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“O mundo: modo de usar”

A melhor razão para viajar é o próprio prazer da viagem, não vale a pena arranjar desculpas. O importante é partir e ter tempo. Foi o que fez Nicolas Bouvier a bordo de um Fiat Topolino em junho de 1953. “Tinha dois anos pela frente e dinheiro para quatro meses”.
Marta Teives
23 Novembro 2019, 11h03

A Suíça não produz só relógios, queijos e chocolates, também é pátria de grandes viajantes, que deixaram belos relatos dos seus périplos.

Se Annemarie Schwarzenbach e Ella Maillart já tinham sido editadas em português, esse não era o caso de Nicolas Bouvier. A lacuna foi finalmente colmatada, e logo com um livro que rapidamente se tornou um verdadeiro clássico da literatura de viagens: “O mundo: modo de usar” é o mais recente volume da coleção de viagens da Tinta da China, com tradução e prefácio de José Mário Silva, que inclui os desenhos de Thierry Vernet, o companheiro de Bouvier nesta aventura (e que a documenta ainda com croquis).

 

 

Partindo de Genebra num Fiat Topolino, em junho de 1953, o suíço apanha o amigo pintor em Belgrado, sem intenção de regressar. Muito cedo, lera Stevenson, Júlio Verne, Jack London e Fenimore Cooper, e já viajara pela Finlândia, Argélia, Espanha, Itália e Grécia. Neste livro, descreve o périplo pela então Jugoslávia, a Grécia, Turquia, Irão e Afeganistão, até chegar ao Passo Khyber, antecâmara do subcontinente indiano, em dezembro de 1954. A viagem continuaria, através do Ceilão (hoje, Sri Lanka) e da Índia, até ao Japão.

Quando partiu do seu país, Bouvier, oriundo de uma família calvinista, tinha 24 anos. Acabava de abandonar a universidade, onde estudava sânscrito, história medieval e direito. Não tinha muito dinheiro, mas tinha algo que é igualmente importante: tempo (“Tínhamos dois anos pela frente e dinheiro para quatro meses. O plano era vago, mas, em situações como esta, o essencial é partir”). Aliás, quando viajava, gostava de o fazer muito lentamente; afirmava com orgulho que demorara mais tempo a chegar ao Japão do que Marco Polo.

Assim, sem limitações temporais, com muitas paragens devido às constantes avarias do carro, Bouvier e Vernet vão-se deparando a todo o momento com a extraordinária variedade que torna a raça humana tão fascinante, de balcânicos com a música nas veias a mendigos iranianos que declamam de cor os poemas de Hafiz.

A melhor razão para viajar é o próprio prazer da viagem, não vale a pena estar a arranjar desculpas. Para Nicolas Bouvier, bastava pensar na “contemplação silenciosa dos atlas, quando nos deitamos de barriga para baixo no tapete, entre os dez e os 13 anos, que desperta a vontade de abarcar tudo aquilo. Pensar em regiões como o Banato, o mar Cáspio, Caxemira, imaginar as músicas que ali se ouvem, os olhares com que nos cruzaríamos, as ideias que nos esperam…”.

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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