O discurso de ano novo de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) é um texto que sugere um Presidente da República (PR) aprisionado pela realidade, evitando abordar de frente as grandes chagas abertas na sociedade portuguesa. Bem sei que um discurso nesta data pretende ser sempre uma peça de esperança, de apelo à Nação para os 365 dias que se seguem. Considero isso tudo e, ainda assim, não consigo evitar a desilusão.

Digo-o com pesar.

Pertenço ao grupo dos cidadãos que saudou com grande esperança a eleição do atual PR; que releva a forma enérgica, entusiasmada e entusiasmante como ele saiu ao caminho dos outros portugueses, sendo mais um sem deixar de ser o primeiro, humanizando o cargo.

O Presidente MRS trouxe muitas coisas boas à política portuguesa. Principalmente, pareceu querer ser sempre frontal e explícito em contraponto com o discurso cifrado e genérico de outros protagonistas. É por isso que custa ver este “Discurso de Ano Novo”, uma peça infelizmente em consonância com muito do que foi a sua ação nos últimos meses, branda e em ziguezague.

MRS escreveu, e leu, um discurso demasiado codificado. Tão codificado que, no limite, pode dizer estar lá tudo aquilo de que sinto falta, como o pedido de uma nova prática aos eleitos políticos – e já nem sequer esperaria que fosse crítico dos muitos casos concretos que têm desprestigiado o Parlamento; como o saber preocupado com este ambiente de corrupção generalizada – e também ninguém quereria ver o Presidente a apontar o dedo a quem quer que fosse; como o incentivo à necessidade de haver mais e melhor investigação policial e de se manter a independência do MP – e também não era suposto que tomasse posição sobre discussões políticas e partidárias em curso; como uma referência ao grave problema da dívida portuguesa – e aqui também não seria de esperar que faltasse com o apoio institucional ao Governo no reconhecimento das melhoras realizadas nos números do défice; como, até, o apelo à responsabilidade bancária – e não pretenderia, obviamente, vê-lo falar sobre os casos concretos destapados pela crise.

Também sei que se pode dizer que há momentos particulares para se falar de cada um dos temas de que sinto falta. Claro que sim. Como também existem outros momentos em que o PR  poderia dizer aquilo que nesta ocasião quis, e decidiu, dizer, como a referência à importância do voto em democracia. No final, como sempre na vida, é a escolha que marca. E esta escolha para o discurso de ano novo parece ser a de um homem que hesita em dizer o que pensa, e com a clareza com que antes o dizia.

Bem sei que MRS teve um ano difícil, sobretudo com a gestão política do caso do roubo das armas de Tancos, nas suas, e nossas, Forças Armadas – e que isso o fragilizou mais do que algum dia o admitirá. E também que a sucessão das diversas falências do Estado, culminada na queda da estrada de Borba, banalizaram os seus repetidos apelos aos necessários inquéritos “rigorosos”.

Sei isso tudo. Mas, assim, e sem ser de repente, instala-se a sensação de que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa está a evitar todos os combates difíceis e concretos. Gostaria de estar errado. Sobretudo para poder voltar a votar, como ele nos pede, sem ser com o sentimento de um sacrifício que mantém a democracia formal, é verdade, mas a inunda de gente pequena e indigna, e isso é um outro facto.