisamos de nos constituirmos como um «nós» que habita a casa comum”. Mas, “um tal cuidado não interessa aos poderes económicos que necessitam dum ganho rápido”.

Dispor de uma habitação condigna é universalmente considerada uma das necessidades básicas do ser humano tal como o abastecimento de água potável e o saneamento são duas necessidades básicas, diretamente ligadas à habitação.

“Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (Artigo 65º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa).

O Pacto Internacional de Direitos Económicos Sociais e Culturais (PIDESC) – instrumento jurídico internacional – diz no seu Artigo 11, parágrafo 1º que:

“Os estados-partes, no presente Pacto, reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida”.

O Papa constata que, infelizmente, “os direitos humanos não são iguais para todos” O respeito destes direitos “é condição preliminar para o próprio progresso económico e social de um país (… ) em favor do bem comum”.

Não ter teto nem habitação condigna é também origem dos processos de não identificação social e cultural com o lugar habitado e por isso origem de fenómenos de violência, por razão da exclusão social. Parafraseando o Papa, reaparece acultura dos muros”, no coração e na terra, impedindo o encontro  com as outras pessoas.

A história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos. Novas formas de egoísmo e de perda do sentido social” são “mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais” (Francisco, 2020).

Tão depressa nos esquecemos, que foram estas razões que serviram de gérmen aos totalitarismos do século XX e aos populismos neo-totalitários do século XXI. “O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia” (Francisco, 2020).

É tempo, de cada um de nós, com a sua voz e intransigência, não esmorecer na sua ação de defesa dos direitos humanos e promover uma “cultura de encontro” com o outro ser humano.

Cuidemos, da nossa casa, do mundo que nos rodeia e em vez de erguemos muros, saibamos construir praças. Em vez de lugares de divisão, saibamos construir lugares de encontro. A Arquitetura cumpre esse princípio, o bem é o caminho, o lugar de encontro é a praça.

Referências:

Diário da República n.º 173/2004, Série I-A de 2004-07-24, (2004). Artigo 10.º da Lei Constitucional n.º 1/2004. Assembleia da República. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/337/202011231109/128029/element/diploma

Francisco, (2020). Carta Encíclica Fratelli Tutti. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana

Organização das Nações Unidas, (1976). Pacto Internacional de Direitos Económicos Sociais e Culturais. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/ProfessionalInterest/cescr_SP.pdf

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