A ideia que António Costa tem da recuperação económica-financeira do país está espelhada na sua equipa de governo: 19 ministros e 50 secretários de Estado, contra os 11 ministros e 35 secretários de Estado de Passos Coelho em 2011, após a chegada da troika. Uma escolha que vai custar uma média de 70 milhões de euros por ano em funcionamento da máquina do Estado. Não é muito nem é pouco. É um dado objetivo – que compara com a média de 15 ministros na União Europeia (Alemanha e Espanha têm, ambos, normalmente esse número), bem longe dos 30 que tem o atual governo de Angola.

Para além dos números do novo executivo, a liturgia destes dias cumpriu os ciclos habituais, com a tomada de posse e a discussão do programa de governo. É por esses dois momentos que chego a algumas conclusões.

Pela negativa, não é preciso ir mais longe do que o cirúrgico discurso de Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio da Ajuda. Falta a este governo um roteiro concreto para o combate à corrupção. Ficam intenções gerais, faltam as medidas concretas. E isso não é bom num governo que, ao contrário do de 2011, então com muitos ‘independentes’, tem o seu maior campo de recrutamento nos deputados eleitos pelo PS. É um governo umbilicalmente ligado ‘à máquina’ partidária. Sabemos o que isso significa em Portugal.

Entre os factos mais positivos, destaco os quatro pilares para a legislatura. São bons e fogem ao tradicional da pequena discussão política nacional, sempre feita sobre os temas tradicionais e tendo como ponto central o Orçamento do Estado.

António Costa elegeu as alterações climáticas, a sustentabilidade demográfica, a transição digital e o combate às desigualdades. São boas bandeiras. Modernas. Importantes. Transversais. Resta o fundamental: saber como vão ser agitadas no concreto. Por exemplo: no clima temos a assunção da neutralidade carbónica zero até 2050 (compromisso que o PS traz desde 2016). Será necessário, agora, conhecer as medidas concretas para outras áreas, como o combate ao plástico, à poluição dos rios resultante das águas residuais resultantes de indústrias várias, etc. E neste campo há ainda um combate educacional a promover relativo à reciclagem do lixo. Tenho visto desvalorizar o tema face a outros. É um erro. Anda bem o governo em assumir esta área como prioritária, porque ela coloca Portugal no pelotão da frente dos países responsáveis.

A transição digital, a coesão do território e o combate às desigualdades, que aglutinam dimensões económico-financeiras, territoriais, administrativas, sociais e outras também são sintoma de um pensamento mais sintonizado com o novo mundo. É pena que a discussão partidária não o releve.

A carta na manga (do governo) para estes dias foi, no entanto, a assunção do objetivo de um salário mínimo de 750 euros até 2023. É outra boa meta. Obviamente, a esquerda à esquerda do PS entende que poderia ser mais ambiciosa, mas ela marca uma evolução social positiva.

Do ponto de vista das pessoas, percebe-se a progressiva saída de Mário Centeno do palco. A cara do ministro das Finanças foi bem agitada em tempo de eleições e remetida agora para segundo plano no Parlamento, onde as figuras foram, para além do próprio António Costa, os ministros Matos Fernandes, do Ambiente; Mariana Vieira da Silva, da Presidência; Pedro Siza Vieira, da Economia e Augusto Santos Silva, dos Negócios Estrangeiros. Não é difícil ler as estrelas: Centeno vai sair, mais tarde ou mais cedo, para o seu retiro internacional. Siza Vieira é a figura à direita de Costa e não apenas na foto de família. Resta saber se a conjuntura internacional permitirá a prioridade da Economia sobre as Finanças.