Ângela Ferreira, a.k.a. Kruella d’Enfer, tem nome de vilã. Nasceu para as artes nas Caldas da Rainha, quando se descobriu artista visual e entrou na cena da arte urbana, um universo onde todos tinham um alter-ego, um nickname. Principalmente, pessoas com um background no graffiti, explica a ilustradora que não queria assinar “Ângela”, por ser uma jovem muito tímida. “Isso foi há 14 anos”, recorda, quando escolheu um nome que fosse uma espécie de ‘capa’ de super-herói para se proteger. “E que fosse a antítese de mim”, admite, sorridente.
Aos 35 anos, o mundo onírico de Ângela, perdão, Kruella, continua a ampliar-se, a sair da sua zona de conforto. “Sou apologista de experimentar todos os formatos”, disse ao JE numa tarde em que o sol se mostrava tímido, em tudo contrastante com as cores vivas e quentes que lhe habitam a imaginação. “Se não estivesse aberta a novos materiais, por exemplo, nunca teria feito uma residência na Viúva Lamego”, um nome indissociável da história da azulejaria nacional que há várias décadas convida artistas a experimentar a plasticidade do azulejo. “Foram eles que me convidaram”, explica Kruella d’Enfer. “A verdade é que gosto de me testar, de sair da zona de conforto e de experimentar”.
As suas obras podem ser vistas em diferentes locais da cidade de Lisboa – e não só –, como o recente mural exterior do Teatro Taborda, o painel de grandes dimensões que inunda de cor o átrio da Fundação EDP, e essa tal ‘experiência’ feita na fábrica da Viúva Lamego, “Fleeting Reverie”, que integra a exposição dos 175 anos de história daquela casa centenária e que pode ser vista até dia 29 de dezembro, no Museu Nacional do Azulejo. Dos seus dedos saem também rótulos de cervejas artesanais ou retratos que lhe encomendam, e desenhos que se espraiam por empenas de prédios lisboetas e não só.
Ângela Ferreira navega entre murais em grande escala e trabalhos intimistas em papel e tela, dá vida a lendas e mitos ancestrais usando cores contrastantes e formas geométricas para nos contar histórias fantásticas e universais. Confessa, aliás, que é aí, aos cultos, tradições, lendas, mitos urbanos que vai buscar inspiração. “Sempre tive um grande fascínio pelo misticismo, pela espiritualidade e por mitos, porque me dá um lado imaginário mais amplo e também um lado humano, que me interessa, como aquilo que leva as pessoas a fecharem-se em nichos e ‘gavetinhas'”. Mas não só. Diz que este fascínio também tem a ver com o facto de ter nascido numa pequena aldeia.
“Desde pequena que isso faz parte do meu imaginário. Numa aldeia não faltam superstições, muitas histórias…”. Daí que seja habitual as suas ilustrações intimistas ou grandes murais, entre outros trabalhos, serem habitados por lobos místicos ou raposas mágicas, por exemplo. Da mesma forma que brinca com as cores, contrastando-as, com a flora e a geometria, para dar forma e densidade a histórias fantásticas com um apelo universal.
Vieira da Silva, Cargaleiro e Querubim Lapa são referências, “mas há muitas outras coisas que me inspiram, como o cinema, a música, as viagens, cartoons da minha infância, na televisão e os animes, as mangas japonesas”. Isto quando ainda não sabia que viria a adotar Lisboa como casa, para si e para o seu ateliê, e que uma viagem ao Japão não lhe sairia da cabeça. Desde que visitou o país do sol nascente, em 2019, que tem nutrido essa intensa ligação explorando filmes de cineastas como Ozu e Kurosawa, ou as criações saídas do mítico Studio Ghibli. A música ambiente japonesa também tem vindo a crescer, pois faz questão de “alimentar” a sua coleção de discos desse género musical. E de aprofundar o seu fascínio pela arquitetura nipónica.
Que mais a inspirou nesse périplo? “Acima de tudo, desbloqueei uma coisa importante para o meu trabalho, que foi simplificar. Antes, enchia os meus trabalhos com muitos elementos e criava composições cheias de detalhes”, explica ao JE. “Sinto que, desde essa viagem, tenho vindo a depurar e a simplificar cada vez mais o meu trabalho. Sinto que está mais harmonioso, fui beber muito da cultura e da paleta cromática, mas mantenho as cores fortes e sinto que nunca irei deixá-las”, conclui a artista visual com um sorriso rasgado.
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