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 “O Estado faz bem em multar quem deve, mas tem que cumprir a sua parte: devolver o IVA às empresas”

Belarmino Lucas, presidente da Câmara de Comércio de Barlavento, concorda com a cobrança coerciva de IVA e Imposto sobre Rendimento de Pessoas Colectivas (IPRC) às empresas devedoras, mas espera que o Governo cumpra a sua parte, com o reembolso desses impostos. Lucas quer também que o executivo cumpra com a promessa de atribuir aos armadores cabo-verdianos 25% na futura empresa das linhas concessionadas de transportes marítimos.
2 Junho 2018, 10h05

Económico Cabo Verde – Começaria por perguntar sobre um tema que marcou a semana. O governo através da DNRE (Direção Nacional de Receitas do Estado) anunciou a cobrança coerciva de IVA e IRPS às empresas devedoras. Como avalia esta medida?

Belarmino Lucas – Trata-se de uma medida normal que, mais do que uma “medida”, deveria ser encarada como uma actividade corrente da administração tributária. Os impostos devem ser pagos, é uma obrigação legal e um dever de cidadania, e as consequências para quem não cumpra estão previstas na lei, incluindo a cobrança coerciva.

Agora, também não é menos verdade que deve existir reciprocidade no cumprimento da lei. Se é absolutamente legítimo que o Estado proceda à cobrança dos impostos que lhe são devidos, através dos meios legais que tem ao seu dispor, não é menos legítimo que os contribuintes credores do Estado exijam deste o pagamento atempado e assíduo daquilo que lhes deve, seja o pagamento de faturas de contratos de fornecimento de bens e serviços, seja o reembolso de impostos, nomeadamente, créditos de IVA e IRPC.

Em muitos casos, os contribuintes encontram-se em situações difíceis de tesouraria, precisamente por causa de atrasos de pagamento por parte do Estado, o que pode levar a episódios de incumprimento de obrigações tributárias.

No entanto, o princípio a respeitar é o do cumprimento das obrigações fiscais, pelo que, quem não cumpre sujeita-se aos remédios legais estabelecidos para o efeito.

 

– A Diretora DNRE anunciou que a partir da próxima semana, as empresas e os empresários em falta serão notificados pelo Estado para regularizarem a situação através do pagamento dos valores em dívida a que acrescem juros de mora. Caso a situação se mantenha irregular, o Estado avançará com o processo de penhora de bens e até mesmo de responsabilização criminal dos incumpridores. Essa decisão apanhou de surpresa o sector?

O cumprimento da lei, nomeadamente, no que diz respeito às obrigações tributárias, não pode constituir motivo de surpresa para os contribuintes. Como disse atrás, o pagamento dos impostos estabelecidos por lei constitui uma obrigação e um dever de cidadania.

Todas as medidas anunciadas pela DNRE estão previstas na lei, pelo que não existe aqui qualquer surpresa.

Eventualmente, o que poderá constituir alguma “surpresa” será o “timing” desse processo, no sentido de haver quem pudesse não estar a contar que a administração fiscal enveredasse, neste momento, por uma actuação sistemática de recuperação de créditos fiscais do Estado. Trata-se, no entanto, de uma expectativa pueril, na medida em que essa é uma das funções da administração fiscal, que deve zelar pela realização das receitas fiscais previstas no Orçamento Geral do Estado, sem as quais não é possível fazer funcionar o país.

Por outro lado, admito que alguns contribuintes possam encontrar-se numa situação financeira que não permita, realisticamente, garantir a liquidação imediata e na totalidade das dívidas fiscais atrasadas. Seria, neste caso, recomendável a concessão de um prazo razoável para que o contribuinte possa encontrar alternativas de mobilização de liquidez que lhe permita pagar essas dívidas fiscais, sem pôr em causa a sua capacidade produtiva.

Para além da necessidade de o Estado, por seu turno, saldar as suas próprias dívidas para com os contribuintes, fazendo funcionar, nomeadamente, o mecanismo da compensação de créditos fiscais.

– “São Vicente está estagnada”. Esta é uma frase que mais se ouviu no fim da governação do PAICV. Passados dois anos da posse do actual Governo a Câmara de Comercio de Barlavento sente que a ilha começa a caminhar ou nem por isso?    

Essa frase traduzia a realidade da ilha e a própria perceção dos seus habitantes e operadores económicos. Havia uma sensação de bloqueio, falta de perspectivas e um profundo desânimo.

Passados dois anos da posse do atual Governo, não se pode dizer que a situação da ilha se tenha alterado radicalmente, até porque não seria possível uma mudança radical em tão pouco tempo, tendo em conta o ponto de partida.

Existem, no entanto, perspetivas animadoras, alicerçadas numa atitude francamente mais empenhada deste Governo relativamente às necessidades da ilha, aliada a um conjunto de medidas de índole nacional que poderão dar um novo impulso ao sector privado.

Espera-se, agora, que se concretizem diversos projetos privados e públicos na ilha que poderão ser catalisadores de uma nova dinâmica de desenvolvimento económico local. Neste ano de 2018 os resultados das políticas do Governo terão, necessariamente, de começar a despontar.

 

– O governo tem anunciado várias medidas para o sector privado, que considera ser o motor de desenvolvimento (linhas de crédito bonificado para o financiamento das pequenas e médias empresas, negociações com Bancos internacionais para o financiamento da economia local, a aprovação da lei referente ao “Green Card”, entre outras). São medidas que respondem as expectativas do sector privado e que podem ajudar a gerar mais emprego?

–  São medidas positivas, na medida em que visam atacar os principais constrangimentos ao desenvolvimento do sector privado nacional, nomeadamente, as dificuldades no acesso ao financiamento e a exiguidade do mercado nacional.

Desse ponto de vista, respondem às expectativas do sector privado, ainda que não resolvam todos os problemas. Vão na direção correta e, assim sendo, terão impacto positivo na geração de empregos no sector privado.

 

– A Zona Económica Especial para a Economia Marítima (ZEEEM), na ilha de São Vicente, tem conhecido alguns avanços, com a China disponibilizar todo o apoio a Cabo Verde. Como é que o sector privado está a ser envolvido ou poderá envolvido?

A Zona Económica Especial para a Economia Marítima (ZEEEM) é um projecto que se encontra ainda numa fase muito embrionária. Tem-se a ideia geral do conceito e do que se pretende em termos gerais, mas o projecto em si, o estudo de viabilidade, ainda se encontra em fase de elaboração, com o apoio da China, efetivamente, esperando-se que esteja concluído o primeiro “draft” nos próximos meses.

O Sector Privado tem estado envolvido através da sua participação nas equipas consultivas técnicas que acompanham a elaboração dos estudos, nomeadamente através da Câmara de Comércio de Barlavento.

Ponto assente é que o sector privado nacional tem que ser um importante “player” na ZEEEM, nunca mero espectador do seu desenvolvimento.

 

– Este é um projecto para o horizonte 2030, acha que poderá ajudar a resolver os inúmeros problemas que a ilha enfrente?

É um projeto de longo prazo, cujos contornos exatos ainda não estão definidos. No entanto, a longo prazo, nomeadamente no horizonte 2030, poderá ser um “game changer” para a ilha, sobretudo se se tiver em conta que a economia marítima tem uma natureza transversal, abarcando os mais diversos sectores de actividade, incluindo o próprio turismo, outro vector essencial e incontornável do desenvolvimento económico da ilha.

 

– O concurso internacional lançado recentemente pelo Governo para as linhas marítimas de cabotagem poderá excluir armadores cabo-verdianos segundo alguns. Que avaliação faz a Câmara de Comercio de Barlavento deste concurso?

–  A unificação do mercado nacional é uma das maiores prioridades da nossa economia e, nesse contexto, o transporte marítimo inter-ilhas constitui o principal instrumento para se atingir esse objectivo. Assim, esse concurso é um dos processos mais relevantes que, neste momento, estão a decorrer no país.

Preocupa-nos, efectivamente, que a participação dos armadores nacionais não venha a ter a expressão que seria desejável, nomeadamente pelas consequências que esse facto poderá acarretar a essas empresas que ficarem de fora.

Por isso, a CCB esforçou-se no sentido de promover soluções que permitissem uma participação forte do armador nacional no concurso, mas sem sucesso, o que lamentámos.

Esperamos, no entanto, que essa participação possa ocorrer de alguma forma, nomeadamente através da reserva de, pelo menos, 25% da participação na empresa que venha a ser constituída para a exploração das linhas concessionadas, conforme já garantiu o Governo.

 

– O Senhor tem, neste momento, a Presidência do Conselho Geral das Câmaras do Comércio. É sempre complicado fazer avaliação em causa própria, mas alguns avanços alcançados?

O Conselho Superior das Câmaras de Comércio é, essencialmente, um órgão de cúpula, representação externa comum e concertação entre as Câmaras de Comércio.

Os objetivos de promoção do Sector Privado são prosseguidos através das ações de cada uma das Câmaras de Comércio, que procuram garantir uma convergência de posições e articulação de programas e atuações através do Conselho Superior.

Assim, desse ponto de vista, pelas próprias atribuições do Conselho Superior, não existem grande balanços a fazer dos mandatos dos respetivos presidentes, que são rotativos, passando de Câmara para Câmara a cada dois anos.

 

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